17/10/2012

Come Carpentier de Gourdon - Irã: Reino Ariano e Império Universal

por Come Carpentier de Gourdon


"Todas as antigas realizações da Mesopotâmia, Síria, mesmo do Egito, podem ser traçadas aos Aquemênidas; por sua vez suas descobertas na medicina, matemática, astronomia e ciência foram passadas para a Europa". - (John Curtis, Department of the Ancient Middle East, British Museum)

A ideia do Irã, como uma civilização federativa, ao mesmo tempo absorvendo e prevalecendo sobre os antigos reinos da Oeste e Sul da Ásia emerge com as conquistas e reivindicações universais de Ciro (Kurosh) o Grande, o fundador do Império Aquemênida em 549 a.C., mas os grandes Reis Medas, antes dele, já haviam laborado para unir as tribos do platô iraniano enquanto lançavam olhares de cobiça para a Assíria e Babilônia. De fato, os mitanianos, os hititas e os kassitas, para mencionar três predecessores ilustres, haviam construído poderosos estados "indo-iranianos" (por falta de uma definição cultural melhor) no Oriente Próximo, muitos séculos antes de Ciro. De fato os kassitas governaram a Babilônia durante a segunda metade do segundo milênio a.C.

Mais atrás na história, é agora possível traças as raízes da civilização iraniana pelo menos ao quarto milênio a.C., e não, como tem sido sustentado até então na Mesopotâmia, o suposto berço da humanidade celebrado na Bíblia, mas mais para o leste, onde é hoje a província de Kerman, no sítio arqueológico de Jiroft que só foi descoberta em 2001, não muito longe das costas do Golfo Pérsico, no rio Halil.

Os restos arqueológicos de Jiroft estão espalhados por uma vasta área de 400km por 300km e eles efetivamente representam um desafio direto à teoria da primazia da Suméria como mãe da civilização já que a sociedade de Jiroft já estava bem estabelecida, próspera e sofisticada por volta de 3000 a.C., e parece ter sucedido a uma cultura ainda mais antiga datada do sexto milênio a.C. Enquanto tal ela constitui o "elo perdido" entre sítios do Vale do Indo e do Beluchistão tais como Mehrangarh ao leste e os de Zagros e mesopotâmicos ao oeste, apoiando a tese de que uma antiga rede marítima e terrestre de trocas existia entre a Ásia Meridional e o Crescente Fértil, provavelmente se estendendo até o Egito e à Ásia Menor já que há evidência de relações comerciais entre essas áreas respectivas. Há muitas características da civilização Jiroft que a coloca acima da Suméria em termos de refinamento artístico e organização social. Significativamente o zigurate descoberto em Jiroft é o maior já encontrado e é pelo menos um século mais velho que seus paralelos mesopotâmicos.

Objetos encontrados no sítio revelaram uma rica iconografia de símbolos tais como a árvore da vida e a águia bicéfala, alguns dos quais são característicos da arte iraniana posterior enquanto outros posteriormente se tornaram familiares temas bíblicos.

Uma característica ainda mais notável do Jiroft é a existência de um sistema de escrita desde o terceiro milênio a.C., mais precisamente por volta de 2800 a.C., o que é anterior às mais antigas tabuletas deixadas pela civilização suméria. As implicações dessas descobertas, tomadas em conjunto com outras descobertas sobre culturas fluviais do Indo e do Sarasvati, espalhadas até tão longe quanto o vale do Kashmir e o Afeganistão atual, são que a "civilização" pode ter viajado do leste para o oeste ao longo do caminho do Sol ao invés de ter florescido primeiro na terra dos Dois Rios do Gênese.

De fato tem sido proposto que Jiroft é Aratta, a cidade dos sete portões, a terra mítica das origens dos sumérios que eles situavam por trás de muitas montanhas no oriente. O único nome de um rei de Aratta registrado na literatura suméria, Ensukeshdanna ou Ensukushsiranna, possui alguma analogia com o Inshusinak que era o deus principal dos elamitas do Khuzistão, no antigo sítio de Susa que depois se tornou a capital meridional dos Rei dos Reis Aquemênidas já que o próprio Ciro era originalmente o governante de Anzan, parte da velha Elam. Uns seis séculos antes de Ciro se tornar senhor da Babilônia, os monarcas elamitas de Susa haviam saqueado a cidade e tomado alguns de seus símbolos míticos, incluindo a famosa estela (kudurru) de Hammurabi, assim reivindicando a sucessão dos reis sumério-caldeus.

Os Sete Climas e as Duas Cabeças

Uma das referências mais constantes encontradas nas tradições reais iranianas faz alusão aos sete climas do mundo, que são regiões de espaço e tempo nas quais governam monarcas universais. O imperador iraniano é o "Senhor das Sete Regiões" (keshwars) e ele habita na região central, no coração da estrela de seis pontas universal (que se tornou posteriormente a Estrela de Davi) ou flor em formato de sol. Por muitos séculos a região central dessa heptarquia foi vista como estando localizada no Iraque atual como a cidade sagrada da Babilônia, com seu grande santuário de Baal Marduk, o Esagil - por mais de um milênio uma fonte de conhecimento sagrado e iniciação - considerada como o umbigo do mundo desde os tempos de Nabucodonosor II pelo menos, foi adotada como capital por Ciro e seus sucessores.

Cidades centrais anteriores havia sido Ecbatana (Hamadan), Pasárgada e Persépolis (Takht I Jamshid), as acrópoles sagradas dos governantes medas e persas. Os arsácidas e sassânidas posteriores fizeram de Ctesifonte (Madain), bastante próxima da futura Bagdá sua sede real, assim estabelecendo a base para que Bagdá se tornasse a metrópole universal dos Califas Abássidas que reivindicavam o legado cultural e geopolítico dos imperadores iranianos.

Sucessivas dinastias persas que geralmente não podiam manter sua posse sobre o Iraque tendiam a olhar para província de Fars, o coração dos primeiros reinos de seus antecessores, como o centro de seu mundo, mas eles jamais pareciam ter certeza sobre se seus ancestrais remotos vieram do Cáucaso (Azerbaijão) ou do leste do Mar Cáspio, para além do Oxus e do Iaxartes (Syr e Amu Darya). Essa ambiguidade sobre o berço geográfico do povo iraniano e da religião zoroastriana tem influenciado a história natural de diversos modos e ela explica o passado do Irã e suas tentativas contínuas de definir sua identidade em relação aos seus vizinhos do noroeste, tais como Rússia e Europa como um todo, com os quais ele reivindica uma herança "indo-ariana" compartilhada, e também em relação aos povos turcos orientais e aos chineses com os quais possui muitos séculos de relações tumultuosas, porém frutíferas.

O Crisol e o Sol Brilhante: Da Grécia à China

O império iraniano foi construído ao longo dos séculos por uma sucessão de clãs guerreiros à cavalo ("Jowanmard": guerreiro a cavalo, em farsi), muitos dos quais vieram dos altos planaltos espalhados entre os mares Cáspio e Aral. Aquele apetite por conquistas distantes permaneceu forte até o século XIX, entre os descendentes dos sármatas, medas, persas, partos, alanos e citas que se combinaram para formar a nação iraniana. Da Grécia no Ocidente à Ásia Meridional cuja região do Indo foi anexada por Dario I, a cultura iraniana continuou a ter uma influência mesmo quando não havia nenhum estado nacional poderoso para afirmar sua presença política. Se tornou mais difícil, à luz de recentes descobertas, traçar a linha entre as línguas e civilizações semíticas e indo-europeias. O akadiano que era uma "língua franca" para o Oriente e se tornou uma das línguas oficiais do Império Aquemênida parece estar relacionada à maioria das línguas indo-europeias e, por outro lado, as áreas do sul do Irã, ao longo do Golfo Pérsico e até a boca do Tigre e do Eufrates foram habitadas em meados do segundo milênio a.C. por pessoas que falavam línguas proto-dravidianas tais como os elamitas do Khuzistão, possivelmente relacionados ao brahui que sobreviveu até hoje no Beluchistão.

As muitas comunalidades entre as escrituras védicas da Índia e os textos sagrados avésticos do Irã não precisam ser repetidas já que elas tem sido bem documentadas. Os reis védicos da Índia conquistaram novos domínios seguindo um garanhão em suas migrações e reivindicando qualquer terra em que o garanhão se aventurasse, uma prática muito similar ao costume persa. No grande épico indiano Ramayana, o Rei Dasaratha, pai do herói, possui como sua segunda esposa uma princesa chamada Kaikeyi, cujo nome sugere uma origem iraniana já que persas eram usualmente designados como "kaikeyas" na Índia antiga, provavelmente como alusão à lendária dinastia Kaikus. O senhor da morte e rei do paraíso (o outro mundo: Paeri Daeza, Paradesa, Pardesh) é Yama na Índia e Yima (Jamshed) no Irã onde ele também é o pai da humanidade e o primeiro vinicultor, o alter ego do Noé bíblico.

No lado persa, o nome de Ciro "Kurus" é compartilhado por um dos clãs reais da Índia, os Kauravas, descendentes do Rei Kuru. Cambises (Kambuja) é chamado como um dos povos védicos e purânicos da Índia, geralmente localizado pelos textos antigos no norte e noroeste do subcontinente (O Reino de Camboja - na Indochina é dito ter sido fundado por eles). Tantas outras analogias atestam a um parentesco bastante antigo e duradouro entre as culturas que floresceram entre o Cáucaso e o Ganges das quais muitos iranianos e indianos modernos permanecem bastante conscientes.

A influência persa pode ter sido projetada pela aristocracia militar equestre mas ela foi levada de fato por seus comerciantes e seus famosos escribas e estudiosos, uma casta intelectual que se destacava na administração, na literatura e também na medicina. Esses foram os homens que fizeram o nome, a língua, a literatura, a música e a pintura do Irã prevalente na Ásia. Os posteriores senhores árabes e turcos do Irã e seus domínios próximos tinham que depender do poder intelectual e do conhecimento dos persas para gerenciar seus estados e não raro pegavam emprestada a língua e o estilo de vida de seus súditos, como símbolo máximo de erudição e refinamento.

Cortes persófonas, versadas no melhor da poesia, equitação, caligrafia, gastronomia, degustação de vinho, astrologia, alquimia e jogos como o xadrez floresceram da Ásia Menor ao Turquestão Oriental e da Arábia do Norte ao Deccan Indiano. Algumas das maiores dinastias do Oriente, incluindo os seljúcidas e os otomanos da Turquia, os gaznávidas do Afeganistão, os khilijis, os tughlaqs, os suris, os lodhis e mugals do norte da Índia, os bahmânidas, adil, barid e qutub shahis do sul da Índia, os sultãos de Bengala e os timúridas da Ásia Central podem não ter sido iranianos por sangue, mas eles adotaram o modo persa de vida e assim o fizeram, após eles, muitas das casas reais hindus da Índia, algumas das quais se acreditava descender os invasores citas eftalitas persianizados e mesmo (no caso de certos príncipes de Gujarat) da própria linha imperial sassânida. A fascinação permaneceu intacta até o século XIX, quando a elite nativa da Índia britânica e da Turquia osmanli ainda escreviam e compunham em persa, com antigos temas iranianos, ainda que tanto Rússia como Grã-Bretanha já tivessem tornado então o decadente reino qajar em um protetorado empobrecido. Ademais, marinheiros e comerciantes da Índia e da Árabia Oriental levaram a influência persa tão longe quanto a Malásia e o arquipélago indonésio na Idade Média.

O outro aspecto fundamental ainda que menos conhecido da enorme influência do Irã ao longo das eras é sua influência religiosa. As mensagens espirituais que emergiram a antiga terra dos Magos estão envolvidas em sigilo místico ("kitman" ou "sirr" em árabe, cobertas pela famosa "taqiyya" ou mascaramento) e seus seguidores tem sido comumente vistos como sectários que se submetem a chamados supra-racionais, mas não há como negar o poder e resiliência desses credos. À parte do Zoroastrianismo, que é agora uma reforma extremamente antiga de uma teologia mazdeana indo-iraniana ainda mais antiga, baseada na dualidade de "Ahuras" e "Daevas" ("Devas" e "Asuras" em sânscrito), nós devemos relembrar que o Zurvanismo, o Maniqueísmo, o culto dos Yazidis de Sinjar, o Mitraísmo (que literalmente invadiu o Império Romano tardio), o cisma defunto dos Mazdaquianos, o Xiismo Ismaelita, com sua versão militante há muito desaparecida dos "Assassinos", as denominações Qarmatianas e Alevi, o Xiismo "dos Doze" que é a religião oficial do Irã desde o século XVII, a fé druze do Líbano, a seita mzab do Norte da África, o Babismo e o Baha'ismo nasceram todas no Irã ou possuem fontes iranianas.

A terra que forneceu um refúgio hospitaleiro para os últimos neoplatonistas expulsos da Academia de Atenas pelos imperadores bizantinos no século VI, herdou muitas correntes do pensamento neoplatônico e neoaristotélico (ambas escolas geralmente não eram vistas como distintas no Oriente) que se tornaram parte integral de sua tradição filosófica e impregnaram muitas tariqas sufi que surgiram na Pérsia entre os séculos IX e XIX, incluindo a Karramiya, a Malamatiyya, a Hakimiya, a Melewi, a Chishti, a Naqshbandi, a Bektashi, a Alevi e os seguidores iluminacionistas "Ishraqi" de Suhravardi. Esse ilustre nativo de Suhravard no Irã, como muitas outras figuras reverenciadas do misticismo islâmico, como Beyazid Bistami, Hallaj, Jalal ul Din Rumi e Jami ou poetas "gnósticos" como Firdowsi, Saadi, Jami, Hafiz e Ruzbehan Baqli poderiam reivindicar uma filiação étnica com Salman Pak, o amigo e confidente persa do profeta Maomé que é considerado como o fundador do Sufismo segundo muitas tradições esotéricas.

O desejo de construir um estado platônico ideal permaneceu surpreendentemente vívido entre estudiosos religiosos iranianos, usualmente pela combinação da revelação gnóstica xiita com a metafísica helênica. A constituição iraniana contemporânea reflete em algumas de suas provisões a influência subjacente do pensamento político platônico.

Como nota de rodapé a esse comentário, o legado duradouro da doutrina mazdeo-maniquéia de dualidade entre luz e trevas pode ser detectada no jogo de xadrez iraniano que simbolicamente ilustra a luta eterna entre as forças brancas e negras do universo. O jogo também carrega traços da reverência indo-europeia pelo poder feminino como energia ativa (a rainha do xadrez) que dinamiza o pólo masculino de criação, absolutamente consciente, porém estático (o par Ishvara-Shakti). A luta de opostos dualísticos é muito presente na teologia e escatologia do Xiismo.

Assim, em sua forte tradição de estadismo e em suas especulações e aspirações religiosas intelectuais nós encontramos as orientações duplas do Irã para exercer sua influência e definir seu papel no mundo. O país permaneceu uma sociedade indo-europeia com roupas islâmicas, marcada pela divisão entre sábios, guerreiros e artesãos-comerciantes, uma tríade apoiada sobre uma vasta fundação campesina. A nação luta com seus recursos estratégicos para afirmar sua preponderância regional e combater o cerco de antigos e novos rivais como Turquia, os estados árabes, Israel e o eixo anglo-americano.

Esses recursos são as minorias xiitas no Líbano, Síria, nas nações do Golfo e da Ásia Central, os hazara do Afeganistão (que, com poucas interrupções tem estado sob a égide persa, ao menos ao redor do Coração, conhecido tanto pelos governantes mugais e britânicos da Índia como o "portão do Irã), os sarts do Tadjiquistão "etnicamente" persa e os "setimanos" e "duodecimanos" do Paquistão. Na Índia, onde o legado persa permanece forte e que é lar da segunda maior comunidade xiita do mundo, o vale do Kashmir chama a si mesmo de "Iran Sagheer" (Pequeno Irã) e no lado do estado ocupado pelo Paquistão, comunidades ismaelitas também mantiveram fortes laços culturais com a Pérsia.

De fato, em todos os lados, o Irã é cercado por potências árabes ou turcas, o que explica a mentalidade de cerco que o país tende a desenvolver quando um inimigo poderoso tenta reduzir seu poder ou desintegrá-lo. Desde a Renascença até a era industrial, os Xás, ainda que mantendo relações geralmente amistosas com os imperadores mugais do Hindustão tentaram conquistar apoiadores ocidentais de modo a manter os sultões otomanos afastados e enviaram diversas missões diplomáticas à Europa nesse sentido, em obediência ao axioma diplomático de que "o inimigo de meu inimigo é meu amigo". Depois eles tentaram enfrentar a penetração russa com a ajuda da Grã-Bretanha, ao mesmo tempo evitando os apetites imperiais da mesma buscando uma aliança com a França. O sentimento persistente de isolamento político e religioso nas classes governantes iranianas de fato se sustentam na realidade objetiva e justificam com plausibilidade o suposto desejo de adquirir um dissuasivo nuclear.

O afastamento entre a monarquia autocrática, porém cada vez mais secular e cosmopolita e a casta religiosa nacionalista, majoritariamente apoiada pela classe média e pelo proletariado urbano, levou à revolução de 1979 e à derrubada subsequente do Xá. As políticas anti-britânicas e pró-alemãs seguidas por Reza Pahlevi I, quando Hitler governava em Berlim refletiam um desejo de traçar um caminho modernista e secular como a única nação genuinamente "ariana", distinta tanto da ideologia comunista imposta sobre as repúblicas soviéticas da Ásia Central e o conservadorismo pró-britânico e pró-americano da maioria dos governantes árabes da época.

Não surpreendentemente, Londres, Moscou e Washington consideraram as tendências iranianas "rebeldes" inaceitáveis e o Xá foi enviado ao exílio em 1947 após ter sido forçado a abdicar em favor de seu filho mais velho. O regime republicano nacionalista proclamado por Muhammed Mossadegh em 1951 foi também rapidamente derrubado com o apoio da CIA que ajudou a restaurar o jovem Xá. Este estava geralmente contente em agir como aliado dos americanos dentro da CENTO da qual o Irã se tornou o principal pilar em 1955. Junto com Turquia e Paquistão, o Irã era parte da extensão asiática da OTAN, designada principalmente para conter a URSS e prevenir sua temida marcha em direção às águas quentes do Golfo Pérsico.

Os EUA e Israel ajudaram a construir e treinar a polícia secreta estatal, a temida Savak que efetivou uma ampla espionagem e repressão tanto contra oponentes religiosos como esquerdistas da monarquia. Aparentemente a CIA e o Mossad ensinaram a seus estudantes iranianos técnicas sofisticadas de interrogação, tortura e assassinato ainda que seja difícil crer que houvesse uma escassez de conhecimento local nesses campos.

Não obstante as políticas seguidas pelo Xá entre os anos 60 e 1979, o ano de sua queda não deve ser visto como uniformemente e servilmente alinhado com os interesses americanos. Em seguimento à milenar tradição iraniana e seu senso de destino, Reza Pahlevi seguiu uma política de liderança regional que causou incômodos a seus vizinhos bem como a seus "protetores" americanos. Sua diplomacia cada vez mais independente, sua aproximação com a URSS, sua estratégia petrolífera assertiva dentro da OPEC que levou à crise do petróleo de 1974-75 causaram espanto nas capitais ocidentais e sua iniciativa de tentar adquirir energia nuclear para uso civil e militar levantou suspeitas ainda que ninguém à época previsse que ele poderia cair e ser substituído por um regime fundamentalista anti-ocidental e anti-israelense.

Muitos na Casa Branca e no Departamento de Estado concluíram, quando o trono começou a tremer, que poderia ser melhor deixar o "ditador" iraniano ir e tentar construir uma equação satisfatória com um regime republicano sucessor mais ou menos aliado com o clero xiita.

A revolução liderada por Khomeini pôs um fim a esses cálculos equivocados quando se percebeu que a liderança religiosa vitoriosa, apoiada pela doutrina relativamente nova de "Velayat e Faghih" (governo dos sábios teólogos) não estava interessada em partilhar poder com qualquer um dos políticos ou oficiais mais ou menos pró-americanos apoiados por Washington. O autoritarismo dogmático que pelo menos desde os dias do estado sassânida, tem sido eficiente em extirpar ou marginalizar seitas cismáticas e facções heréticas serviu à nova ortodoxia de Khomeini conforme ele atuava para colocar de lado os aiatolás e clérigos menores que discordavam com sua interpretação do papel do Howzah (o seminário) no estado. Como resultado a escola Qom de teologia política se tornou suprema, apesar da senioridade dos howzahs Najaf e Karbala - mais quietistas por tradição - que à época estavam severamente restritas pela ditadura de Saddam Hussein no Iraque.

Gregos, Judeus, Árabes e Turcos: Vizinhos, Adversários e Parceiros

O Irã se define também através de sua interação turbulenta, multifacetada e milenar com quatro "nações" ou grupos étnicos. Os gregos causaram em 490 a.C. em Maratona e dez anos depois em Salamis a primeira derrota em grande escala para os exércitos aquemênidas, bloqueando assim a expansão do Império Persa na Europa antes de tomarem o trono de seus remotos primos indo-europeus através de uma série de expedições, da odisseia dos 10.000 de Xenófono à campanha de Alexandre no século IV. Subsequentemente por séculos o reino iraniano foi governado por monarcas helenizados até que os partos arsácidas reclamaram o trono de Ciro em 256 a.C., mas o legado cultural e político grego prosperou sob eles e sob dinastias sucessoras como demonstrado por diversos estudiosos como F. Cumont e J. Bidez em seu estudo dos "Magi helenizados" tais como Zoroastro, Ostanes e Hystaspes.

Os hebreus se espalharam pelo Oriente Médio sob a primazia assíria e babilônica, mas se tornaram aliados de Ciro e seus descendentes, estabelecendo prósperas colônias comerciais em muitas das cidades do império persa. Eles geralmente desfrutavam do favor e proteção dos aquemênidas cuja religião mazdeana influenciou decisivamente o judaísmo "pós-exílico" que se formou - como uma fé unificada monoteísta que ele nunca havia sido até então - quando uma colônia liderada por Esdras e Zurobabel retornou à Palestina para reconstruir o templo de Salomão, com as bençãos do "Grande Rei", no século V a.C.

A teologia, angeologia, cosmologia e escatologia zoroastrianas podem ser detectadas no judaísmo tardio, particularmente no Talmud babilônico, junto com empréstimos sumério-caldeus comuns. Por exemplo, os seis "Ameshaspenta" do Avesta se transformaram nos sete arcanjos dos últimos livros do Velho Testamento, que nomeiam apenas quatro porém. Do lado iraniano, a identificação tradicional de muitas paisagens com locais bíblicos sagrados é um legado do Islã mas ecoa a auto-imagem iraniana como a segunda terra santa que bem antes do judaísmo messiânico acreditou no nascimento do Salvador enviado por Deus (o Saoshyant) em uma caverna sob uma montanha sagrada onde os magi viriam para adorá-lo, sob a orientação de uma estrela milagrosa, e o proclamariam rei dos três mundos.

A antiga conexão com judeus foi revivida pelo Xá Mohammed Reza que estabeleceu fortes laços com Israel, recebendo aplausos dos EUA e da Europa, mas colocando outro prego em seu caixão ao fazê-lo, na medida em que suas inclinações sionistas atraíram para ele o ódio da liderança religiosa nacional e de muitos muçulmanos em casa e ao redor do mundo.

A reação que se deu sob Khomeini colocou Irã e Israel em lados opostos, mesmo que se saiba bem atualmente que diplomacia secreta e um comércio substancial de armas ocorreu durante a Guerra Irã-Iraque quando Tel Aviv viu uma vantagem em ajudar Teerã contra um Iraque baathista zelosamente pró-palestino.

Agora que o Iraque caiu e que o Irã está mais forte do que jamais foi desde a queda da monarquia, Israel está claramente interessado em esmagar o regime islâmico por meios abertos ou cobertos e busca alistar o apoio do Ocidente para alcançar esse fim, até mesmo esperando adquirir apoio árabe sunita por trás da tarefa aparentemente difícil de causar uma nova dispensação no Irã, talvez na forma de uma restauração do Império.

É significativo que um dos maiores feriados religiosos israelitas é o Purim que comemora o massacre de 75.000 persas realizado em 356 a.C. a mando da rainha Ester - esposa favorita de Ahasuerus ou Arthakshatra - e seu tio ou primo, o conselheiro judeu do rei, Mardocai, em Susa, em retaliação pelas políticas do desgraçados primeiro-ministro anti-hebreu Hamam que se acredita ter ordenado o extermínio de todos os judeus por traição, segundo o Velho Testamento. Apesar da relação geralmente simbiótica entre os antigos iranianos e o povo de Israel houve tempos de conflito os quais os judeus modernos, como de costume, lembram bem melhor do que os iranianos que não possuem qualquer tradição particular de anti-judaísmo ainda que eles ancestralmente tendam a sentir um desprezo por povos semitas. Não esqueçamos porém o sincretismo e mesmo significância simbólica do Livro de Ester que porta o nome da grande Deusa-Mãe do Oriente Médio (Ishtar), representada como o planeta Vênus e cujo parente é Mardoki (Marduk) o Deus-Pai da Babilônia. Mesmo o nome do rei persa, Ahasuerus poderia ser visto como uma forma hebraizada da divindade universal índica Ishvara, um substantivo relacionado ao deus egípcio Oser (Osíris para os gregos). É bastante possível que a história original de Ester possa ter se desenvolvido como um mito cosmológico que foi "efemerizado" pelos judeus monoteístas do século VII em um evento histórico de modo a reforçar a coesão de sua comunidade pela lembrança das atribulações e ameaças que eles tiveram que superar.

Os árabes, que ocupam a margem meridional da pátria iraniana são, como é bem conhecido, descendentes das tribos semitas da Antiguidade que partilharam das religiões médio-orientais primitivas e de seu caldeirão cultural. Eles eram normalmente satélites ou súditos dos persas mais poderosos que, sob os grandes Xás sassânidas até mesmo estenderam seu governo direto até a Arábia Oriental e às margens meridionais do Golfo até que a ascensão do Islã enviou ondas de conquistadores para fora da Península. A derrota do último Rei dos Reis zoroastriano em 642 d.C. foi seguida dentro de poucos anos pela queda de seu estado para os Califas. Menos de três séculos depois porém, os buyyids iranianos haviam entrado vitoriosamente em Bagdá e se tornado protetores dos fracos e fortemente persianizados imperadores abássidas cujo poder havia sido crescentemente solapado pelos conflitos entre facções sunitas e xiitas e pela campanha subversiva - que hoje qualificaríamos de "terrorista" - realizada pela comunidade dos assassinos.

A ascensão do poder dos assassinos ismaelitas demonstrou uma vez mais a incrível habilidade iraniana de construir movimentos clandestinos organizados dedicados a objetivos messiânicos utópicos e endurecida por zelo fanático e disciplina militar impiedosa, enquanto a influência crítica dos persas étnicos, tais como os poderosos vizires barmekids, na corte abássida demonstrava a superioridade do estadismo e experiência administrativa iraniana. De fato parece que em vários momentos na história, líderes de origem persa buscaram sob a cobertura de doutrinas muçulmanas cismáticas derrubar o domínio árabe e até mesmo o próprio Islã ortodoxo. Exemplos proeminentes que vem à mente incluem os próprios assassinos, os qarmatianos do norte da Arábia e do Bahrein no século X, os druzes da Síria e os qizilbash da Anatólia e Pérsia.

Na medida em que essa designação possui qualquer sentido no contexto oriental, os xiitas tem tendido a se situar na esquerda do espectro político vis-a-vis a maioria sunita conservadora e nesse sentido, eles tem sido um elemento constantemente revolucionário que apelava às partes pobres e oprimidas da sociedade, do Líbano à Índia.

A reafirmação formal do poder iraniano sobre o coração da Mesopotâmia do estado califal acabou durando pouco já que os invasores turcos seljúcidas tomaram Bagdá em 1055 e assumiram o papel de mestres de marionetes para califas simbólicos. Daí em diante, tribos turco-mongóis, impulsionadas pelas invasões sucessivas das hordas de Gengis Khan e Timur, desempenharam um papel importante no planalto persa e na Anatólia por mais de oito séculos. Mesmo a grande dinastia curdo-iraniana dos saváfidas, rivais muitas vezes bem sucedidos dos otomanos, teve que compor com o poderio militar das tribos turcomanas (ogúzes) que faziam uma parte importante do exército e da nobreza feudal, muitos ascendendo da condição inferior de "gholams" (escravos". Um deles acabou destronando os decadentes saváfidas para reivindicar seu lugar. As três dinastias seguintes foram assim etnicamente turcas. A província mais populosa e mais desenvolvida do país é o Azerbaijão, habitada por uma maioria turcófona e naturalmente ainda próxima de sua metade setentrional que é agora uma nação independente após ter sido conquistada pelos czares e transformada em uma República Soviética por Lênin.

Após seu golpe de estado em 1925, o General Reza Khan agiu para erradicar a influência turca no Irã, ainda que paradoxalmente sua principal influência tivesse sido Kemal Ataturk, o modernizador revolucionário da Turquia que ele considerava como modelo. Como parte de sua política "iranizadora", Reza Khan proibiu por uma lei constitucional que turcos étnicos ocupassem o Trono do Pavão e tentou retirar palavras turcas e árabes da língua nacional, assim como Ataturk "desarabizou" e "desperficou" a língua turca revivendo raízes asiáticas arcaicas.

A revolução nacionalista, porém ocidentalizadora, defendida pelos Pahlavis buscou reviver muitas características da antiga herança civilizacional e religiosa persa e enfraquecer o domínio do Islã clerical sobre a sociedade, mas suas tendências seculares e elitistas foram vistas como alógenas e decadentes (taghuti) pelas classes médias devotas e massas rurais conservadoras nas quais a influência clerical estava enraizada.

O nacionalismo iraniano moderno foi parcialmente moldado pelos grandes reis saváfidas, mas a hierarquia religiosa xiita havia sido tradicionalmente um baluarte para os pobres contra a corrupção e exploração da corte real e quando os governantes persas caíram sob uma crescente influência militar e financeira estrangeira, o clero foi percebido pelas massas como campeão da integridade e da independência do país. A revolução de Khomeini assim apareceu, mesmo aos olhos dos não-religiosos ou dos intelectuais esquerdistas iranianos, como uma reação patriótica essencialmente popular contra a cultura materialista e hedonista importada pelo estado policial do Xá, em nome das antigas "feras negras" imperialistas.

Ainda que a monarquia tivesse sido abolida pela sangrenta revolução "reacionária" dos Mulás e com ela, a política de prestígio global do Xá, a busca por hegemonia global permanece uma constante para a República Islâmica, profundamente consciente da proeminência histórica e da preponderância demográfica do país no Oriente Médio e na Ásia Central.

Os iranianos tem orgulho do capital intelectual e científico da nação que permanecem impressionante apesar do grande dreno de cérebros do Irã que inunda alguns estados árabes, a Europa e a América do Norte após a Revolução e mesmo muito antes daquele evento dramático. Os emigrantes e refugiados iranianos modernos que se sobressaem em muitos campos trazem à mente os sábios, místicos, médicos, químicos, astrônomos, viajantes, comerciantes, artistas e poetas persas que enriqueceram as sociedades do Turquestão, da China, da Índia, da Turquia, do Levante, do Egito, da Arábia e mesmo do sudeste asiático desde a Antiguidade.

Alguns dos mais famosos se situam entre as maiores mentes que pavimentaram o caminho para o progresso intelectual da humanidade. Eles incluem Al Biruni, Al Farabi, Rhazes (Ar Razi) e Avicena.

O Futuro do Irã

O Irã hoje se situa em uma encruzilhada de sua história entre dois estados ocupados pelos EUA e pela OTAN (Iraque e Afeganistão) e outras nações dominadas pelo Ocidente, incluindo o Paquistão, Azerbaijão e os estados do Golfo Árabe, com seu nêmesis israelense pairando ominosamente no fundo e procurando por cada jeito possível de desestabilizar a República Islâmica e derrubar o país.

Os únicos amigos de Teerã nesse momento, ainda que eles sejam interesseiros, se encontra ao norte e nordeste através do Mar Cáspio já que a Turquia não deve ser confiada à luz da história e da geografia. De fato Rússia e China tem fornecido um apoio fundamental e previsivelmente continuarão a fazê-lo já que eles possuem interesses importantes em jogo nas reservas de petróleo e gás do país.

A Índia, como um vizinho que partilha com o Irã de uma antipatia duradoura em relação ao Paquistão, tem tido laços tradicionalmente amigáveis com o Irã que Teerã tem cultivado, buscando em particular reviver a conexão com rica e prestigiosa comunidade parsi que permaneceu consciente e orgulhosa de sua identidade original. Porém, o envolvimento diplomático atual de Nova Delhi com os EUA lançou uma sombra sobre essa antiga e valiosa relação e não se pode confiar na Índia no atual cabo-de-guerra entre Irã e o Ocidente. A provável admissão do Irã na Organização de Cooperação de Xangai por outro lado fortalecerá sua coordenação com as duas principais potências na Ásia, China e Rússia e pode ser o único recurso contra um possível ataque americano-israelense em seu território.

Ao aplicar uma pressão implacável sobre Teerã, os americanos e seus aliados judeus podem acabar sem querer precipitando o nascimento de um mecanismo coletivo de defesa asiático que eles tem temido desde que a Rússia começou a se recuperar de seu colapso sócio-econômico e formou uma aliança com a China na virada do século.

A reação de Washington a esse realinhamento geopolítico tem se tornado cada vez mais estridente e o leitmotiv foi vocalizado novamente pelo vice-presidente americano Cheney durante sua visita à Arábia Saudita em março de 2008 quando ele disse que "o Irã era a principal ameaça à região". A afirmação demonstrou uma vez mais como o vice-presidente carece tanto de humor quanto de conhecimento de geografia já que o Irã é definitivamente o principal país na região e dificilmente poderia ser considerado como um outsider enquanto os EUA é um forasteiro ocupador e um intruso incômodo que não faz o menor esforço de ocultar suas políticas colonialistas.

Os conselheiros neoconservadores da administração Bush não fizeram mistério de seu desígnio de iniciar uma guerra entre os estados árabes do Golfo financiados pelos EUA e o Irã que tornou a situação ainda pior para os interesses americanos ao lançar esse ano uma Bolsa de Energia na ilha de Qishm no Golfo Pérsico após renunciar ao dólar como moeda para vender seu petróleo e gás. Porém até agora, os estados do Golfo liderados pela Arábia Saudita rejeitaram a sugestão sionista, percebendo o quão perigoso seria para eles, e o quão devastador para a região, atacar um Irã marcial e bem mais populoso e endurecido por batalhas.

A resposta do Irã tem sido promover um arranjo de segurança regional que excluiria potências estrangeiras (leia-se: os EUA). Dada a realidade estratégica, essa proposta é impossível de se iniciar agora, mas é difícil de acreditar que os vizinhos islâmicos da República Islâmica não vejam algum mérito a esse plano, independentemente do quanto suspeitem do regime de Teerã e dos iranianos enquanto povo.

É irrefutável que um dos maiores, senão o maior investidor na economia dos Emirados Árabes Unidos é o Irã e a influência financeira do estado persa e de seus empresários privados nesses dias de altos preços do petróleo permanece formidável, apesar das sanções e outras penalidades impostas pelas potências ocidentais. Teerã, assim, não está tão carente de opções para planejar o futuro nacional segundo seus melhores interesses. Aqui consideraremos alguns eles à luz das constantes históricas e dos desenvolvimentos contemporâneos.

Irã e Turquia

A República Turca permanece o que o Califado Otomano foi: o principal rival do Irã pela supremacia no oeste da Ásia e um competidor por influência na majoritariamente turca Ásia Central. A ascensão do Partido Islâmico (AKP) do Primeiro-Ministro R. Tayyep Erdogan não mudou essa realidade geopolítica, tornou mais aguda a divisão sunita-xiita e as ambições rivais de Turquia e Irã nas áreas fronteiriças e nos estados da Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Turcomenistão, Afeganistão, Uzbequistão e Quirguízia. O Iraque também é um elemento de disputa entre os dois vizinhos, particularmente a zona setentrional curda que é etnicamente e linguisticamente próxima do Irã, mas se estende até o sudeste da Turquia. Tanto Ankara como Teerã combateram longas e sangrentas insurreições curdas.

Se o Irã possui vantagem incontestável no sul do Iraque, de maioria xiita, a Turquia é muito mais aceitável para seus antigos súditos sunitas na região central do Iraque que foi durante três séculos e meio uma província de seu império. Ainda que os dois governos hajam tido diálogos em 2006 e 2007 de modo a abordar apreensões mútuas, a Turquia permanece um aliado do Ocidente e mantém relações cordiais com Israel mas possui uma florescente parceria econômica com Rússia e China que é ominosa para o futuro de sua equação com os EUA e seus aliados tradicionais da OTAN. O conceito da AKP do Islã como um fator moderado na vida pública e na cultura nacional sob um governo civil é bem diferente da distribuição teocrática iraniana em que os clérigos se situam acima dos políticos laicos e dos oficiais militares.

Portanto não há probabilidade de que a conexão entre as duas repúblicas melhorará e é mais provável que futuros conflitos possam eclodir por causa das reivindicações rivais na região. Um dos maiores incentivos para a construção de relações melhores porém, é a grande necessidade da Turquia por petróleo e gás para os quais o Irã é uma fonte óbvia que poderia reduzir a vulnerabilidade de Ankara aos conflitos endêmicos no Iraque e particularmente na região curda através da qual os dutos iraquianos entram em seu território. Ankara não pode permitir que o Irã apoie seus próprios rebeldes curdos em sua guerra por secessão e assim devem tentar cultivar a amizade com Teerã.

Irã e o Mundo Árabe

Muito tem sido escrito sobre a hostilidade ancestral que existe entre persas e árabes. Porém essa observação geral deve ser matizada com a ressalva de que os árabes xiitas tendem a ser politicamente e religiosamente próximos aos iranianos, que reivindicam o papel de protetores dessa comunidade minoritária. Movimentos sunitas politicamente radicais, mas religiosamente conservadores, como o Hamas palestino ou a Fraternidade Islâmica egípcia também estão em bons termos com a teocracia iraniana, abertamente simpática a sua luta contra regimes árabes "moderados" pró-ocidentais. Há assim uma base para que o Irã exerça liderança em pelo menos certas partes do mundo árabe e assim amplie sua influência do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico. Os reinos e xerifados da região estão atualmente tentando melhorar suas relações com a República Islâmica, com a esperança de diminuir o risco de tensões ou insurreições de suas minorias xiitas. No evento de uma derrota catastrófica e de uma saída das forças armadas americanas do Iraque e do Afeganistão - um resultado cada vez mais plausível - um realinhamento de todos aqueles estados tradicionalmente dependentes dos EUA em direção ao Irã é de se esperar, sofram eles uma "mudança de regime" ou não, como resultado do fiasco americano.

Poucos preveem uma federação islâmica multinacional ou Califado liderado por Teerã emergindo nos anos vindouros, mas o Irã provavelmente será o centro de uma aliança regional rica em energia no evento de sua gradual anexação do sul do Iraque e de suas fortes relações com a Rússia. O pilar de tal liga provavelmente seria o "cartel de gás" que Teerã, Moscou e alguns outros grandes produtores estão construindo atualmente.

Irã e Europa

As relações entre a República Islâmica e de uma União Europeia fortemente alinhada com os EUA, seja por vontade ou sob pressão, estão destinadas a serem frígidas mas, apesar das advertências americanas, alguns membros da UE tem se movido silenciosamente na direção de restabelecer relações comerciais pragmáticas com o Irã, principalmente na esfera energética. A Áustria que tem mantido relações bastante cordiais com a República Islâmica assinou um acordo para construir um duto que chegará a seu território após cruzar Grécia e os Balcãs, antes de se separar para alimentar Europa Ocidental e do Norte. Com a Rússia se tornando o principal fornecedor de energia para a UE e agindo como intermediário indispensável entre Irã e o Ocidente, uma aproximação econômica e estratégica entre a União e a Federação Russa certamente resultará no rápido declínio dos EUA e facilitará a normalização de laços entre o continente e a República Islâmica que é muito desejada pelos líderes empresariais dos principais países da UE, como Alemanha, Polônia, França e Itália.

Irã e EUA

O grande enigma para "iranologistas" e para muitos iranianos em casa e no exterior é a evolução futura dos quase trinta anos de conflito entre a República Islâmica e o governo americano. Vários períodos de melhoria relativa mais ou menos subreptícia em suas relações (às vezes mediadas por Israel), especialmente durante a Guerra Irã-Iraque e durante a Primeira Guerra do Golfo de 1991 levaram muitos a esperar que chegaria um tempo em que Teerã e Washington se encontrariam do mesmo lado da cerca em sua luta contra extremistas sunitas ou mesmo contra a ressurgente e expansionista Federação Russa.

A antiga conexão entre judeus e persas tem sido invocada como possível precedente para o que agora pareceria ser uma aliança quase anti-natural, à luz da geopolítica atual. Será que, por exemplo, uma revolução fundamentalista anti-americana na Arábia que poderia não ser mais saudita não poderia levar iranianos e americanos a se unirem contra os inimigos sunitas comuns? Será que um levante de massa islâmico similar na Turquia politicamente frágil não levaria também a uma convergência entre Washington e Teerã?

Esses não são cenários implausíveis, mas até então o Irã possui toda razão para retirar os EUA de sua área de influência e conquistar reconhecimento pan-islâmico como líder na luta contra os cruzados colonizadores ocidentais, como campeão dos palestinos e nêmesis dos opressores sionistas. Ademais um EUA enfraquecido, desacreditado e desmoralizado não é um aliado atraente para um cada vez mais forte desafiador do "status quo" como o Irã e qualquer acordo tático entre esses rivais por hegemonia regional é provável de ser oportunista e pouco duradouro. A longo prazo, a antiga nação preeminente possui uma posição bem mais forte no Oriente Médio do que os EUA cada vez mais super-estendidos e desprezados. Por outro lado, sem um apoio militar inexorável dos EUA, Israel rapidamente perderia seu status como superpotência regional e se tornaria altamente vulnerável a ataques coordenados por atores não-estatais como Hamas, Hezbollah e outras forças beligerantes apoiadas por estados ricos em petróleo e indivíduos. Se as forças americanas e da OTAN não puderem vencer no Iraque e no Afeganistão, dificilmente se poderia esperar que a Tsahal israelense poderia prevalecer indefinidamente contra campanhas de bombardeio em diversas frentes e contra operações de comandos.

Conclusão

O Irã é externamente um estado razoavelmente homogêneo etnicamente, culturalmente e religiosamente, e internamente um mosaico bastante diverso de povos na encruzilhada das rotas de seda, com uma civilização originalmente enriquecida pelos grandes estados elamitas, hititas, sumero-babilônicos, assírios, lídios e egípcios e posteriormente fertilizada por contribuições gregas, indianas, chinesas, judaicas, árabes e turcas. Como fornecedora e recipiente de cultura ao longo das eras a nação é um crisol de influências que pode apresentar uma face paradoxal e enigmática para estranhos. A famosa sutileza e inescrutabilidade persa na diplomacia está provando ser um grande desafio para aqueles que gostariam de submetê-la a seu poder.

Com sua habilidade de jogar Oriente contra Ocidente, Islã contra Judaico-Cristianismo, Turquia contra os árabes, Rússia contra UE ou China contra os EUA, a República Islâmica assumiu a sucessão histórica das dinastias arsácida, sassânida e saváfida como um pivô entre Ocidente e Ásia Meridional. No norte estão estados ricos em energia e uma Rússia nuclear com a qual o Irã está formando um compacto estratégico e econômico mutuamente benéfico. Ao sul estão petro-monarquias árabes sobre as quais Teerã possui uma antiga influência que só pode se ampliar contra um poder americano decadente. No leste, a Índia e outros membros da SAARC são parceiros culturais e comerciais tradicionais com os quais sua interação está destinada a se ampliar. A elite financeira e intelectual doméstica e expatriada é altamente ocidentalizada e fornece um elo poderoso entre a nação e o mundo euroamericano. Alguns estudiosos iranianos, como Rasool Nafisi e Ramin Jahanbegloo (em World Affairs, vol.11, número 1, Primavera 2007) acreditam que no futuro a médio prazo a influência da religião fundamentalista na sociedade iraniana está destinada a se retrair para o fundo na medida em que a jovem classe média é cada vez mais secular ou mesmo agnóstica em sua perspectiva. Esses acadêmicos estão convictos de que os dias do regime teocrático estão contados e que o país naturalmente "evoluirá" em uma sociedade "moderna", mais aberta, desde que um ataque americano ou da OTAN não a lance no caos e promova uma reação nacionalista, assim fortalecendo a militância extremista apocalíptica.

Esperemos que por uma vez as vozes da sabedoria serão ouvidas em Washington e Tel Aviv. Para o bem ou para o mal, o Irã continuará sendo um estado central na arquitetura global e poderia despertar ondas de violência através do mundo em auto-defesa, mas ele pode também, a partir de seu tesouro de gnose esotérica, fornecer perspectivas únicas em religião, espiritualidade e ciência, com base em sua herança complexa e fascinante. A magia é, afinal, uma contribuição semântica do Império do Sol Nascente.