06/01/2018

René Guénon - O Simbolismo Solsticial de Jano

por René Guénon



Acabamos de ver que o simbolismo das duas portas solsticiais, no Ocidente, existia entre os gregos e mais em particular entre os pitagóricos; ele é encontrado igualmente entre os latinos, onde está essencialmente vinculado com o simbolismo de Jano. Como já fizemos alusão a este e a seus diversos aspectos em muitas ocasiões, não consideraremos aqui senão os pontos referidos mais diretamente ao que expusemos em nossos últimos estudos, ainda que, por outra parte, seja difícil isolá-los por completo do conjunto bastante complexo de que formam parte.


Jano, no aspecto de que agora se trata, é propriamente o ianitor ["porteiro"] que abre e fecha as portas (ianuae) do ciclo anual, com as chaves que são um de seus principais atributos; e recordaremos em relação a isso que a chave é um símbolo "axial". Isso se refere, naturalmente, ao aspecto "temporal" do simbolismo de Jano: suas duas faces, segundo a interpretação mais habitual, são consideradas como representação respectivamente do passado e do futuro; agora bem: tal consideração do passado e do futuro se encontra também, como é evidente, para um ciclo qualquer, por exemplo o ciclo anual, quando ele é encarado a partir de uma ou outra de suas extremidades. Desde este ponto de vista, ademais, importa agregar, para completar a noção de "tempo triplo", que entre o passado que já não é e o futuro que ainda não é, o verdadeiro rosto de Jano, aquele que olha para o presente, não é, diz-se, nenhum dos dois visíveis. Este terceiro rosto, em efeito, é invisível porque o presente, na manifestação temporal, não constitui senão um instante inapreensível [1]; mas, quando o ser se eleva por sobre as condições dessa manifestação transitória e contingente, o presente contém, ao contrário, toda realidade. A terceira face de Jano corresponde, em outro simbolismo, na tradição hindu, ao olho frontal de Shiva, também invisível, posto que não representado por qualquer órgão corporal, olho que figura o "sentido da eternidade"; um olhar desse terceiro olho reduz tudo a cinzas, quer dizer, destroi toda manifestação; mas, quando a sucessão se transmuta em simultaneidade, o temporal em intemporal, todas as coisas voltam a se encontrar e moram no "eterno presente", de modo que a destruição aparente não é, em verdade, senão uma "transformação".

Voltemos ao que concerne mais particularmente ao ciclo anual: suas portas, que Jano tem por função abrir e fechar, não são senão as portas solsticiais a que já nos referimos. Não cabe qualquer dúvida a este respeito: em efeito, Jano [Ianus] deu seu nome ao mês de janeiro (ianuarius), que é o primeiro, aquele pelo qual se abre o ano quando começa, normalmente, no solstício de inverno; ademais, coisa ainda mais nítida, a festa de Jano, em Roma, era celebrada nos dois solstícios pelos Collegia Fabrorum; teremos oportunidade imediata de insistir neste ponto. Como as portas solsticiais dão acesso, segundo dissemos anteriormente, às duas metades, ascendente e descendente, do ciclo zodiacal, que nelas tem seus pontos de partida respectivos, Jano, que já vimos aparecer como o "Senhor do Tempo Triplo" (designação que se aplica também a Shiva na tradição hindu), é também, pelo dito, o "Senhor das Duas Vias", essas duas vias, da direita e da esquerda, que os pitagóricos representavam com a letra Y [2], e que são, no fundo, idênticas ao deva-yána e ao pitr-yâna respectivamente [3]. É fácil compreender, então, que as chaves de Jano são em realidade aquelas mesmas que, segundo a tradição cristã, abrem e fecham o "Reino dos Céus" (correspondendo neste sentido ao deva-yâna, a via pela qual se alcança aquele) [4], e isso tanto mais quando que, em outro sentido, essas duas chaves, uma de ouro e a outra de prata, eram também, respectivamente, a dos "grandes mistérios" e a dos "pequenos mistérios".

Em efeito, Jano era o deus da iniciação [5], e esta atribuição é das mais importantes, não só em si mesma mas ainda do ponto de vista em que agora nos situamos, porque existe uma conexão manifesta com o que dizíamos sobre a função propriamente iniciática da caverna e das outras "imagens do mundo" equivalentes dela, função que nos levou precisamente a considerar o assunto das portas solsticiais. A esse título, no mais, Jano presidia os Collegia Fabrorum, depositários das iniciações que, como em todas as civilizações tradicionais, estavam vinculadas com o exercício dos artesanatos; e é muito notável que isto, longe de desaparecer com a antiga civilização romana, tenha continuado de forma ininterrupta no próprio cristianismo, e que disso, por estranho que pareça aos que ignoram certas "transmissões", pode-se ainda encontrar vestígios em nossos dias.

No cristianismo, as festas solsticiais de Jano se converteram nas dos dois São João, e estas se celebram sempre nas mesmas épocas, quer dizer ao redor dos solstícios de inverno e verão [6]; e é também muito significativo que o aspecto esotérico da tradição cristão haja sido considerado sempre como "joanita", o que confere a este fato um sentido que ultrapassa claramente, quaisquer fossem as aparências exteriores, o domínio simplesmente religioso e exotérico. A sucessão dos antigos Collegia Fabrorum, no mais, se transmitiu regularmente às corporações que, através de todo o Medievo, mantiveram o mesmo caráter iniciático, e em especial a dos construtores; esta, pois, teve naturalmente por patronos os dois São João, de onde provém a conhecida expressão de "Loja de São João" que se conservou na maçonaria, pois esta não é senão a continuação, por filiação direta, das organizações a que acabamos de nos referir [7]. Ainda em sua forma especulativa moderna, a maçonaria conservou também, como um dos testemunhos mais explícitos de sua origem, as festas solsticiais, consagradas aos dois São João depois de ter estado às duas faces de Jano [8]; e assim a doutrina tradicional das duas portas solsticiais, com suas conexões iniciáticas, se manteve viva ainda, por muito que seja geralmente incompreendida, até no mundo ocidental atual.

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1 - Por esse mesmo motivo, certas línguas, como hebraico e árabe, não têm forma verbal correspondente ao presente.

2 - É o que figurava também, de forma exotérica e "moralizada", o mito de Hércules entre a Virtude e o Vício, cujo simbolismo foi preservado no sexto arcano do Tarô. O antigo simbolismo pitagórico, além disso, teve outras "sobrevivências" curiosos; assim, ele é encontrado, no período do Renascimento, no pé da impressora do impressor Nicolas du Chemin, desenhada por Jean Cousin.

3 - A palavra sânscrita yâna tem a mesma raiz que o latim ire e, de acordo com Cícero, desta raiz deriva o próprio nome de Jano [Ianus], cuja forma é, além disso, singularmente próxima da de yâna.

4 - Sobre este simbolismo das duas vias, deve-se acrescentar que há uma terceira, a "via do meio", que leva diretamente à "libertação", esse caminho corresponderia ao prolongamento superior, não desenhado, da parte vertical da letra Y, e isso deve ser somado ao que foi dito acima sobre o terceiro rosto (invisível) de Jano.

5 - Note-se que a palavra initiatio vem de in-ire, e que, portanto, o verbo ire também é encontrado nela, ao qual o nome de Jano está vinculado.

6 - O São João invernal é, portanto, muito próximo da festa de Natal, que, de outro ponto de vista, corresponde não menos exatamente ao solstício de inverno, como explicamos anteriormente. Um vitral do século XIII na igreja de Saint-Rémi, em Reims, apresenta uma figuração particularmente curiosa e certamente excepcional em relação ao que está sendo discutido aqui: se discutiu em vão a questão de qual dos dois São João está representado ali. A verdade é que, sem poder ver nele a menor confusão, os dois foram representados, sintetizados na figura de um único personagem, como mostrado pelos dois girassóis colocados em direções opostas na cabeça daquele, que correspondem neste caso aos dois solstícios e às duas faces de Jano. Digamos também, de passagem e a título de curiosidade, que a expressão popular francesa "Jean qui pleure et Jean qui rit" ['João que ri e João que chora'] é realmente uma reminiscência dos dois rostos opostos de Jano. 

7 - Recordaremos que a "Loja de São João", embora simbolicamente assimilada simbolicamente à caverna, não deixa de ser, como essa, uma figura do "cosmos"; a descrição de suas "dimensões" é particularmente clara a este respeito: seu comprimento é "de leste a oeste"; sua largura, "do meio dia ao setentrião"; sua altura, "da terra ao céu"; e a sua profundidade, "da superfície ao centro da terra". É digno de nota, como relação notável no que concerne a altura da Loja, que, de acordo com a tradição islâmica, o local onde uma mesquita é levantada é considerado consagrado não apenas na superfície da terra, mas a partir dele até o "sétimo céu". Por outro lado, diz-se que "na Loja de São João se elevam templos à virtude e se cavam masmorras para o vício"; estas duas idéias de "elevar" e "escavar" referem-se às duas "dimensões" verticais, altura e profundidade, que são contadas de acordo com as metades do mesmo eixo que vai "do zênite ao nadir", tomadas no sentido oposto; estas duas direções opostas correspondem, respectivamente, a sattva e tamas (enquanto a expansão das duas "dimensões" horizontais corresponde ao rajas), isto é, às duas tendências do ser, em direção aos Céus (o templo) e em direção ao Inferno (o calabouço), tendências que são aqui mais "alegorizadas" do que simbolizadas no sentido estrito, pelas noções de "virtude" e "vício", exatamente como no mito de Hércules que lembramos antes.

8 - No simbolismo maçônico, duas tangentes paralelas a um círculo são consideradas, entre outros significados diversos, como representando os dois São João; se o Círculo é visto como uma figura do ciclo anual, os pontos de contato das duas tangentes, diametralmente opostas entre si, correspondem aos dois pontos solsticiais.