18/03/2012

O Conceito de Progresso: de Santo Agostinho a Herder

Francisco J. Contreras Peláez
Johann Gottfried Herder

“A aparição do conceito de progresso geralmente é associada ao Iluminismo, ou, como muito, à “querela dos antigos e dos modernos” do Século XVII. Sem embargo, a noção de progresso é muito mais antigo. Em Santo Agostinho estão postas as bases filosóficas para um possível progressismo cristão, cujas linhas explora esse trabalho. Uma inspiração cristã cabe conjecturar também na reação de J. G. Herder frente a noção de progresso proposta pelo Iluminismo. Se o progressismo laico-Ilustrado concebe às culturas passadas como passos superados de uma escala ascendente, Herder sustentará, por sua vez, que cada uma delas veio a ser uma “esfera autocentrada” que possuiu valor por si mesma. O sentido da existência das gerações passadas não pode estribar em preparar a plenitude futura, pois isto seria incompatível com o amor de Deus, que estima a cada uma de suas criaturas por si mesma. Frente a arrogância iluminista (valorização do presente; desprezo ao passado “obscuro”), Herder propõe uma visão “democrática” da História, na que todas as épocas têm o mesmo valor.”

Johann G. Herder passa por ser, junto a G. Vico, o precursor mais destacado do historicismo no Século XVIII. O pensamento histórico de Johann G. Herder pode, e minha opinião, ser interpretado como uma reação cristã – ainda que se trate de uma versão muito subjetiva e possivelmente heterodoxa do cristianismo – frente a visão secularizada da história característica do Iluminismo[1]. Poderíamos resumir a questão, sem prejuízo de um exame posterior e mais detalhado, da seguinte forma: os iluministas – vagamente teístas em sua maioria, quando não abertamente ateus[2] – haviam substituído a providência transcendente pelo progresso prometeico. Como indicara, entre outros, P. Laín Entralgo, o Iluminismo não abandona sem mais as velhas categorias cristãs, mas seculariza-as, as remonta ao saeculum, as substitui por substitutos laicos (recordemos a sentença de Chesterton: a modernidade não é nada mais que um punhado de idéias cristãs “que se tornaram loucas”). A fé na providência transcendente pela crença em “leis históricas” imanentes; a esperança metahistórica[3] do cristão, baseada na confiança na divindade, é substituída pela esperança prometeico-secular, pela esperança no progresso humano autônomo, autossustentável...[4] Herder reagirá contra essa transposição secularizadora. Se encontra irritante que os iluministas pretendem preservar a noção de “ordem histórica”, mas expulsando o “ordenador”[5]. Para o cristão, a história tem sentido porque Deus existe; Deus pôs a história em marcha, a espera no seu ponto final e a conduz de um modo misterioso em seu transcurso. Os iluministas, que jubilam o Deus cristão, não estão, sem embargo, preparados para admitir que a história seja um caos estúpido, sem lei nem finalidade (a tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing, segundo a imortal expressão de Shakespeare). Eliminado o Deus providente, que conferia orientação e significado à história “desde fora”, só tem que aplicar um sentido imanente à mesma, inventar uma economia da salvação laica e intramundana. O Século XVIII, que já não crê na providência, encontrou no progresso e nas “leis históricas” um confortante Ersatz[6].

Essa interpretação das categorias filosófico-históricas modernas como o resultado da secularização das categorias teológico-históricas judaico-cristãs não suscita uma aprovação unânime. Na doutrina alemã, por exemplo, se tem perfilado duas posições sobre a questão, representadas respectivamente por H. Blumenberg e K. Löwith. Blumenberg enfatizou a “legitimidade”, entendendo tal “legitimidade”no sentido de novidade, autonomia, ruptura com respeito à cosmovisão cristã. Para Blumenberg, as raízes da modernidade filosófica se encontram no nominalismo do Século XIV[7]. Guillermo de Ockham levanta acta do fracasso da empresa escolástica (harmonização da razão e da fé). Deus é indemonstrável; o de Ockham é um Deus inefável, imprevisível, totalmente Outro com respeito às categorias humanas. E enquanto Deus se desdobra na infinita alteridade, a realidade empírico segue aí, esperando ser conhecida e dominada. Assim ficam postas as bases para uma ciência experimental, emancipada de ataduras teológicas[8]. O elo condutor da modernidade, assinala Blumenberg, vai ser, pois, a autoafirmação do homem, a conquista de uma autonomia no ética e prática. O terreno deve ser explicado a partir de si mesmo; o homem foi abandonado às suas próprias forças. Essa pretensão de explicar a realidade empírica “partindo do zero” constitui a “curiosidade autoconsciente” [Selbstbewusste Neugierde], que Blumenberg contrapõe à “curiosidade ingênua” [naive Neugierde] dos antigos, a erigindo em um dos pontos da ‘legitimidade da modernidade”[9]. O segundo emblema da modernidade vai ser a idéia de progresso. Frente a um mundo medieval “necessário” (regido por Deus, imodificável), a modernidade postula um mundo “contingente” (aproveitável, melhorável). O progresso é o processo mediante o qual o homem moderno transforma conscientemente o mundo, a seu próprio benefício. A idéia de progresso, segundo Blumenberg, não é uma cópia laica da idéia cristã da salvação[10]. Aquela pressupõe a autoafirmação humana, a confiança do homem em suas próprias capacidades; esta pressupõe, pelo contrário, a deficiência humana, a Caída, da qual somente pode ser resgatado o homem mediante a intervenção sobrenatural.

As afirmações de Blumenberg vieram a ser uma resposta às tais leis que K. Löwith expusera em seu Weltgeschichte und Heilsgeschehen. Para Löwith, as raízes da filosofia da história moderna deve se buscar nos profetas do Antigo Testamento[11]. É a experiência do mal e da dor o que gera, segundo Löwith, a reflexão filosófico-histórica: o sofrimento injusto deve ter algum sentido, deve ter um “para quê”[12]. A visão judaico-cristã da história é teológica. Sentido e finalidade se identificam; os acontecimentos vão ser interpretados, não em função dos fatos antecedentes dos que derivam, mas em função da meta ou telos aos que apontam (causa final)[13]. E se introduz a idéia de uma grande “causa final” salvífica, um “para quê” definitivo. Frente a concepção grega da história como repetição, judeus e cristãos vão entender a história como promessa, como expectativa de um futuro absoluto, de um eschaton em que as vítimas serão consoladas e a dor justificada (Ap.21,4)[14]. O Iluminismo, segundo Löwith, herda do cristianismo essa concepção esperançosa, mas seculariza o conceito de telos: o que se espera já não é o reino de Deus transcendente, senão um “reino do homem”, uma sociedade justa, emancipada, “que progride ilimitadamente na direção da razão, da liberdade e da felicidade”[15]. Löwith rastreia a raiz escatológica judaico-cristã no “progresso da consciência da liberdade” (Hegel), no marxismo (a futura sociedade comunista é o reino de Deus secularizado; o proletariado é o "servo de“Yahweh”, por cujos padecimentos seremos redimidos, etc.), e em outras expressões da modernidade filosófica. A impressão final é que a modernidade é – ao menos no plano filosófico-histórico – muito mais devedora do cristianismo do que ela mesma está disposta a reconhecer[16].

Providência e progresso não deveriam, sem embargo, ser entendidos como noções antitéticas, ambas coexistiram no pensamento ocidental durante séculos. O progresso não é um invento do século XVIII. A novidade que introduz o Iluminismo é a laicização do conceito. Existiu um progressismo cristão muito antes que o progressismo iluminista[17. O otimismo histórico dos pensadores cristãos poria um fundamento teológico[18] (Deus deseja o aperfeiçoamento da humanidade); os iluministas assumem tal otimismo, mas despojando-o de suas bases ideológicas: já não é Deus quem garante o sentido e o final feliz da história, senão a Razão, a Natureza, a inteligência humana, as leis históricas...

Dado que a expressão “progressismo cristão” poderia soar como uma contradição nos termos[19], interessa talvez examinar sumariamente as raízes cristãs da idéia de progresso. Investigadores como R. Nisbet ou F. Rapp puseram claramente que o conceito “progresso”, longe de ser um produto da modernidade, é rastreável pelo menos a partir do século VI antes de Cristo[20]. “Aos mortais os deuses não ensinaram tudo desde o princípio, senão que eles, em sua busca através do tempo, o encontrem melhor”, escreveu Jenófanes[21]. Poderíamos definir o progresso como a evolução necessária e gradual do conjunto da espécie (não somente desta ou aquela cultura ou povo; outra coisa é que as distintas culturas ou povos podem progredir em ritmos diferentes) até algum tipo de perfeição ou plenitude. Variarão muito as opiniões sobre o conteúdo dessa “perfeição”. Caberia distinguir três concepções básicas: alguns pensam sobretudo em um aperfeiçoamento técnico ou cognoscitivo; outros, em um crescimento ético; alguns, finalmente, entenderão o progresso como incremento da “felicidade” dos seres humanos...[22] Poderíamos assim falar de uma variante epistêmica, uma variante ética, e uma variante eudemônica do progressismo[23].

Os ingredientes da idéia de progresso que temos enumerado – gradualismo (escalonamento de etapas históricas, em sequência ascendente), ecumenismo (toda a humanidade, não alguns de seus fragmentos, é o sujeito do progresso histórico), necessidade histórica, tempo linear (e não cíclico) reúnem de forma muito madura na obra de Santo Agostinho. Analisemos com algum detalhe suas contribuições, pois em Herder ressoará todavia mais de um eco agostiniano. O de Tagaste foi descrito com frequência como o primeiro pensador que eleva a história a objeto de reflexão filosófica sistemática[24]. Em efeito, o pensamento grego relegou o tempo à esfera do aparente, do irracional, da doxa; a “verdadeira” realidade é alheia ao tempo. O apeiron de Anazimandro, o ser de Parménides e seus discípulos eleáticos, os arquétipos de Platão, etc, são todos eles atemporais[25]. Em contraste com essa querência ucrônica da filosofia grega, o cristianismo proporá uma visão do mundo essencialmente histórica. Todo o sentido do cristianismo gravita em torno de um acontecimento, um concreto instante do tempo; resulta revelador, nesse aspecto, que no “símbolo da fé” cristão – que, em princípio, trata sobre o eterno: a soberania divina sobre o cosmos, a Trindade, etc – encontremos, inesperadamente, minuciosas precisões cronológicas: “em tempos de Pôncio Pilato”[26].

É lógico, pois, que Santo Agostinho vindique o tempo enquanto objeto de investigação filosófica (e dele dão testemunha as famosas reflexões do livro XI das Confissões ou o livro XIV da Cidade de Deus). O tempo é uma dimensão imprescindível do plano de Deus para o mundo[27]. Deus desejou uma criação móvel e sucessiva, uma criação que se desdobra no tempo; uma criação in fieri, mais que facta[28]. Se trata, ademais, de um tempo linear, o único compatível com a “seriedade” da existência humana. Cada momento adquire assim o peso e valor dramáticos da irreversibilidade, da irrecuperabilidade. O homem joga seu destino eterno em um breve lapso temporal, e não há segunda oportunidade[29]. A circularidade histórica é uma doutrina nefasta (e aqui Agostinho alega a singularidade absoluta, e irrepetibilidade do fato fundacional do cristianismo: “uma vez Jesus Cristo morreu por nossos pecados, e, tendo ressucitado dentro os mortos, já não morre”, Rom 6,9-10)[30].

Mas, ademais, nessa história linear, aberta à novum, se dá uma progressão ascendente no que se refere às capacidades e realizações humanas. Se fala, frequentemente, no sem fundamento, do pessimismo antropológico de Santo Agostinho, a causa de sua posição no problema da relação entre a graça e a liberdade; depois da polêmica com Pelagio, evoluiu até teses próximas do predestinacionismo. A partir da Caída, a humanidade é uma “massa condenada” que tem de sua o pecado e a perdição; somente o auxílio sobrenatural da graça, que Deus derrama sobre alguns escolhidos, pode resgatar a pessoa desta fatalidade[31]. Santo Agostinho escolhe uma perspectiva radicalmente heterosoteriológica, que situa somente na misericórdia divina, e não nos méritos ou esforços do homem, as esperanças da salvação: “Deus mesmo é nossa [única] possibilidade”[32]. E, sem embargo, esta postura pessimista em respeito às capacidades do indivíduo no terreno ético-salvífico se mostra paradoxalmente compatível com uma valorização otimista das realizações da espécie no terreno técnico e cultural. Nos referimos ao “canto ao progresso” contido no livro XXII da Cidade de Deus[33]. J. B. Burry escreveu que a idéia de progresso é uma “síntese do passado e uma profecia do futuro”[34]. E, em efeito, o Santo Agostinho “progressista” volta, de um lado, seus olhos ao passado para celebrar o constante avanço da humanidade nas ciências, nas artes, na economia, na filosofia (se atrevendo inclusive a ponderar, nesse último parágrafo, a inteligência dissipada pelos hereges na defesa intelectual de seus erros)[35]; e, de outro, dá por suposto a provável continuação desse aperfeiçoamento no futuro[36].

Os restantes elementos da idéia de progresso que analisávamos acima aparecem também prefigurados na obra de Santo Agostinho. Tal ocorre, por exemplo, com a vocação ecumênica do movimento ascendente. Os judeus, os gregos – o estoicismo representaria uma possível exceção – e as demais culturas pré-cristãs professaram, em geral, um grosseiro etnocentrismo[37], em que não havia lugar para o problema filosófico-histórico da inserção das plurais culturas e povos em um movimento universal de ascensão ou aperfeiçoamento. A “filosofia da história” dos judeus, dos gregos, e dos romanos – Ferrater escreveu – “é a narração das vicissitudes de um povo que existe sem se preocupar dos demais, exceto na medida em que ele é requerido pela necessidade da defesa e da conservação de sua independência e domínio”[38]. Desde a perspectiva universalista característica do cristianismo (“já não há judeu nem grego, [...] porque todos vós [...] sois do Senhor”, Gal 3,28=29), em vez de, o sujeito do progresso histórico não poderia ser já uma só coletividade. Deve se tratar de um crescimento polifônico, em que a todos os povos corresponda algum papel[39]. E, em íntima conexão com essa noção de unidade da espécie humana[40], aparece outro dos elementos definitivos da idéia de progresso, o escalonamento através de uma série de etapas, às que se deve atribuir um significado pedagógico. Tal é, em efeito, o caso de Santo Agostinho, que em alguma passagem se refere à história como um processo gradual de aprendizagem que abarca o conjunto da humanidade, e que recorre uma série de etapas: “a educação da raça humana [...] avançou, como a de um indivíduo, ao longo de certas épocas eras que permitiram se elevar das coisas terrenas às celestiais, e do visível ao invisível”[41]. A fórmula agostiniana da história como processo de "educação da espécie humana” será recuperada nos finais de XVIII por Lessing (Die Erziehung des Menschengeschlechts, 1780).

Vemos, pois, como as bases intelectuais da idéia de progresso estavam postas, como no mínimo, desde Santo Agostinho. A entrada do Iluminismo, portanto, vai mentir na eliminação da referência transcendente. Como assinala Nisbet, se a filosofia da história era condensável na fórmula a Providência como progresso (a saber, a soberania divina sobre a história é o fundamento da esperança em um aperfeiçoamento progressivo da espécie), a filosofia da história ilustrada vai conceber o progresso como Providência; se antes se confiava na tutela divina sobre a história como garantia do aperfeiçoamento, agora se confiará no aperfeiçoamento mesmo, concebido já como um processo “natural”, autofinanciado. O progresso é, de certo modo, divinizado, é erigido de um dos Ersätze que tentam preencher o vazio do Deus perdido[42].

A transmutação da velha noção cristã de progresso, baseada na fé na providência, no progresso iluminista – secularizado, autossuficiente, quase deificado – não aconteceu abruptamente, mas requeriu uma delinquente evolução. Em pleno Iluminismo, um clássico da “filosofia de progresso” como A. R. J. Turgot situa todavia o primeiro de seus Discursos sobre o progresso humano em uma perspectiva cristã[43], relativamente afim com a de Santo Agostinho ou Bossuet (não sem sombra de importância: o motor do progresso já não é identificado tanto com a tutela divina sobre a história como com a influência benéfica do cristianismo, enquanto “religião positiva”, sobre a evolução da humanidade)[44], para girar segundo uma ótica secular muito mais próxima à perspectiva iluminista convencional[45]. O parênteses de seis meses que separa seus dois Sorbônicas condensa assim, de forma simbólica, um processo que no conjunto do pensamento ocidental abarca várias décadas, para não dizer séculos (a “querela dos antigos e dos modernos”, na que já aponta o progressismo à maneira iluminista, teve lugar no século XVII).

Por suposto, falar indistintamente da “crença iluminista no progresso”, sem maiores qualificações, supõe uma simplificação. A filosofia da história – um neologismo conhado por Voltaire, como alternativa consciente[46] à teologia da história que encarnariam Bossuet, Santo Agostinho, etc – iluminista admitiria ao menos duas versões. A mais otimista viria representada por aqueles autores que veem no progresso como uma força histórica globalmente incontrolável: a humanidade ascende inelutavelmente das trevas à luz, da escravidão à liberdade, etc. Podem se dar estancamentos ou retrocessos ocasionais, mas se veem compensados por avanços posteriores mais importantes; o rumo global é sempre ascendente. Essa linha de pensamento – a que pertenceriam, por exemplo, Iselin, e o já citado Turgot – encontrará seu profeta mais arrebatado e paradoxal (pois terminaria seus dias como uma das vítimas da mesma Revolução a que celebra em sua obra como um marco triunfal do progresso humana em direção à liberdade)[47] no marquês de Condorcet. Seu Esboço de um quadro dos progressos históricos do espírito humano (1795) constitui sem dúvida a expressão mais acabada do tipo de progressismo ingênuo que Herder satiriza tantas vezes em sua obra. O elo condutor da história – que divide em novas etapas – é para Condorcet o constante aperfeiçoamento dos conhecimentos, das formas de organização social, das faculdades intelectuais e morais... Este continuará no futuro, o progresso é ilimitado (“a natureza não estabeleceu limite algum ao aperfeiçoamento de nossas faculdades”), infalível e irreversível[48]. E um tal desenvolvimento otimizador não vem garantido por nenhuma instância transcendente, senão pela lógica interna da história, que resulta estar desenhada à medida das melhores esperanças humanas (por um felicíssimo azar, tem de se pensar)[49].

A segunda versão, muito mais desencantada, seria a encarnada por Voltaire. Também, ele vê a história como um combate maniqueu entre a luz e as trevas, entre a civilização e a barbárie, etc. A diferença é que, para Voltaire, nenhuma divindade transcendente nem lei histórica imanente garante a vitória da razão[50]. Antes o contrário, a razão é, por sua própria natureza, tímida e vulnerável; como indica Ferrater, para Voltaire “a razão e a verdade podem desaparecer violentamente, varridos por forças elementares, a quem pouco importa a chama extremamente sutil, mas extremamente valiosa, do espírito”[51]. E, em efeito, na opinião do descrente Arouet, a contemplação da história passada não depara a imagem de uma ascensão triunfal, senão antes a da onipresença da barbárie, só episodicamente interrompida por oásis de civilização (no famoso prólogo de O século de Luis XIV, Voltaire somente resgata quatro épocas brilhantes: o “século” de Alexandre, o de César, o que segue a tomada de Constantinopla, e o de Luis XIV)[52]. É certo que em obras posteriores – o Ensaio sobreos costumes ou a Filosofia da hhistória – Voltaire não volta a utilizar o esquema dos quatro “parêntesis”, inclinando-se por uma visão da história algo mais afim à concepção iluminista convencional[53]. Mas, em todo caso, segue sendo evidente que para o de Ferney os progressos da razão são precários, e que somente uma fina película separa os refinamentos da civilização da recaída na brutalidade[54]. Em Voltaire encontramos uma aguda consciência da fragilidade do progresso, que representa uma nota discordante com respeito ao otimismo histórico característico do Iluminismo[55].

Em resumo, depois de arrebatar a Deus o cetro da história, os philosophes não têm nada melhor a oferecer que, bem uma cândida doutrina do progressus in infinitum, bem a melancólica resignação frente a um destino cego cujo anárquico vai-vém poderia muito bem aniquilar a civilização, com a mesma inconstância com que o mar devasta Lisboa (1755). Este é o panorama filosófico-histórico que Herder se encontra, e em disputa com o qual desenha sua própria visão da história; Herder tentará oferecer uma sorte de terceira via, distinta tanto do ingênuo otimismo à la Condorcet como do seco ceticismo de Voltaire[56].

Herder, em efeito, ataca resolutamente a variante condorcetiana do progressismo iluminista (que ele, segundo parece, via encarnada de maneira emblemática na obra de I. Iselin Considerações filosóficas sobre a história da humanidade, 1764)[57]. Aos crentes no “progresso contínuo em direção a uma maior virtude e felicidade”, recorda que, para sustentar essas visões otimistas da história,

“se tem exagerado ou inventado certos fatos e se minimizou ou silenciou os fatos que falavam contra [dazu hat man Fakta erhöhet oder verdichtet: Gegenfakta verkleinert oder verschwiegen]; se ocultou páginas inteiras; se confundiu as palavras com os fatos, o iluminismo com a felicidade, as idéias prolixas e refinadas com a virtude, e assim se fabulou histórias sobre o aperfeiçoamento progressivo do mundo, novelas nas quais nada se acreditava, ou nas que ao menos não podia crer os verdadeiro estudioso da história e do coração humano”[58].

Herder critica a arrogância implícita em tais “confiados cálculos sobre o aperfeiçoamento do mundo”, nos quais o philosophe de turno se vê a si mesmo como a gloriosa culminação da história da humanidade: “se tudo avançou em linha reta, [se] cada homem, cada geração avançou com respeito a seus antecedentes, em uma bela progressão” que o filósofo se encarrega de medir “segundo seu próprio ideal”, “tudo desembocaria nele, o último, a mais elevada ligação, na que tudo se consome”[59]. A conclusão de Herder é que “esse avanço silencioso do espírito humano em direção ao melhoramento do mundo não é apenas outra coisa que um fantasma [surgido] de nossas cabeças, e não o passo de Deus pela natureza”[60].

Mas, tampouco, Herder aceita a visão volteriana de uma história errática, que não se encaminha a objetivo nenhum,

“Outros, que compreenderam o que aquele sonho [o Progresso invisível] tem de inconsciente sem encontrar nada melhor, viram os vícios e virtudes se alternarem como o clima, as perfeições surgirem e desaparecerem, os costumes e inclinações humanas voarem e retorcerem-se como as folhas do destino [...] Nenhum plano! Nenhuma direção! Sempre a mesma deformação que se tece e se destece! Caíram na vertigem, no ceticismo com respeito a toda virtude, toda felicidade, e todo destino do homem, e o introduziram na história, na religião e na moral [...]. A última moda entre os filósofos franceses é a dúvida. A dúvida que adota cem formas, mas sempre com o título cegador: extraída da história do mundo”[61].

Frente ao ceticismo do último Voltaire, e em coerência com sua fé cristã, Herder se detém à confiança em um grande propósito histórico-universal: “tudo tende visivelmente em direção a um grande fim!”[62]. Existe um plano, um roteiro gigantesco “no qual os séculos não representam mais do que sílabas, as nações mais do que letras ou talvez sinais de pontuação [Interpunktionen] que não significam nada por si mesmos, mas sim significam muito em relação ao sentido do conjunto”[63]. Infelizmente, o texto histórico-universal está redigido com a caligrafia invisível da divindade, e os homens apenas podem espreitar ou intuir uma ou outra passagem isolada. Mas o mero fato de saber que o texto existe deve se insuflar esperança[64].

O propósito último da história é, como vemos, inescrutável. Não estimam assim os ingênuos progressistas laicos à la Condorcet, para quem tudo está muito claro: o sentido da história encontra-se apenas no progressivo aperfeiçoamento moral e intelectual da espécie, na gradual atualização das potencialidades humanas. Já conhecemos as ironias de Herder sobre esta leitura candidamente otimista da história. Ademais de sua base empírica insatisfatória (os fatos históricos reais não parecem pagar a tese de um aperfeiçoamento sustentável e infalível), Herder tem que culpar uma deficiência filosófica mais profunda. A teoria “otimista” do progresso linear abandona de certo modo a sua sorte inumeráveis gerações passadas, ao convertê-las em torpes antecipatórios ou sofridas preparadoras da plenitude final”[65]. O único sentido da existência de milhões de homens durante séculos haveria sido contribuir inconscientemente à gestão de uma perfeição temporária que eles mesmos nunca conheceriam[66]. A lógica da história – a astúcia da Razão, dirá Hegel – haveria de fato enganado todas essas gerações sacrificadas; crendo trabalhar para si mesmas, em realidade estavam preparando o terreno à posteridade (um caso peculiar de “heterogênese dos fins”):

“Romper a meta dos esforços de todo o gênero humano, que resulta assim enganado [verführt], significa arrancar de suas mãos a égide de sua atividade, e mantê-lo no engano”[67].

O cristianismo oferecia a salvação a cada um dos indivíduos (aos que ganharam); a nova “religião” laica do progresso somente oferece a salvação da espécie. Para os crentes no progresso, escreveu R. Mate, “o passado, sobretudo o passado doloroso, não é história senão Vor-Geschichte, isto é, o preço da história [...]. Agora bem, pode haver universalidade sem o passado que não está presente, quero dizer, sem o passado dos vencidos?”[68]. Ao progressista laico não importa excluir o banquete quiliástico à imensa porção de humanidade que teve a desgraça de nascer antes do tempo.

O Kant da Idéia para uma história universal no sentido cosmopolita é um bom exemplo do anterior:

“Sempre resultará estranho que as velhas gerações pareçam lutar improvavelmente somente em prol das gerações posteriores, para preparar a estar um nível do qual possam seguir erigindo o edifício que a natureza projetou; em verdade, surpreende que somente as gerações posteriores devam ter a bem-aventurança de habitar essa mansão pela qual uma grande série de antepassados (certamente sem albergar essa intensão) vieram trabalhando sem poder participar eles mesmos na qual propiciaram. Mas, por enigmático que seja isto, se faz ao mesmo tempo imprescindível[...]”[69].

Frente a essa concepção da história como tensão em direção a uma perfeição final sempre adiada, Herder confessa sua esperança em que “respeito ao gênero humano possa existir um maior plano de Deus, em conjunto, que cabalmente não deprecie a criatura isolada”[70]. Herder não admite que a razão de ser das gerações e culturas passadas se esgote na preparação de uma hipotética bem-aventurança final. Busca uma interpretação da história na qual encontram um sentido – um sentido não instrumental, um sentido que vá mais além do fato de ter preparado o advento da perfeição futura – todos e cada um dos atores, começando pelos “perdedores”, os primitivos, os aparentemente menos desenvolvidos, os derrotados...

“pode ser que milhares sejam feitos para um? Todas as gerações que passaram somente por uma? Cada indivíduo somente para sua espécie, isto é, para a imagem de um homem abstrato? A Suprema Sabedoria não joga deste modo: não inventa sonhos nebulosos [...], vive e sente em cada um de seus filhos com afeto paternal, como se fosse a única criatura do mundo. Todos seus meios são fins; todos seus fins são meios para fins superiores nos que o Infinito, enchendo tudo, se revela a si mesmo”[71].

Assim, pois, a sucessão temporal não se corresponde com uma hierarquia de dignidade ou perfeição. Todas as etapas da história tem sido igualmente necessárias e valiosas[72]. A história vem ser para Herder, comenta I. Berlin, “uma sinfonia cósmica, cada um dos cujos movimentos tem significado por si mesmo, e que, em qualquer caso, não podemos escutar em sua totalidade, pois isso só está ao alcance de Deus”[73]. Em uma sinfonia não há progresso acumulativo, as primeiras notas são tão importantes quanto as últimas. Os antigos não são abandonados no limbo da paixão inútil e no esforço sem sentido: “não há nenhuma época abandonada por Deus”; “nada está sozinho, qualquer que seja sua época”[74].

Herder está propondo assim uma imagem original da história, que difere tanto do sistema cíclico característico das culturas primitivas (“eterno retorno”) como do sistema linear judaico-cristão (“flecha do tempo” irreversível lançada em direção a um eschaton finalizador; “drama” cósmico orientado em direção a um enlace). Esta última concepção – como também o aperfeiçoamento acumulativo dos progressistas laicos – vem a corresponder-se com o que Hegel chamará mais tarde de “infinito mal ou negativo” [schlechte oder negative Unendlichkeit]. O infinito negativo é o infinito da sucessão, da duração, do progresso: a interminável progressão assintótica em direção a um ponto ômega. Em vez disso, o infinito verdadeiro é aquele que se realiza integralmente em cada momento finito, de maneira que cada momento finito tenha o mesmo valor que o infinito[75].

Assim é, em efeito, para Herder; a história universal vinha a ser um fractal, cada uma de cujas partes ou momentos vale pela totalidade ou contêm em si de algum modo a totalidade. O sentido das sucessivas épocas e culturas não reside na sua polarização teleológica em direção a um eschaton plenificador, os momentos históricos não são passos de uma escalera ou ligamentos de uma cadeia (ao menos, não de uma cadeia cuja culminação ou justificativa se encontre no “final”)[76]. Cada momento histórico possui uma justificativa “interna”[77]; todos os momentos e avatares históricos são iguais em valor, pois todos estão misteriosamente incluídos no desígnio divino. Algo parecido sustentará mais adiante L. V. Ranke: cada época “se encontra em uma relação imediata com Deus: seu valor reside em sua própria existência”[78].

Vemos que o fator religioso é decisivo em Herder, pois proporciona a chave da “democratização”[79] ou igualização das épocas e culturas; já não há “idades de ouro” nem idades obscuras, povos promissores nem povos atrasados; cada avatar, cada desdobramento do caminho é de certa forma sagrado.

A filosofia herderiana leva, como estamos vendo, uma decidida reivindicação do individual ou singular na história. Cada “indivíduo” (isso é, cada povo, cada época..., Herder pensa em termos de “indivíduos coletivos”, sit vênia verbo) põe sentido ou valor por si mesmo, e não somente enquanto marco na evolução que conduz a uma alegada plenitude final. Ele representa uma diferença fundamental, segundo vemos, com respeito a filosofia da história iluminista, que parece reduzir o papel histórico dos “antigos” à preparação abnegada do esplendor dos “modernos”. Nesse sentido, o progressismo laico desvaloriza de certo modo aquele que de singular ou irrepetível possam ter tido os povos e culturas do passado. Eles interessam somente na medida em que hão antecipado ou contribuído a forjar determinados aspectos da perfeição final; não são tratados como “indivíduos”, com valor e significado próprios, mas como meras peças da grande engrenagem histórica-universal. São “instrumentalizados”, reduzidos a condição de meios. Herder rechaça tal instrumentalização, e proclama que cada “indivíduo” histórico merece atenção no que possui de específico, de irrepetível[80].

“Olhe o universo inteiro: o que é meio? O que é fim? Não é todo meio para milhões de fins? E, ao mesmo tempo, fim para milhões de meios? A cadeia da bondade divina, onipotente e onisciente, está mil vezes enlaçada e entrelaçada, mas cada ligação da cadeia está em seu lugar”[81].

Como vemos, Herder subverte a hierarquia dos meios e fins implícita em qualquer concepção progressista-linear da história. As etapas e sujeitos históricos não se deixam dispor hierarquicamente em um esquema teleológico unidirecional; para Herder, indicará Cassirer, cada momento tem direito a existir “por si mesmo [um ihrer seblst willen]”, como um fim em si mesmo[82].

É interessante, nesse sentido, a intuição de M. Rouché, que apresenta Herder como um “nominalista da história”, “tende a suprimir da filosofia da história os universais, a conceber as civilizações como magnitudes absolutas, sem possíveis hierarquias ou comparações entre elas”[83]. Herder havia repetido, no campo da filosofia da história, a reivindicação do individual frente ao universal que os nominalistas do século XIV haviam operado no campo da metafísica. Duns Escoto, e sobre tudo Guillermo de Ockham, efetivamente, suprimiram a tela de “universais” (essências, arquétipos) que se interporia entre Deus e a criatura singular, para deixar ambos absolutos cara a cara. E essa abolição dos universais se inspira em uma mística do individual como objeto do amor divino. Deus não necessita de intermediários – as espécies – para criar, conhecer, ou amar os singuli; a individualidade é a mais alta forma de realidade: “a intensão fundamental do Criador esteve dirigida à criação de indivíduos”[84].
Santo Agostinho

Herder projeta essa revalorização do individual ao plano histórico. Crê que Deus se satisfaz na singularidade histórica; Deus se revela no exclusivo e irrepetível de cada civilização, de cada idade, de cada povo. A diversidade não é resíduo ininteligível que a razão deve “domesticar”, sujeitar a norma; a variedade, a floração infinita de formas irrepetíveis, está no centro mesmo do desígnio divino para o mundo:

“Não se encontra o Bem disperso sobre a terra? Como uma só forma de humanidade e uma só região da terra poderiam contê-lo, tem sido dispersado sob várias formas. Circula – um eterno Proteo! – através de todas as partes do mundo e através de todos os séculos”[85].

Junto ao nominalismo ockhamista, caberia conjecturar também em Herder uma possível inspiração leibniziana[86]. Cabe apreciar, em efeito, notáveis analogias entre os “indivíduos históricos” (povos, culturas...) herderianos e as mônadas de Leibniz, esses “átomos espirituais”, pontos metafísicos inextensos e indivisíveis, que são os constituintes últimos da realidade[87]. Uma das características da mônada é a absoluta singularidade. Não existem duas mônadas iguais, em virtude do prioncípio de “identidade dos indiscerníveis”. As mônadas, ademais, são constitutivamente ativas[88], seu movimento e desenvolvimento obedece a um princípio dinâmico intrínseco a elas, e não a relações de causa-efeito derivadas da interação com outras mônadas (as mônadas não interagem, cada uma delas é um microcosmo “sem janelas”)[89]. As mônadas são sujeitos perceptivos (cognoscentes, ou ao menos proto-cognoscentes); cada uma delas reflete ou percebe de uma maneira específica o conjunto da realidade: “cada uma dessas substâncias – escreve Leibniz – representa exatamente, a sua maneira, e segundo determinado ponto de vista, o universo inteiro”[90].

Cada mônada constitui, portanto, uma perspectiva ou ponto de vista irrepetível sobre o mundo. E essa medida é de certo modo o mundo, ou vale tanto como o mundo:

“Ao ser todo espírito como um mundo aparte, autosuficiente, independente de toda outra criatura, implicando o infinito e expressando o universo, é pelo menos [...] tão suficiente e tão absoluto como o universo”[91].

Ao criar seres cognoscentes, Deus consegue múltiplos mundos em um[92]. Esta sorte de desdobramentos cósmico expressa a sobrepujança criadora de Deus. A proliferação de mônadas, a multiplicação caleidoscópica de perspectivas e pontos de vista sobre o real, representa para Deus, escreve Leibniz, “o meio de conseguir tanta variedade como é possível [...], quer dizer, o meio de obter tanta perfeição quanto seja possível”[93]. Para Leibniz – como para Herder – variedade é sinônimo de perfeição, de riqueza ontológica.

E. Cassirer rastreou a característica leibniziana em Herder com admirável profundidade. A peculiar dialética entre individualidade e totalidade característica da filosofia de Leibniz é projetada por Herder ao plano da filosofia da história. No lugar dos sujeitos metafísicos que eram as mônadas encontraremos agora os sujeitos históricos coletivos[94]. Não existem duas culturas iguais (“identidade dos indiscerníveis” projetada na história); a identidade etno-cultural não depende só da ação de fatores ambientais externos – o solo, o clima, etc. – senão que é expressão de um princípio vital interno [Geist des Volkes], que rege o desenvolvimento de cada sujeito histórico, informando todas suas manifestações. Os povos e culturas são, como as mônadas leibnizianas, “indivíduos absolutos”, irredutíveis em sua singularidade. Cada um deles é um microcosmo, um mundo autárquico de significados e valores, dotado de sua própria coerência. Não existe um “ponto arquimédico” suprahistórico ou supracultural, desde que possa se formular comparações ou hierarquias entre civilizações ou povos. Como as mônadas, cada povo ou cultura representa uma perspectiva insubstituível sobre o mundo, reflete a totalidade de uma forma específica e irrepetível[95]. Daí o valor infinito de cada cultura; daí o declíneo irreparável que representa para a humanidade a destruição de qualquer delas. Finalmente, Herder, como Leibniz, intui a mão de Deus por trás da pluraridade histórico-cultural. Deus decretou que “a inteligência prática do homem havia de florescer em todas as variedades possíveis e dar seu fruto”[96].

Agora bem, essa exaltação herderiana do “individual” se refere, como já indicamos, a esses paradoxais indivíduos coletivos[97] que seriam os povos, as civilizações...(e, no entanto, por conseguinte, os seres humanos singulares):

“Desde certo ponto de vista, toda perfeição humana é nacional, histórico [säkular], e, se o considerarmos com a maior precisão, individual”[98].

Creio que a individualidade a que Herder se refere nessa e noutras passagens similares é a “individualidade coletiva”, a espicificidade de um povo, as senhas de identidade de um grupo cultural[99]. Se diz que Catón conseguiu escrever uma encoclopédica História de Roma – seu De originibus – sem mencionar mais que um nome prórpio: o único dos elefantes de Pirro![100]. Obviamente, queria transmitir com ele a mensagem de que a história não é feita pelos indivíduos, mas os povos. É revelador que em Também uma filosofia da história não encontremos tampouco apenas nomes próprios, e sim inumeráveis referências a Egito, Grécia, ou Roma, como totalidades. Para Herder, o verdadeiro sujeito histórico parece ser a comunidade, o grupo humano aglutinado por certas senhas de identidade culturais[101]. Ele se aprecia de maneira especial em seus escritos sobre crítica literária (o estudo Sobre Ossian e o canto dos povos antigos, as Silvas críticas, os Fragmentos sobre literatura alemã...). Herder é um entusiasta da poesia popular-anônima[102], “primitiva” ingênua, não sujeita a convenções estilísticas...; parece crer, com o Goethe de Poesia e verdade, que “a poesia é um dom [...] dos povos [eine Volkergabe], e não o patrimônio privado de alguns homens refinados e instruídos”[103]. Contrapõe, pois, a musa etno-coletiva dos tempos “primitivos”[104] (espontâneo, vigorosa, viva) à mu”sa individual contemporânea (artificiosa, espartilhada çpor regras e convenções, “morta”)[105]. Em realidade, a poesia foi a primeira língua da humanidade[106]. A linguagem não surgiu, segundo Herder, por infusão divina, nem tampouco como resposta adaptativa às necessidades práticas relacionadas com a supervivência, senão como efusão lírica, como expressão do assombro que na sensibilidade virginal do homem primitivo suscita o espetáculo sublime da natureza[107”]; a linguagem foi, antes de qualquer outra coisa, “celebração poética do mundo”. Nos “cantos nacionais” dos povos “selvagens e incultos” se palpa todavia o assombro primitivo, o eco da protolíngua edêmica. Tais “cantos nacionais” – cujo protótipo Herder encontra nos poemas ossiânicos – se caracterizam por seu perfil compacto, “pela necessidade de conteúdo [Nothdrang des Inhalts]”. Ao ser obra do gênio coletivo, estão isentos das vacilações e da “arbitrariedade” características da inspiração subjetiva; eles destilam, segundo Herder, harmonia (“simetria das palavras, das sílabas, as vezes incluindo as letras”), “segurança e firmeza expressivas”, “força assombrosa”...[108]. A medida que o gênio lírico nacional-coletivo foi substituído pela inspiração “artificiosa” de vates individuais, a qualidade das criações poéticas decresceu irremediavelmente:

“[...] e finalmente tudo chegou a ser falsidade, debilidade, maneirismo [Künstelei]. Tudo se perdeu. A poesia, que havia sido a mais avassaladora, a mais segura filha da alma humana, se converteu na mais incerta, coxa e vacilante: os poemas [se degradaram em] em exercícios escolares para meninos, cuidadosamente corrigidos”[109].

Vemos assim como o “individualismo” filosófico-histórico de Herder, no que descobríamos raizes ockhamistas e leibnizianas, se mostra compatível com uma concepção “comunitarista” da vida cultural. A chave dessa aparente paradoxal mentira, como já se assinalou, em que os “indivíduos” historicos herderianos não são as pessoas, mas as coletividades. A capacidade criativa do sujeito isolado não chega a ser negada, mas é relegada a um papel marginal frente a pujança criadora do grupo como tal.

Herder foi, portanto, como indica corretamente I. Berlin, o primeiro grande teórico da “associação”[110]. Para ele, ser homem significa basicamente comungar com significados culturais comunitários[111]. É possível – e, se fosse possível, resultaria indesejável – o cosmopolitismo (que Herder entende sempre no sentido negativo, como sinônimo de apatridia histórico-cultural, de carência de raizes comunitárias). Somente é possível pensar, valorizar, criar, desde um contexto histórico-nacional determinado, através dos significados culturais de uma determinada comunidade e época[112].

A filosofia da história de Herder, em conclusão, conecta, em direção ao passado, com o “individualismo cristão” de Leibniz ou dos nominalistas medievais, e, em direção ao futuro, com o historicismo e o nacionalismo romântico. Vindo a correntes mais recentes, pode muito bem ser visto como um distante precursor dos atuais “comunitaristas” (Macintyre, Taylor, Sandel, etc.). É um pensador selvagem e assistemático, cujo discurso frequentemente deixa a desejar quanto ao rigor analítico, mas cuja influência sobre algumas tendências filosóficas do século XIX é muito relevante. Nesse sentido, cabe lamentar que sua figura não recebeu maior atenção em nosso país.

[1] Compartilho, portanto, a linha de interpretação encabeçada por M. Rouché, quem vê em Vico e Herder grandes representantes do pensamento histórico cristão do século XVIII: “O pensamento de Herder [...] pode ser considerado como a culminação da filosofia da história cristã [...] Herder é, com Vico, um dos grandes representantes da filosofia da história cristã do século XVIII” (Rouché, M. (1992) p. 49). H. Stephan disse também sobre a raiz religiosa da visão herderiana da história: “O conceito [herderiano] do desenvolvimento histórico surge da contemplação religiosa da história” (STEPHAN,, H. (1906) p. XVII). I. Berlin está de acordo em considerar Vico e Herder como pensadores cristãos, se bem encontra no “pluralismo” axiológico – com suas conotações relativistas ou próximas do relativismo – de ambos autores um obstáculo sério para poder catalogá-los como cristãos “ortodoxos”; “[Para Vico e Herder] [...] a vida permite uma pluralidade de valores, de autenticidade similar, igual de definitivos, igual de objetivos [...] Na sede da história humana há muitas mansões: esse ponto de vista pode ser anti-cristão; mas parece que o sustentaram, não obstante, esses dois piedosos pensadores do século XVIII” (BERLIN, I. (2000ª) p. 92).

[2] As relações do Iluminismo com a religião são mais complexas e plurais do que quer o tópico. Entre os pensadores importantes do século XVIII encontramos desde cristãos sinceros como Berkeley ou Leibniz (1716) até ateus impenitentes como Helvetius ou D’Holbach, passando por diversas modalidades de teístas (Voltaire, Lessing...). Contudo, está fora de dúvida que o Iluminismo foi um movimento basicamente secularizador. Cf. a respeito de CASSIRER, E. (1993), pp 156 e ss.; HAZARD, P. (1991), pp 49 e ss.; HAZARD, P. (1988), pp 212 e ss.

[3] Qualificar de “meta-histórica” a esperança cristã não significa entender que o cristão esteja obrigado a atrasar à “pós-história” (a eternidade, a vida ultraterrena) o cumprimento de todos seus sonhos e expectativas, senão recordar que a garantia da sua esperança, tanto no que se refere à vida terrena como à ultraterrena, é uma entidade transcendente, “exterior” à história: a divindade providente. Frente ao tópico da visão cristã da vida terrena como vale de lágrimas, autores como R. Nisbet (vid. infra) souberam mostrar que na obra de alguns dos mais significativos pensadores cristãos não são infrequentes as previsões otimistas com respeito ao futuro da humanidade (e não somente na eternidade post mortem, mas também neste mundo). A atitude cristã ante a história, escreveu E. Brunner, vem informada pela tensão entre o “agora já” e o “todavia não”, pela “duplicidade de possessão e expectativa”; os cumprimentos parciais, sem deixar de ter valor por si mesmos, funcionam ao mesmo tempo como colher, prolepsis, anticipação do eschaton definitivo (BRUNNER, E. (1953), pp 65 e ss.).

[4] “Nela [a secularização iluminista] o sagrado não desaparece, mas se mundaniza. [...] Crê o cristão que o curso inteiro da [...] história é submetido a um desígnio divino mais ou menos icompreensível pela mente humana, ao qual chama “Providência”. [...] Para o secularizado, em vez disso, o curso da história tem em si mesmo um próprio sentido, o qual seria acessível à razão humana sob a forma de “lei”. A “lei histórica” é o equivalente secularizado da “Providência” [...] O iluminista décimo oitavo esperou que seu esforço e o das gerações seguintes se aproximariam progressivamente aos homens ao gozo definitivo de um “reino de Deus” terreno e secularizado. [...] Uma conclusão se impõe com evidência: o progressismo, a fé no progresso, é o termo a que chega a secularização da esperança cristã no mundo moderno”, LAÍN ENTRALGO, P. (1984), pp 192 e 195.

[5] Assim como o descobrimento das leis físico-naturais torna progressivamente supérfluo o Deus-relojoeiro (o astrônomo Laplace a Napoleão: “não tem necessidade dessa hipótese”), assim a postulação de uma suposta legalidade imanente à história faz-se desnecessária ao Deus providente. Como observa F. Rapp, “no momento em que as legalidades instituídas por Deus são compreensíveis em forma puramente imanente e asseguram por si mesmos o progresso, Deus já não é necessário enquanto garantia do mesmo”(RAPP, F. (1996), p. 151).

[6] F. Rapp, na linha de Löwith (vid. infra), interpreta a idéia de progresso como um “substituto funcional” que assume, no mundo desencantado da modernidade, funções de provisão de “sentido e orientação” que antes correspondiam ao pensamento mítico (cf. Rapp, F (1996), p. 117).

[7]Cf. BLUMENBERG, H. (1996) pp. 214 e ss.

[8] “O homem tardo-medieval”, escreveu Ortega, “começa a sentir que “este mundo, bem que criado por Deus, é um feito absoluto e desnudo, com o qual há que se tratar” (ORTEGA e GASSET, J. (1982), p. 201).

[9] Sobre a “curiosidade autoconsciente” cf. BLUMENBERG, H. (1996) pp. 263 e ss.

[10] Cf. a respeito de BLUMENBERG, H. (1996) pp. 46 e ss.

[11] A filosofia da história moderna, segundo Löwith, está informada pelo pathos escatológico do judaico-cristianismo, se bem referido a uma consumação intramundana, e não há transcendente: “a crença no progresso foi substituída pela crença na Providência” (LÖWITH, K. (1983ª), p. 12).

[12] LÖWITH, K. (1983), p. 12. Uma idéia similar pode se encontrar em ELIADE, M. (2000), pp. 94 e ss.

[13] “Não é, desde logo, produto do azar o fato de que nossa linguagem habitual confunda [...] as palavras “sentido” e “finalidade”; por regra geral, é a finalidade que determina o significado de “sentido” [...] Da mesma forma, os fatos históricos somente estão dotados de sentido [sinnvoll] se remetem a uma finalidade que se encontra mais além dos sucessos empíricos” (LÖWITH, K. (1983ª), p. 15.

[14] “Segundo a concepção judaico-cristã da história, o passado é uma promessa do futuro [ist die Vergangenheit ein Versprechen der Zukunft] [...]; o passado é entendido como uma “preparação” cheia de sentido do futuro” (LÖWITH, K. (1983ª), p. 16).

[15] LÖWITH, K. (1983ª), p. 69. Cf. também LÖWITH, K. (1983b), p. 397.

[16] O tipo de análise que Löwith projeta sobre a filosofia da história (interpretação dos conceitos modernos, supostamente pós-religiosos, como conceitos religiosos “invertidos”), de certo modo, G. Bueno aplica ao conjunto da cultura moderna, utilizando o esquema hermenêutico da “inversão teológica”. Por “inversão teológica” Bueno entende por “transmutação das conexões dos conceitos teológicos em virtude da qual estes deixam de ser aquele por meio do qual se fala sobre Deus (como entidade transmundana) para converter-se naquele por meio do qual se fala sobre o Mundo [...]. A inversão teológica faz de Deus um “ponto de vista” – o “ponto de vista de Deus” – desde o qual contemplamos a própria ordem do Mundo” (BUENO, G. (1972), pp. 133-134; pode encontrar-se uma sugestiva aplicação desse esquema à evolução do conceito “lei” em VEGA, J. (2000), pp. 280 e ss; cf. também VEGA, J. (1984), p. 14). Se o homem medieval fala sobre Deus desde o imanente, ou por analogia com o imanente (analogia entis), o homem moderno vai falar sobre o imanente (o cosmos físico, a economia, a história...) desde “Deus”, entendendo agora por “Deus” um ponto de vista que permite contemplar as coisas sub especie aeternitatis. O cientista da natureza, por exemplo, assume de certo modo a perspectiva do Deus criador-legislador ao formular leis físicas com pretensão de validez universal. O cientista fala sobre o mundo, mas o faz desde a perspectiva abrangente e “necessitarista” que antes se considerava característica da mente divina: se trata da apelação a “Deus” como um “princípio de conhecimento, [...] como uma causa formal desde a qual se vêem as coisas segundo uma nova “modalidade”, a saber, a necessidade” (BUENO, G. (1972), p. 136). Algo parecido caberia dizer sobre o filósofo da história que se atreve a formular “leis históricas”, ou ao economista que proclama a sequência inelutável de certos modos de produção.

[17] Comenta a respeito de R. Nisbet: “Com a aparição do cristianismo, [...] a idéia de progresso alcançou a forma e o conteúdo que foram transmitidos ao mundo moderno: a visão do avanço necessário da humanidade em um processo gradual, por etapas, [...] de acordo com o plano inicial traçado pela “Providência” (NISBET, R. (1981) p. 487). Com respeito a fórmula proposta por Nisbet, seria conveniente refinar que a contribuição do Iluminismo reside, justamente, na amputação da referência transcendente: o progresso cristão era progresso desejado por Deus; o progresso iluminista terá que ser progresso autofundado.

[18] “Somente porque na base havia uma confiança na existência do poder divino pode aparecer uma fé em que o mundo e a história do mundo seguiam um plano ou um padrão preestabelecidos” (NISBET, R. (1981) p. 491). Uma tese similar sustenta K. LÖWITH (LÖWITH, K. (1983ª) p. 21 e ss.).

[19] Constatar que existiu um “progressismo” cristão não implica sustentar que todos os pensadores cristãos compartilharam essa visão da história. Na realidade, no cristianismo conviveram ao menos duas tradições a respeito. Comenta a respeito M. Reeves: “Desde suas origens, o pensamento cristão contém uma visão pessimista e também uma visão otimista da história, cujo final se concebe às vezes como um aumento progressivo do mal e outras como uma idade de ouro messiânica [...]. A “idade de ouro” a que Reeves se refere é a bem-aventurança eterna dos bem-aventurados do céu, senão um período final de plenitude neste mundo, profetizado por autores cristãos como Joaquin de Fiore: “A era messiânica é uma era que está dentro da história, não depois dela”. Cf. REEVES, M. (1969).

[20] Como assinala V. Penha, poderia ser que Nisbet, resolvido a situar o mais atrás possível das raizes históricas da Idéia de Progresso, esteja dando por boa uma concepção abusivamente ampla da mesma: “[...] a posição de Nisbet se mantém a base de ampliar a idéia de progresso e fazê-la e torná-la mais frouxa [...] Com tal de que há “melhora no tempo” (em um sentido lato e frouxo) haveria Idéia de Progresso. E assim, Nisbet vê a Idéia de Progresso por todos lados, ou quase” (PENHA, V. (1993), p. 6).

[21] JENÓFANES, Fragmento 18 Diels.

[22] A caracterização da idéia de progresso que oferecemos é funcional e provisória. Não parece que o conceito “progresso” se deixa definir de forma nítida, analiticamente solvente: a de progresso não é uma idéia “clara e distinta”. V. Penha colocou claramente em um trabalho meritório (PENHA, V. (1993)) as obscuridades e aporias em que tropeçamos quando tentamos submeter o “progresso” a uma análise filosófica rigorosa. Por exemplo: o “verdadeiro” progresso é necessário ou contingente? Em geral, deve-se pensar no progresso como um processo necessário. Agora bem, Penha sugere que teria sido mais coerente esperar que o progresso implicasse autêntica novidade histórica (irrupção do imprevisível, do “emergente”, e não mera atualização do potencial, do que desde um princípio estava já presente como possibilidade): “Se “tudo está previsto” (previamente em alguns casos, segundo uma lógica imanente inexorável em outros), o quê quer dizer que a realidade progrida ou “melhore”, senão, no máximo, um imperfeito conhecimento humano dessa mesma realidade necessária?” (PENHA, V. (1993), p. 7). Surpreende Penha, por exemplo, que Nisbet interprete a noção aristotélica de “passo da potência do ato” como uma manifestação da idéia de progresso: “antes a impressão de que a explicitação do potencial no atual é, como esquema de pensamento, a expressão mesma da circularidade, da ausência de autêntica novidade” (op. cit., p. 6). Agora bem, se decidimos que a abertura ao novum é consubstancial à idéia de progresso, nos vemos obrigados a excluir da lista progressista não apenas Aristóteles, mas também pensadores emblemáticos como Hegel (cf. op. cit., p. 7): por mais que entenda a história como realização progressiva da liberdade, etc., o certo é que a dialética hegeliana não é senão uma explicitação ou desenvolvimento do que já estava contido in nuce no começo (daí que Bloch, o grande pensador da novidade, chamou Hegel de “o grande antiquário”: cf. BLOCH, E. (1977), vol. 2, pp. 445 e ss. e 476 e ss.). Teriam que ser excluídos todos os filósofos que concebem o fluir da realidade como mera reiteração – sob novas configurações – do que já estava dado em um princípio.

[23] Em alguns autores, sem dúvida, se darão simultaneamente as três: se trataria de aqueles que estimam a progressiva ampliação dos conhecimentos e habilidades conduzem a humanidade a uma elevação moral e umas altas de felicidade cada vez maiores.

[24] Por exemplo, Löwith (sem deixar de reconhecer a importância dos precursores judeus): cf. LÖWITH, K. (1983ª), p. 181.

[25] A concepção grega, segundo a qual somente o eterno-necessário-imutável (por exemplo, os números e demais conceitos matemáticos) pode ser objeto de episteme, relega a história a um nível ontológico e epistemológico inferior (o mutável-contingente, o que nasce e morre, objeto da doxa); cf. a respeito de COLLINGWOOD, R. G. (1980), p. 20). Nesse sentido, a “filosofia da história” estranharia, desde a perspectiva grega, uma contradictio in terminis (pois não pode haver filosofia do contingente, do fugaz), como assinala Löwith (LÖWITH, K. (1983a), p. 14).

[26] Ferrater Mora explicou muito bem de que forma o cristianismo entranha uma revalorização do tempo, frente a vocação ucrônica característica do pensamento grego: “[...] o grego não encontra sentido na história, porque o que conta para ele são realidades tais como a Natureza, a Razão, o Mundo Inteligível, o Uno – em suma, o que não muda [...] Para o cristão, em vez disso, há um acontecimento que divide e quase aliena os tempos, pelo qual os tempos mesmos adquirem inequívoca presença: a chegada do Messias, seu rápido e decisivo passo pela terra” (FERRATER MORA, J. (1984), p. 26).

[27] O tempo mesmo é criação divina, pelo que não tem sentido perguntar o quê fazia Deus “antes” da criação do mundo: “Se antes da criação do céu e da terra não existia o tempo, por que alguém pergunta então o que fazia? Em realidade, quando não existia o tempo não existia tampouco o então [...] O tempo mesmo é obra tua” (SANTO AGOSTINHO (1986), pp. 296-297).

[28] “O mundo não está todavia terminado”, escreverá F. ROSENZWEIG em sua Estrela da redenção (Der stern der Erlösung, 11/3, 170). Moltmann assinala por sua parte: “A criação inicial é ao mesmo tempo criação do tempo. Por isso há que se conceber como creatio mutabilis. Não é uma criação perfeita, senão aperfeiçoável” (MOLTMANN, J. (1979), p. 151). Frente a uma visão platônica-plotiniana da criação como emanação necessária do Eterno e Imóvel, Santo Agostinho, ao revalorizar filosoficamente o tempo, estaria propondo uma visão dinâmica e “aberta” da criação: uma creatio viatrix ou “em processo”. A história é um “sistema aberto”, aberto ao novum, ao emergente, ou qualitativamente distinto, o que não é mera recombinação de elementos presentes desde o começo. Nas culturas pré-cristãs, o pólo magnético da história é a origem: o presente é a rememoração da origem, regeneração ou restauração do primordial (cf. a respeito de ELIADE, M. (2000), pp. 13-21 e 56-93). O presente é a reiteração do passado, vem determinado pelo passado: não há autêntica novidade. Judaísmo e cristianismo trazem consigo uma inversão de perspectiva: o futuro passa a ser o centro de gravidade (cf. LÖWITH, K. (1983a), p. 16; em um sentido similar K. Rahner: “O cristianismo é uma religião do futuro [...] um futuro que como absoluto sai ao encontro do indivíduo e da humanidade inteira”, RAHNER, K. (1968), p. 12); na perspectiva judaico-cristã, a história é projeto, expectação, promessa de um futuro novo. Um futuro que não é futurum, um futuro que não é “previsível”, “calculável”, por extrapolação do presente), senão adventus (parusia em grego): irrupção do imprevisível, do que não é mera prolongação ou extrapolação do atual; continuação da criação por um Deus que “faz novas todas as coisas” (Ap. 21,5). O adventus não é calculável, mas sim esperável: a esperança é a atitude espiritual que reclama o adventus (cf. a respeito de MOLTMANN, J. (1979), pp. 62 e ss. e 77 e ss.) .

[29] Ferrater chama atenção também sobre o “dramatismo” insistente na concepção augustiniana da história: “O drama da história consiste, para o cristão, em que não ocorre mais que uma vez. Por isso a história é verdadeiramente dramática e não cabe pedir, enquanto se esteja nela, a paz e a tranquilidade que o estóico busca e alguma vez encontra [...]” (FERRATER MORA, J. (1984), p. 37).

[30] Também pôde servir ao de Hipona a esses efeitos a Epístola aos Hebreus, em que se disse que Cristo não padeceu “muitas vezes desde a criação do mundo”, senão que “agora, uma só vez, se tem manifestado para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Heb. 9, 26). Sobre a centralidade da morte e ressurreição de Cristo na concepção augustiniana da história, vid. LÖWITH, K. (1983ª), p. 179.

[31] Cf. SANTO AGOSTINHO (1922), XIII, 14.

[32] Cf. SANTO AGOSTINHO, De gratia Christi, XXV.

[33] Nisbet se embasa nesse texto para apresentar SANTO AGOSTINHO como uma das mais importantes figuras da história da idéia do progresso (NISBET, R. (1981), p. 87).

[34] BURY, J. B. (1920), p. 7.

[35] [Quão numerosas][...] e estimáveis são as artes que foram inventadas e exercitadas pelo gênio humano[...]![...] A quão maravilhosas obras chegara a indústria humana em matéria de vestidos e edifícios; quanto foram tomado e adiantado a agricultura, quanto a navegação! Quê projetos foram inventados e experimentados felizmente na fábrica e construção de todo gênero de vasos, na bela variedade das estátuas e pinturas! As coisas que foram maquinadas para fazer e representar nos teatros [...]! [...] E para conservar e reparar a saúde dos mortais, quantos medicamentos e auxílios foram inventados [...]! E para declarar e persuadir seus conceitos e pensamentos, quão grande multiplicidade e variedade de sinais, nas que tem em primeiro lugar as palavras e as letras! [...] Quê admiráveis regras de dimensões e números e com quanta sagacidade foram compreendidos os movimentos, ordem, e curso dos astros! Quão exata notícia foi alcançada acerca das coisas mais assinaladas do mundo!” (SANTO AGOSTINHO (1922), XXII, 24).

[36] Especula, por exemplo, acerca do possível incremento futuro dos conhecimentos sobre fisiologia humana: quiçá “a indústria humana poderá investigar e conhecer” os “números e as medidas com que toda esta fábrica [o corpo humano] está entre si travada e acomodada”. Se não se conhece ainda “a grande combinação das veias, artérias, nervos, e entranhas”, é porque faltou audácia aos investigadores:”faz falta dizer que nada se pudera falar porque nada se atreve a buscar?” (SANTO AGOSTINHO (1922), XXII, 24).

[37] Collingwood chama atenção sobre o particularismo que impregna à historiografia grega (incluindo nas suas mais altas expressões: Heródoto, Tucídides) e que somente começará a se atenuar no período helenístico (cf. COLLINGWOOD, R. G. (1980), p. 31).

[38] A filosofia da história agostiniana tem sido, pois, a primeira com vocação ecumênica: “A imagem da história delineada por Santo Agostinho é por sua vez uma tentativa de compreender dentro de uma unidade a variedade das épocas e dos povos, o primeiro esforço que se fez no mundo antigo para não converter a história universal em uma crônica doméstica” (FERRATER MORA, J. (1984), p. 34).

[39] Sobre o universalismo como característica diferencial do cristianismo frente a todas as demais religiões ou filosofias da Antiguidade, cf. VIDAL, C. (2000), pp. 59 e ss., assim como NISBET, R. (1981), p. 95. Para Löwith, a perspectiva universal cristã deriva tanto da crença no Deus único, como da projeção escatológica da história em direção a um telos único (LÖWITH, K. (1983ª), p. 29).

[40] Comenta a respeito Collingwood: “O cristão não pode se contentar com uma história romana ou uma história judia, ou nenhuma outra história parcial e particularista: exige uma história do mundo, uma história universal cujo tema será o desenvolvimento dos propósitos de Deus para a vida humana” (COLLINGWOOD, R. G. (1980), p. 49).

[41] SANTO AGOSTINHO (1922), XIX, 25.

[42] “[No século XVIII tem lugar] a secularização da idéia de progresso, que por fim se separa de Deus para se converter em um processo histórico movido e mantido por causas puramente naturais” (NISBET, R. (1981), p. 244). Em um sentido similar LÖWITH, K. (1983ª), p. 12.

[43] “O tempo desenvolve ante nossos olhos os desígnios da Providência e não faz nada a não ser manifestar mais e mais os tesouros de sua bondade. [...] Por que não quereis ver que esta religião toda celeste [o cristianismo] é todavia a fonte mais pura de nossa felicidade nessa vida que, espalhando pela terra o gérmen da eterna salvação, se dá ao mesmo tempo a luz, a paz, e a felicidade?” (TURGO, A. R. J. (1991) pp. 4-5). A originalidade de Turgot no sentido do Iluminismo estriba em que, frente a visão iluminista convencional da religião (ou, mais concretamente, do cristianismo, pois a “religião natural” dos chineses, dos ameríndios, etc., suscita todas as simpatias...) como uma força obscurantista que se opõe ao progresso, o cristianismo é aqui vindicado como o principal motor do aperfeiçoamento histórico (em virtude de seus efeitos de humanização dos costumes, limitação do poder despótico, dignificação da mulher, estimulação da reflexão, etc.). Como indica G. Mayos, a aproximação de Turgot na primeira Sorbônica “reune respeito pela tradição religiosa e profunda deliberadamente pela modernidade e pelas luzes”. Em Turgot todavia “a confiança na religião ajuda decisivamente a formular a confiança no progresso” (MAYOS, G. (1991), pp. XXIV e XXVI). Para uma visão “turgotiana” aggiornata sobre o papel histórico do cristianismo, cf. VIDAL, C. (2000).

[44] Como bruscamente notifica G. Mayos, esta perspectiva (a que informa o primeiro Discurso) implica já um certo grau de secularização filosófico-histórica: o acento não se põe tanto sobre o Deus providente como sobre os benéficos efeitos do cristianismo, enquanto fenômeno histórico, sobre o processo de educação da humanidade: “Turgot está em primeiro discurso secularizando e convertendo em ultracontemporâneo o tema tradicional do elogio da religião. Não trata nela mesma, senão somente na medida em que provocou benefícios ou progressos na humanidade. Em certa medida se pode dizer que a pensa – e a elogia – mais como instrumento ou meio do que como fim em si mesmo” (MAYOS, G. (1991), p. XXX).

[45] Na segunda Sorbônica o elo condutor deixa de ser papel de civilizador do cristianismo; as alusões a Deus ou ao cristianismo são quase episódicas. Turgot propõe agora uma versão secularizada do progresso, como um movimento autônomo não necessitado de um tutor transcendente. Cf. TURGOT, A. R. J. (1991b) pp. 35 e ss.

[46] Em efeito, o neologismo “filosofia da história” incorporava, como explica M. Caparrós, conotações muito precisas: “Fazer filosofia da história consistia para ele [Voltaire] em considerar a história “no filósofo”, opor as luzes da razão humana às superstições e prejuizos do obscurantismo e adotar uma atitude crítica e cética com respeito à religião e às verdades estabelecidas, uma atitude “científica”” (CAPARRÓS, M. (1990), p. XXIV).

[47] Condorcet foi detido no momento do terror jacobino, em qualidade de “inimigo do povo” por causa de suas relações com os girondinos. Morreu na prisão – segundo parece, por sua própria mão – enquanto esperava um processo em que provavelmente haveria sido condenado à morte. Seu suicídio “salvou a República do crime do parricídio”, comentaria Michelet (MICHELET, J. (1856), p. 85). Sobre Condorcet, cf. BADINTER, E. e R. (1988); BAKER, K. M. (1975); TORRES DEL MORAL, A. (1980).

[48] “[...] A perfeitabilidade do homem é realmente infinita [indéfinie]; os progressos dessa perfeitabilidade, a partir de agora emancipados de qualquer poder que quisera detê-los, não têm outro termo que a duração do planeta em que a natureza nos jogou. Sem dúvida, esses progressos poderão seguir uma marcha mais ou menos rápida; mas nunca retrocederão, ao menos enquanto a terra ocupe o mesmo lugar no sistema do universo [...]” (CONDORCET (1970), p. 3).

[49] Na ausência de uma garantia transcendente do aperfeiçoamento, não se vê por que a humanidade teria que se encontrar inevitavelmente “no constante progresso em direção ao melhor?” (a expressão, como é sabido, rotula uma das seções do Conflito das Faculdades kantiano). Comentava ao respeito, Ortega: “Nada impôs à realidade intramundana a obrigação de terminar bem, como é obrigatório nas películas norte-americanas” (ORTEGA y GASSET, J. (1960), p. 104). E F. Savater: “A morte de Deus é o final da garantia de que tudo vá acabar bem, de que tudo tem que acabar bem [...]; é o final da ilusão de que a trama do universo [...] nos tem por protagonistas” (SAVATER, F. (1990), p. 123).

[50] O progresso seria, no melhor dos casos, contingente e reversível. Cf. a respeito MAURER, M. (1987), p. 145.

[51] FERRATER MORA, J. (1984), p. 73.

[52] Para Voltaire, esses quatro “séculos” se caracterizam pelo aperfeiçoamento das “artes”. Este termo deve ser entendido em sentido amplo, abarcando não somente as belas artes, mas também a técnica, a ciência, a política, ou arte de governar, etc.; a incomum concentração do talento registrada neles os permitem destacar-se sobre todos os demais, similares uns aos outros em sua obscuridade (cf. VOLTAIRE (1963) pp. 90 e 92).

[53] Como M. Caparrós indicou, a aproximação de Voltaire no O século de Luis XIV parece excluir a idéia mesma de progresso, na medida em que as bem conhecidas quatro etapas de esplendor são entendidas como parêntesis efêmeros em uma história presidida basicamente pela barbárie: “se esses momentos da história da humanidade aparecem como picos isolados depois dos quais o alívio voltará à planície, não haveria em definitiva tal progresso, senão certos momentos de perfeição que não tardariam em referir, engolidos pelas forças obscuras da imobilidade” (CAPARRÓS, M. (1990), p. LIV). Estaríamos ante um esquema “de espiral”, similar ao dos corsi e recorsi de Vico, e não ante o esquema histórico linear característico do progressismo.

[54] Essa conclusão também foi extraída por R. Pomeau das obras históricas de Voltaire: “Voltaire parece conceber a civilização como um equilíbrio delicado, difícil de alcançar, difícil de preservar” (POMEAU, R. (1990), p. XLIX). F. Savater, por sua vez, comenta: “Voltaire não se desespera da condição humana, mas também não a beatifica, nem faz demasiadas ilusões sobre ela. Fazer a vida suportável exige um esforço constante de sensatez racionalista, nunca consolidada por completo e em perigo de retroceder ante os desdobramentos do fanatismo, da intolerância, e da ambição”. Caracterizaria a Voltaire um progressismo falibilista e possibilista, “no qual se reúnem a esperança em logros parciais e a desesperança a respeito de uma regeneração total” (SAVATER, F. (1990), p. 115).

[55] Resulta muito ilustrativo nesse sentido o relato alegórico Elogio histórico da Razão: depois de séculos de reclusão em uma caverna, a razão e a verdade se aventuram em 1775 a uma prudente descoberta pela Europa, e encontram uma série de novidades encorajadoras: o Papa Clemente XIV aboliu a bula In coena Domini (“um dos maiores monumentos da insensatez humana”), a Companhia de Jesus expulsou de diversos países, são aradas novas terras e embelecidas as cidades, as leis penais estão sendo suavizadas, a tortura erradicada... Não obstante, a razão e a verdade, escaldadas por experiências anteriores, não se fazem ilusões sobre a irreversibilidade de tais avanços: “desfrutemos dos belos dias enquanto durem e, se se tornarem as tormentas, voltaremos a nosso buraco” (VOLTAIRE (1983), p. 229).

[56] Essa também é a opinião de J. Heise: “sua obra não é enquadrável nem no ceticismo nem no otimismo dezoitescos, senão que encarna uma posição bem independente” (HEISE, J. (1998), p. 80). Para Dümpelmann, a “posição independente” de Herder não é simplesmente uma posição antiprogressista, senão mais uma “variante autocrítica” do progressismo iluminista (cf. DÜMPELMANN, M. (1996), p. 212).

[57] Isaak Iselin vem a ser o Condorcet alemão. É, junto com Voltaire, o autor a quem Herder tem em todo momento presente enquanto protótipo do progressismo iluminista. O ponto de partida da filosofia da história de Iselin é a noção de “homem verdadeiro” (ISELIN, I. (1976), p. 81), ou “natureza humana”. O conhecimento da natureza humana serve para reconstruir hipoteticamente aqueles períodos da história dos que não se conservaram suficientes testemunhas ou fontes documentais: o cognitio philosophica preenche assim as lacunas da cognitio histórica em Iselin, cf. ADLER, H. (1990), p. 153). A “natureza humana” serve também a Iselin como critério de valorização: divide os indivíduos em duas “classes”, segundo predominem neles as “faculdades cognoscitivas e apetitivas [Erkenntnis-und Begehrungsvermögen]” “superiores” ou as “inferiores” (ISELIN, I. (1976), p. 74). Esta hierarquia é projetável aos “povos em seu conjunto” (op. cit., p. 76). Equipado com esse padrão, Iselin julga com desenvoltura diversas culturas e épocas. A época atual é a melhor: Europa se elevou ao “estado do Iluminismo”, e as faculdades “superiores” prevalecem cada vez mais sobre as “inferiores”. Esse desenvolvimento otimista continuará sem dúvida no futuro: “As belas artes e ciências alcançaram uma altura da que com todo direito podemos nos prometer os resultados mais soberbos. Suas plácidas influências se extendem a todas as classes da sociedade muito mais de quanto puderam fazer em qualquer dos séculos passados [...]. A indústria e o trabalho arrancam inumeráveis homens da pobreza e da barbárie [...] Por acaso devemos pensar que esses felizes gérmens [diese glücklichen Keime], por débeis que ainda possam ser, não vão fortalecer, não se vão extender constantemente?” (ISELIN, I. (1976), pp. 378-380).

[58] HERDER, J. G. (1997), p. 37.

[59] HERDER, J. G. (1997), p. 82.

[60] HERDER, J. G. (1997), p. 56.

[61] HERDER, J. G. (1997), p. 37.

[62] “[...] sichtbarlich geth alles ins Grosse!”, HERDER, J. G. (1997), p. 103.

[63] HERDER, J. G. (1997), p. 109.

[64] Quiçá caberia encontrar certo paralelismo a respeito da posição de KOESTLER, A. (1974), pp. 74-75.

[65] O protesto clássico contra a visão progressista convencional, que reduz o papel das gerações passadas ao de “passos” que permitem a ascensão em direção a plenitude final, é a que oferecerá em seu momento o grande historiador Leopold von Ranke: “situar a plenitude das coisas ao final dos tempos não seria uma idéia digna de divindade. O pensamento segundo o qual cada geração anterior em geral é superada pela posterior, sendo esta última a favorecida, entanto que as precedentes seriam somente as portadoras das subsequentes [die Träger der folgenden], equivaleria quase a uma injustiça divina. As gerações significariam algo somente na medida em que representariam passos [Stufen] pelos que ascendem as seguintes; resultariam assim intrumentalizadas [mediatisiert], por assim dizer. Penso antes que cada geração se encontra em uma relação imediata com Deus: seu valor reside em sua própria existência [Ich denke vielmehr: jede steht zu Gott in einem unmittelbaren Verhältnis: ihr Wert liegt in ihrer eigenen Existenz]” (RANKE, L. V. (1975), p. 260).

[66] Marcuse descobrirá essas mesmas implicações no conceito de “astúcia da razão”, que joga um papel crucial na filosofia da história hegeliana: “Os indivíduos levam umas vidas infelizes, lutam e perecem, mas, ainda que em realidade nunca alcançam seus objetivos, suas desgraças e derrotas são precisamente os meios com os que procedem a verdade e a liberdade. Os homens nunca colhem os frutos de seu trabalho; isso sempre recai sobre as gerações futuras. [...] Os indivíduos fracassam e passam; a idéia triunfa e é eterna” (MARCUSE, H. (1971), p. 229).

[67] HERDER, J. G. (1991), p. 129.

[68] MATE, R. (1991), p. 23.

[69] KANT, I. (1987), p. 8; A. Carrit, comentando essas afirmações kantianas, indica que “a história não pode ter um sentido moral se reclama [como parece aceitar Kant] tantas vítimas inocentes na consecução de sua meta” (citado por W. H. WALSH (1991), p. 157); também T. W. Adorno – precisamente a propósito da idéia de esperança em Kant – assinalará em sua Dialética negativa que nenhum processo ou êxito final mundano bastaria para fazer retrospectivamente justiça aos mortos (ADORNO, T. W. (1975), p. 385); Benjamin falará da recordação histórica como memoria passionis e se “solidariedade anamnética” com os vencidos (cf. BENJAMIN, W. (1980), pp. 702 e ss.). Em um sentido similar, Horkheimer assinalará que a deficiência insuperável de qualquer progressismo laico estriba na impossibilidade de redimir às vítimas do passado: “A saudade de justiça [...] não pode ser realizada jamais na histórica secular, pois, ainda quando uma sociedade melhor tenha superado a injustiça presente, a miséria passada não será reparada”. A saudade da justiça se converte assim nostalgia teológica (pois somente um Deus poderia consolar – em um hipotético mais além – às vítimas da história): “Teologia é [...] a esperança de que a injustiça que atravessa o mundo não seja a última, que não tenha a última palavra [...], saudade de que o carrasco não triunfe sobre a vítima inocente” (HORKHEIMER, M. (2000ª), pp. 173 e 169).

[70] Citado por MEINECKE, F. (1943), p. 341. Como indica M. Rouché, esta inquietude guarda relação com o aspecto cristão do pensamento de Herder: “Há sem dúvidas algo de cristão nessa preocupação por não sacrificar a salvação dos indivíduos e das gerações ao progresso coletivo da espécie” (ROUCHÉ, M. (1992), p. 65). Também M. Horkheimer censurará a pensadores como Hegel ou Marx o sacrifício da “criatura isolada” no altar da razão, do progresso, ou da sociedade sem classes: “Nós, pelo contrário, não passamos com esse gesto de autosegurança sobre a morte da criatura, tão insignificante para pensadores de tanto peso” (HORKHEIMER, M. (2000b), p. 224).

[71] HERDER, J. G. (1959), pp. 263-264.

[72] Comenta a respeito J. L. Villacanhas: “Herder [...] faz da história universal, que recorre ao tempo infinito, esse outro rosto ou modo infinito de Deus. Mas para isso, nenhuma parte da história teria que brilhar em virtude das demais, somente como um meio para ela. Têm que brilhar todas para que brilhe o todo” (VILLACANHAS, J. L. (1994), p. 63).

[73] BERLIN, I. (2000ª), p. 245.

[74] HERDER, J. G. (1997), p. 38.

[75] HEGEL, G. W. F. (1969), pp. 112-115.

[76] Assim entende também H. D. Irmscher: “[para Herder] a felicidade e a plenitude não se aglomeram, portanto, ao final do desenvolvimento histórico, como pensavam Iselin e outros filósofos da história de seu tempo, senão que estão já no indivíduo [histórico], são alcançadas em cada ponto daquele desenvolvimento” (IRMSCHER, H. D. (1997), p. 148). A perfeição ou consumação não está “no final” da história, senão que está como dividida ao longo de todos os momentos; cada etapa é “perfeita” a sua maneira.

[77] E. Cassier sintetiza com sua clarividência habitual esta inspiração “democrática” da visão herderiana da história: “[Para Herder], assim como o conteúdo da vida da criança não pode se medir com o do homem adulto ou ancião, senão que possui em si mesmo, como a própria criança, o centro de seu ser e de seu valor, assim acontece também com a vida histórica dos povos. A idéia da “perfeitabilidade” intelectual e moral sem cessar progressiva do gênero humano não é outra coisa que uma pretensiosa ficção em que se apóia a época que é em cada caso a última para crer-se autorizada desdenhosamente a todas as fases anteriores de cultura como as épocas já superadas e caducas”. (CASSIRER, E. (1974) pp. 270-271).

[78] Vid. Nota 72. Ranke formula teses similares em Idéia da história universal: “A historiografia reconhece um infinito [ein Uendliches] em cada situação, em cada ser histórico; [em cada um há] algo eterno procedente de Deus, e que constitui seu princípio vital” (RANKE, L. V. (1975), p. 77). Compara-se a essa passagem de Herder: “O fim de uma coisa que não seja somente um meio deve estar nela mesma. Se [...] tivéssemos sido criados com o fim de ter com afã sempre renovado inútil a um ponto de perfeição que não é extrínseco e para sempre inalcançável, deveríamos sentir lástima não somente de nós mesmos em qualidade de máquinas cegas, senão até de ser que nos condenou a semelhante destino de Tântalo [...]” (HERDER, J. G. (1959), p. 490).

[79] “A natureza conseguiu seu fim perseguido em todas as partes, ou não obteve em nenhuma”, HERDER, J. G. (1959), p. 239.

[80] Comenta a respeito disso J. Simon: “A racionalidade da história não é [em Herder] uma racionalidade abrangente da história considerada como um todo [eine umfassende Rationalität der Geschichte als eines Ganzen], senão uma racionalidade particularista, própria dos indivíduos históricos” (SIMON, J. (1987), p. 4). Em um sentido parecido J. Heise: “Herder sustenta que a historicidade da história se manifesta como individualidade” (HEISE, J. (1998), p. 68), assim como Cassirer: “A visão herderiana da história [...] se funda sobre o novo entendimento da autolegalidade [Selbstgesetzlichkeit] e o valor próprio de todo individual” (CASSIRER, E. (1994), p. 116).

[81] HERDER, J. G. (1997), p. 84.

[82] “O sistema do mundo e dos valores não culmina já [no pensamento de Herder] em um somente vértice supremo, ao qual permanece referido todo o demais, e em virtude do qual está aí [todo o demais], senão que se manifesta como um entrecruzamento de forças e tendências [ein Ineinander von Kräften und Tendenzen], cada uma das quais possuem por si mesmo um direito ao ser e ao desenvolvimento” (CASSIRER, E. (1994), p. 115). Também I. Berlin descobre em Herder uma sorte de “proibição da instrumentalização” (que compara à formulação kantiana do imperativo categórico: “[Para Herder] uma cultura nunca é simplesmente meio para o surgimento de outra [...]; cada um dos estágios é um fim em si mesmo: os homens nunca são fins para algo que se situe mais além deles mesmos” (BERLIN, I. (2000a), pp. 241-242).

[83] ROUCHÉ, M., op. Cit., p. 74.

[84] DUNS ESCOTO, J., Opus exoniense, II, d. 1, qu. 2.

[85] HERDER, J. G., Auch eine Philosophie…, cit., p. 186.

[86] A possível inspiração leibniziana da concepção dos povos como “indivíduos absolutos” em Herder foi apontada por L. Dumont: “[Para Herder] cada cultura ou sociedade expressa a sua maneira o universal, como cada uma das mônadas de Leibniz” (DUMONT, L. (1983), p. 224) e por M. Serres (cf. SERRES, M. (1968), pp. 263-279); em realidade, a conexão Leibniz-Herder já havia sido percebida por Cassirer, quem notou que a “metafísica da história” de Herder “pode enlaçar-se Leibniz e recorrer seus conceitos fundamentais” (CASSIRER, E. (1993), p. 257). A individualidade vem a ser a chave tanto da metafísica de Leibniz quanto da filosofia da história de Herder. A importância de Leibniz estribaria em haver proposto uma concepção do mundo baseada na reivindicação do singular-irrepetível frente ao geral-universal: “[...] A teoria de Leibniz [...] é a primeira que conquista para o individual um direito inalienável. Já não funciona somente como caso e exemplo, senão que expressa algo essencial e valioso em si mesmo; pois não é somente uma parte ou fragmento do universo, senão este universo mesmo visto desde um determinado lugar e com um determinado ponto de vista.” (CASSIRER, E. (1993), p. 49). Sobre a relação entre Leibniz e Herder, cf. também CASSIRER, E. (1994), pp. 115 e ss., assim como STEPHAN, H. (1906), p. VIII e ROUCHÉ, M. (1992), p. 103.

[87] Na opinião de Cassirer, as diversas atmosferas culturais – e isso inclui desde culturas completas, como o antigo Egito, até microcosmos literários, como o mundo de Shakespeare – são tratadas por Herder como “mônadas”,, pois cada uma possui valor intrínseco e somente pode ser julgada desde seus próprios critérios (CASSIRER, E. (1994), p. 123).

[88] A mônada ou substância pode ser definida como “um ser capaz de ação” (LEIBNIZ, G. W., Os princípios da natureza e da graça, 1).

[89] “Não há meio de explicar como uma mônada pudera ser alterada, ou mudada em seu interior por alguma outra criatura [...]. As mônadas não têm janelas, pelas quais alguma coisa possa entrar ou sair delas” (LEIBNIZ, G. W. (1984), p. 27). “[...] As mudanças das mônadas vêm de um princípio interno, posto que uma causa externa não possa influir em seu interior” (LEIBNIZ, G. W. (1984), p. 29).

[90] LEIBNIZ, G. W. (1981), p. 34; em Monadologia encontramos afirmações similares: “[...] cada substância simples têm relações que expressam todas as demais, e é, por conseguinte, um espelho vivente e perpétuo do universo” (Monadologia, 56, cit., p. 46); “[...] cada mônada criada representa o universo inteiro” (LEIBNIZ, G. W. (1984), p. 49).

[91] LEIBNIZ, G. W. (1981), p. 46.

[92] “E como uma mesma cidade contemplada desde diferentes lugares parece diferente por completo e se multiplica segundo as perspectivas, ocorre igualmente que, devido a multiplicidade infinita de substâncias simples, há como outros tantos diferentes universos, que não são, contudo, senão as perspectivas de um só, segundo os diferentes pontos de vista de cada mônada” (LEIBNIZ, G. W. (1984), p. 46).

[93] LEIBNIZ, G. W. (1984), p. 48.

[94] Como indica Cassirer, a transposição operada por Herder na concepção leibniziana estriba em que a singularidade [Eigenheit], a qualidade de sujeito irrepetível e infinitamente valioso que reflete em si a totalidade, já não é predicada de um espírito individual (a mônada), senão de uma sorte de espírito coletivo (o povo, a cultura): “A filosofia da história de Herder se remete às categorias leibnizianas de individualidade e totalidade; mas nessas categorias se expressa um novo conteúdo. [...] em Herder [...] a singularidade [Eigenheit] não é um atributo vinculado à individualidade [Einzelheit], senão que se dá em toda cultura autônoma, em cada totalidade cerrada de inclinações e costumes, em cada determinação originária de um povo e de sua linguagem” (CASSIRER, E. (1994), pp. 120-121).

[95] A idéia herderiana segundo a qual cada cultura representa uma perspectiva insubstituível sobre o mundo reaparecerá mais tarde em Dilthey: “as unidades que atuam umas sobre outras no complexo da história [...] são indivíduos, totalidades [...], cada uma das quais é distinta de qualquer outra, cada uma das quais é um mundo. E o mundo não existe em nenhuma parte mais que na representação de um desses indivíduos” (DILTHEY, W. (1986), p. 74).

[96] HERDER, J. G. (1959), p. 239. Comenta Schneider: “[Para Herder] forma parte dos desígnios da Providência a promoção [...] de uma pletora de fenômenos multiformes (e, entre eles, de povos e nações), tão rica quanto seja possível” (SCHNEIDER, J. (1996), pp. 217-218).

[97] M. Heinz o interpreta também assim: “Os povos são entendidos por Herder como coletivos históricos unidos pela tradição e pelo idioma comum, aos que se confere o status de quase-indivíduos” (HEINZ, M. (1996), p. 141).

[98] HERDER, J. G. (1997), p. 32.

[99] Como nota Rouché, Herder antecipa o culto romântico da originalidade: “Herder tem o mesmo ideal de originalidade que Sturm und Drang, com a condição de que se trata, em seu caso, de uma originalidade coletiva, nacional, e não simplesmente individual” (ROUCHÉ, M. (1992), p. 68).

[100] Tomo o dado de ORTEGA y GASSET, L. (1960), p. 174.

[101] Assim o faz notar J. G. Pichler: “[...]Para Herder não é o indivíduo senão o grupo a unidade mínima da sociedade [die Kleinste Einheit von Menschheit]” (PICHLER, J. G. (2001), p. 1).

[102] Irmscher documentou a paternidade herderiana da expressão Volkslied (canto popular), que parece haver sido sugerida pela expressão inglesa popular song, utilizada por Thomas Percy em Reliques of Ancient English Poetry (1765), uma obra conhecida e admirada por Herder. O conceito de Volkslied conota para Herder algo mais que a gênese popular-coletiva do canto ou poema de que se trate: implica também a “necessidade de conteúdo (Nothdrang des Inhalts)”, que não obedece à inspiração inconstante de um poeta individual, senão que flui necessariamente da alma nacional. Cf., a respeito IRMSCHER, H. D. (1994), p. 175. Sesse mesmo sentido, J. Grimm chegará a afirmar que o canto popular “se compõe a si mesmo”: germina e cresce espontaneamente, de modo semelhante a uma planta (sobre a concepção da arte popular no pré-romantismo e romantismo alemães cf., entre outros muitos, SEBRELI, J. J. (1992), pp. 175 e ss.).

[103] Se trata de uma passagem em que, precisamente, Goethe reconhece que começou a se interessar pela poesia popular e pelos “mias antigos documentos [poéticos] da humanidade” sob a influência de Herder, quando ambos conviveram no Alasca, e que chegou assim à convicção de que a empresa poética haveria de ser coletiva (GOETHE, J. W. (1970), p. 340). Goethe se refere à poesia como “um dom do mundo e dos povos [eine Welt-und Völkergabe]”; poderíamos entender que se pretende dizer que a capacidade lírica se manifesta em todos os povos do mundo, em um sentido similar ao de Lessing, quando nota em uma de suas Cartas sobre a literatura recente (1759) que “em todas as latitudes nascem poetas, e os sentimentos animados não são um monopólio dos povos cultos [lebhafte Empfindungen kein Vorrecht gesitetter Völker sind]” (LESSING, G. E. (1992), p. 178).

[104] A idealização do “primitivo” (que se contrapõe ao decadente refinamento do “civilizado”) não é, naturalmente, uma característica exclusiva de Herder: o encontramos já antes, entre outros, em Rousseau, e voltaremos a encontrar em Carlyle, Nietzsche, Spengler, D. H. Lawrence...

[105] “[...] quanto mais selvagem, isto é, quanto mais vivo, mais livre é um povo, [...] mais selvagens, quer dizer, mais vivos, mais sensuais, mais líricos devem ser também seus cantos [...]! Quanto mais longe da forma artificial, científica de pensamento, linguagem e letras [Lettermart] está o povo, menos estarão feitos para o papel seus cantos, menos consistirão em versos mortos [feitos] de letras [...]” (HERDER, J. G. (1994ª), pp. 12-13).

[106] A ocorrência é em realidade J. G. Hamann: “Poesie ist die Muttersprache des menschlichen Geschlechts” (HAMANN, J. G., Aesthetica in nuce, 1759). Herder recolhe e desenvolve em seu Ensaio sobre a origem da linguagem.

[107] Cf., HERDER, J. G. (1985), pp. 108 e ss.

[108] HERDER, J. G. (1994a), p. 13.

[109] HERDER, J. G. (1994a), p. 36.

[110] “Com maior clareza do que qualquer outro escritor, [Herder] captou a importância crucial da função social da “associação” e chamou atenção sobre ela – sobre o que significa pertencer a um grupo, a uma cultural, a um movimento, a uma forma de vida. Foi sua realização mais original. [...] Para Herder, ser membro de um grupo significa pensar e atuar de uma maneira concreta, à luz de metas, valores, e representações particulares do mundo [...]” (BERLIN, I. (2000ª), pp. 247-248). Não se trataria simplesmente da superação do conhecido “individualismo abstrato”, supostamente característico do Iluminismo; Herder, em ocasiões, parece propor um indivíduo, não já condicionado ou influenciado por seu contexto comunitário, senão absolutamente “dissolvido” nele; a presença comunitária informaria todos os aspectos de sua identidade. Assim o faz notar L. Dumont: “Em lugar de um indivíduo abstrato, representante da espécie humana, portador de razão, mas despojado de suas particularidades, o homem de Herder é o que é, em todos seus modos de ser, pensar e atuar, em virtude da associação a uma comunidade cultural determinada” (DUMONT, L. (1983), p. 138). Por sua parte, M. Heinz vê em Herder um claro precursor da moderna antropologia cultural, ao ter entendido que a verdadeira “natureza” do homem é a cultura: “o homem é [para Herder] sobretudo um membro de uma determinada cultura, pela qual é modelado e impregnado de certa forma. Não está, portanto, fora de lugar vindicar a Herder como precursor de Levi-Strauss: Herder abandona a concepção normativa da cultura característica do Iluminismo em favor de uma concepção segundo a qual a cultura determina a natureza do homem como tal” (HEINZ, M. (1996), p. 141).

[111] E. Gellner viu em Herder o fundador do “coletivismo romântico”, que haveria surgido como reação ao individualismo de Descartes, Hume ou Kant; para Herder, segundo Gellner, “a vida intelectual e moral se desenvolvia em equipe, se produzia sobre a base de coletividades inteiras em marcha [...], a vida intelectual unicamente poderia desenvolver-se em virtude de uma série de idéias e práticas compartilhadas e conservadas por uma comunidade; tais idéias e práticas não eram excogitadas por espíritos individuais isolados” (GELLNER, E. (1997), p. 257).

[112] “Herder sustenta que para ser plenamente humano, quer dizer, plenamente criativo, se deve pertencer a uma região concreta, a alguma corrente da história ou a um grupo determinado [...]” (BERLIN, I. (2000ª), p. 251).

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