30/01/2014

Entrevista com Aleksandr Dugin - Unidos pelo Ódio

por Manuel Ochsenreiter



Professor Dugin, a grande mídia e os políticos consagrados ocidentais descrevem a situação recente na Ucrânia como um conflito entre pró-europeus e a aliança de oposição democrática e liberal de um lado e um regime autoritário com um ditador como presidente do outro lado. Você concorda?

Dugin: Eu sei dessas histórias e eu considero esse tipo de análise totalmente errada. Não podemos dividir o mundo de hoje no estilo da Guerra Fria. Não existe um “mundo democrático” que está contra um “mundo antidemocrático”, como muitas mídias ocidentais reportam.

Seu país, a Rússia, é um dos núcleos desse chamado “mundo antidemocrático”, quando acreditamos nos nossos principais meios de comunicação. E a Rússia com o presidente Vladimir Putin tenta intervir na política interna da Ucrânia, nós lemos ...

Dugin: Isso está completamente errado. A Rússia é uma democracia liberal. Dê uma olhada na Constituição Russa: Temos um sistema eleitoral democrático, um parlamento em funcionamento, um sistema de livre mercado. A Constituição é baseada no padrão ocidental. Nosso presidente Vladimir Putin governa o país de forma democrática. Não somos uma monarquia, não somos uma ditadura, não temos um regime comunista soviético.

Nossos políticos na Alemanha chamar Putin um "ditador"!

Dugin: (risos) Com base em que?

Por causa de suas leis sobre os LGBT, seu apoio para a Síria, os processos contra Michail Chodorchowski e o “Pussy Riot”...

Dugin: Então eles o chamam de “ditador” porque não gostam da mentalidade russa. Cada ponto que você mencionou é democraticamente legítimo. Não existe apenas um único elemento “autoritário”. Sendo assim, não devemos confundir isso: Mesmo se você não gosta da política russa, não se pode negar que a Rússia é uma democracia liberal. O presidente Vladimir Putin aceita as regras democráticas do nosso sistema e respeita elas. Ele nunca violou uma única lei. Portanto, a Rússia é parte do campo democrático liberal e o padrão da Guerra Fria não funciona para explicar a crise Ucraniana.

Assim como podemos descrever esse conflito violento e sangrento?

Dugin: Nós precisamos de uma análise geopolítica e civilizacional bastante clara. E nós temos que aceitar fatos históricos, mesmo que eles não estejam na moda hoje!

O que você quer dizer?

Dugin: A Ucrânia de hoje é um Estado que nunca existiu na história. É uma entidade recém criada. Essa entidade possui pelo menos duas partes completamente diferentes. Essas duas partes possuem uma identidade e cultura diferentes. Há a Ucrânia Ocidental que é unida em sua identidade euro-oriental. A vasta maioria das pessoas vivendo na Ucrânia Ocidental se considera como européia oriental. E essa identidade se baseia na rejeição completa de qualquer idéia pan-eslava junto com a Rússia. Os russos são considerados como inimigos existenciais. Nós podemos dizê-lo assim: Eles odeiam russos, a cultura russa e obviamente a política russa. Isso constitui uma parte importante de sua identidade.

Você não está chateado com isso como russo?

Dugin: (ri) De modo algum! É uma parte da identidade. Não significa necessariamente que eles querem ir à guerra contra a Rússia, mas eles não gostam de nós. Nós deveríamos respeitar isso. Olhe, os americanos são odiados por muitos povos mais e eles aceitam isso também. Assim quando os ucranianos ocidentais nos odeiam, isso não é nem ruim nem bom - é um fato. Vamos simplesmente aceitar isso. Nem todo mundo tem que nos amar!

Mas os ucranianos orientais gustam de vocês russos mais!

Dugin: Não tão rápido! A maioria das pessoas vivendo na parte oriental da Ucrânia partilha de uma identidade comum com o povo russo - histórica, civilizacional e geopolítica. A Ucrânia Oriental é um país absolutamente russo e eurasiano. Assim há duas Ucrânias. Nós vemos isso muito claramente nas eleições. A população está dividida em qualquer questão política importante. E especialmente no que concerne as relações com a Rússia, nós testemunhamos quão dramático esse problema se torna: Uma parte é absolutamente anti-russa, a outra parte é absolutamente pró-russa. Duas sociedades diferentes, dois países diferentes e duas identidades nacionais e históricas diferentes vivem em uma entidade.

Então a questão é que sociedade domina a outra?

Dugin: Essa é uma parte importante da política ucraniana. Nós temos as duas partes e temos a capital Kiev. Mas em Kiev nós temos ambas identidades. Não é nem a capital da Ucrânia Ocidental nem da Ucrânia Oriental. A capital da parte ocidental é Lviv, a capital da parte oriental é Kharkiv. Kiev é a capital de uma entidade artificial. Esses são todos fatos importantes para compreender esse conflito.

A mídia ocidental bem como "nacionalistas" ucranianos discordariam fortemente do termo "artificial" para o Estado ucraniano.

Dugin: Os fatos são claros. A criação do Estado da Ucrânia com as fronteiras de hoje não foi resultado de um desenvolvimento histórico. Foi uma decisão burocrática e administrativa da União Soviética. A República Socialista Soviética da Ucrânia foi uma das 15 repúblicas constituintes da União Soviética de sua criação em 1922 a seu fim em 1991. Ao longo dessa história de 72 anos, as fronteiras da república mudaram muitas vezes, com uma parte significativa do que hoje é a Ucrânia Ocidental sendo anexada pelo Exército Vermelho em 1939 e a adição da antiga Criméia Russa em 1954.

Alguns políticos e analistas dizem que a solução mais fácil seria a partição da Ucrânia em um Estado oriental e um Estado ocidental.

Dugin: Não é tão fácil quando parece porque teríamos problemas com minorias nacionais. Na parte ocidental da Ucrânia muitas pessoas que se consideram russas vivem hoje. Na parte oriental vive uma parte da população que se considera como ucraniana ocidental. Você vê: Uma simples partição do Estado não pode realmente resolver o problema, mas pode até criar um novo. Nós podemos imaginar uma separação da Criméia, porque essa parte da Ucrânia é um território puramente russo.

Por que parece que a União Européia está tão interessada em "importar" todos esses problemas para sua esfera?

Dugin: Não está no interesse de qualquer aliança européia, está no interesse dos EUA. É uma campanha política liderada contra a Rússia. O convite de Bruxelas à Ucrânia para se unir ao Ocidente trouxe imediatamente o conflito com Moscou e o conflito interno da Ucrânia. Isso não é surpreendente de forma alguma para qualquer um que conheça a sociedade e história da Ucrânia.

Alguns políticos alemães disseram que eles ficaram surpresos pelas cenas de guerra civil em Kiev...

Dugin: Isso diz mais sobre os padrões de política e educação histórica de seus políticos do que sobre a crise na Ucrânia.

Mas o presidente ucraniano Viktor Yanukovych recusou o convite do Ocidente.

Dugin: É claro que ele recusou. Ele foi eleito pelo leste pró-russo e não pelo oeste. Yanukovych não pode agir contra o interesse e a vontade de sua própria base eleitoral. Se ele aceitasse o convite ocidental-europeu ele seria imediatamente um traidor aos olhos de seus eleitores. Os apoiadores de Yanukovych querem a integração com a Rússia. Para ser claro: Yanukovych simplesmente fez o que seria lógico para ele fazer. Sem surpresas, sem milagre. Simples política lógica.

Há agora uma aliança oposicional bastante pluralista e politicamente colorida contra Yanukovych: Essa aliança inclui típicos liberais, anarquistas, comunistas, grupos de direitos homossexuais e também grupos nacionalistas e até neonazistas e hooligans. O que mantém esses diferentes grupos e ideologias unidos?

Dugin: Eles são unidos por seu puro ódio contra a Rússia. Yanukovych é aos seus olhos o proxy da Rússia, o amigo de Putin, o homem do Oriente. Eles odeiam tudo que tem relação com a Rússia. Esse ódio os mantém unidos; esse é um bloco de ódio. Para ser claro: O ódio é sua ideologia política. Eles não amam a União Européia ou Bruxelas.

Quais são os principais grupos? Quem está dominando as ações da oposição?

Dugin: Esses são claramente os grupos neonazistas mais violentos no chamado Euro-Maidan. Eles incitam à violência e provocam uma situação de guerra civil em Kiev.

A grande mídia ocidental afirma que o papel desses grupos extremistas é dramatizado pela mídia pró-russa para difamar a totalidade da aliança oposicional.

Dugin: É claro que eles afirmam. Como eles querem justificar que os governos europeus e da União Européia apoiam neonazistas racistas e extremistas fora das fronteiras da União Européia enquanto dentro da União Européia eles agem das formas mais melodramáticas e dispendiosas mesmo contra os mais moderados grupos de direita?

Mas como podem por exemplo os grupos de direitos homossexuais e grupos liberais de esquerda lutarem ao lado de neonazistas que são bastante conhecidos por não serem nada amigáveis para com gays?

Dugin: Em primeiro lugar, todos esses grupos odeiam a Rússia e o presidente russo. Esse ódio os torna camaradas. E os grupos liberais de esquerda não são menos extremistas que os grupos neonazistas. Nós tendemos a pensar que eles são liberais, mas isso é terrivelmente equivocado. Nós encontramos especialmente na Europa Oriental e na Rússia muito comumente que o lobby homossexual e os grupos ultranacionalistas e neonazistas são aliados. Também o lobby homossexual possui idéias bastante extremistas sobre como deformar, reeducar e influenciar a sociedade. Não devemos esquecer isso. O lobby gay e lésbico não é menos perigoso para qualquer sociedade do que neonazistas.

Nós sabemos de tal aliança também de Moscou. O blogueiro liberal e candidato à posição de prefeito em Moscou Alexej Nawalny foi apoiado por tal aliança de direitos homossexuais e grupos neonazistas.

Dugin: Exatamente. E essa coalizão-Nawalny também foi apoiada pelo Ocidente. O ponto é, não é de modo algum algo relativo ao conteúdo ideológico desses grupos. Isso não é interessante para o Ocidente.

O que você quer dizer?

Dugin: O que aconteceria se uma organização neonazista apoiasse Putin na Rússia ou Yanukovych na Ucrânia?

A União Européia começaria uma campanha política; todas as imensas corporações midiáticas ocidentais cobririam isso e fariam escândalo

Dugin: Exatamente este é o caso. Assim é apenas uma questão de que lado tal grupo se situa. Se o grupo está contra Putin, contra Yanukovych, contra a Rússia, a ideologia do grupo não é um problema. Se o grupo apoia Putin, a Rússia ou Yanukovych, a ideologia imediatamente se torna um imenso problema. É tudo sobre o lado geopolítico que o grupo assume. Não é nada além de geopolítica. É uma ótima lição que está ocorrendo na Ucrânia. A lição nos diz: A geopolítica está dominando estes conflitos e nada mais. Nós testemunhamos isso também com outros conflitos, por exemplo na Síria, Líbia, Egito, na região do Cáucaso, Iraque, Irã...

Qualquer grupo tomando posição em favor do Ocidente é um "bom" grupo mesmo que seja extremista?

Dugin: Sim e qualquer grupo tomando posição contra o Ocidente - mesmo que esse grupo seja secular e moderado - será chamado de "extremista" pela propaganda ocidental. Essa abordagem domina exatamente o campo de batalha geopolítico hoje. Você pode ser o mais brutal e radical combatente salafista, você pode odiar judeus e comer órgãos humanos na frente da câmera, desde que você lute pelos interesses ocidentais contra o governo sírio você é um aliado respeitado e apoiado do Ocidente. Quando você defende uma sociedade multirreligiosa, secular e moderada, todos ideais do Ocidente aliás, mas você toma posição contra os interesses ocidentais como o governo sírio, você é o inimigo. Ninguém está interessado no que você acredita, é apenas sobre o lado geopolítico que você escolhe se você está certo ou errado aos olhos da hegemonia ocidental.

Prof. Dugin, especialmente na Ucrânia grupos de oposição se dizendo "nacionalistas" discordariam fortemente do senhor. Eles dizem: "Nós estamos contra a Rússia e contra a União Européia, nós assumimos uma terceira via!" A mesma coisa ironicamente diria o combatente salafista na Síria: "Nós odiamos os americanos tanto quanto o governo sírio!" Há algo como uma terceira via possível nessa guerra geopolítica de hoje?

A idéia de assumir uma posição independente entre os dois blocos dominantes é muito comum. Eu tive entrevistas e diálogos interessantes com uma figura de liderança da guerrilha separatista chechena. Ele me confessou que ele realmente acreditava na possibilidade de uma Chechênia Islâmica livre e independente. Mas depois ele compreendeu que não há "terceira via", não há possibilidade disso. Ele compreendeu que ele luta contra a Rússia ao lado do Ocidente. Ele era um instrumento geopolítico do Ocidente, um proxy da OTAN no campo de batalha caucásico. A mesma feia verdade atinge o "nacionalista" ucraniano e o combatente salafista árabe: Eles são proxies ocidentais. É duro aceitar isso porque ninguém gosta da idéia de ser um idiota útil de Washington.

Para dizer com clareza: A "terceira via" é absolutamente impossível?

Dugin: Não há espaço para isso hoje. Há potência terrestre e potência marítima na geopolítica. A potência terrestre é representada hoje pela Rússia, o poder marítimo por Washington. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tentou impor uma terceira via. Essa tentativa se baseou precisamente naqueles erros políticos sobre os quais falamos ainda há pouco. A Alemanha entrou em guerra contra a potência marítima representada pelo Império Britânico, e contra o poder terrestre representado pela Rússia. Berlim lutou contra as principais forças globais e perdeu a guerra. O fim foi a destruição completa da Alemanha. Assim quando mesmo a poderosa Alemanha daquela época não foi forte o bastante para impôr uma terceira via como que os grupos menores e mais fracos querem fazer isso hoje? É impossível, é uma ilusão ridícula.

Alguém que afirma hoje lutar por uma "terceira via" independente é na realidade um proxy para o Ocidente?

Dugin: Na maioria dos casos, sim.

Moscou parece ser bastante passiva. A Rússia não apoia quaisquer proxies, por exemplo, nos países da União Européia. Por que?

Dugin: A Rússia não possui uma agenda imperialista. Moscou respeita a soberania e não interferiria nas políticas domésticas de qualquer outro país. E essa é uma política honesta e benigna. Nós testemunhamos isso mesmo na Ucrânia. Nós vemos muito mais políticos e diplomatas da União Européia e mesmo dos EUA viajando para Kiev para apoiar a oposição do que vemos políticos russos apoiando Yanukovych na Ucrânia. Nós não devemos esquecer que a Rússia não possui interesses hegemônicos na Europa, mas os americanos tem. Falando francamente, a União Européia não é uma entidade européia genuína - é um projeto imperialista transatlântico. Ela não serve aos interesses dos europeus mas aos interesses da administração de Washington. A "União Européia" é na realidade anti-européia. E o "Euro-Maidan" é na realidade "anti-Euro-Maidan". Os neonazistas violentos na Ucrânia não são nem "nacionalistas", nem "patriotas", nem "europeus" - eles são puramente proxies americanos. O mesmo para os grupos de direitos homossexuais e organizações como o FEMEN ou grupos liberais de esquerda.