27/04/2017

Aleksandr Dugin - Marine Le Pen vs Macron: Povo vs Sistema

por Aleksandr Dugin



No segundo turno das eleições presidenciais na França, Marine Le Pen e Emmanuel Macron se enfrentarão.

Esta é uma situação muito interessante.

Em primeiro lugar, como no caso de uma votação nas eleições presidenciais dos EUA, observamos uma divisão estrita de todo o eleitorado - mais amplamente, de toda a sociedade francesa em duas partes:

1) o povo e 2) as elites políticas globalistas que influenciaram uma parte da sociedade francesa e conseguiram enganá-la.

O segundo turno ocorrerá inequivocamente como a batalha do povo da França contra as elites alienadas. Máscaras foram descartadas: o candidato do Povo (Marine Le Pen) contra o candidato do Sistema (Macron).

Marine Le Pen é uma figura política. Macron é um microchip do sistema (seu nome francês é "Micron").

Dois outros candidatos poderosos - Fillon e Mélenchon - perderam a disputa. O candidato de direita Fillon, que foi severamente atacado pelo Sistema desde o início da corrida por causa de suas declarações amigáveis ​​sobre a Rússia, curvou-se às elites a respeito da Rússia e começou a se expressar mais vagamente. E ainda assim ele perdeu.

Marine Le Pen foi a Moscou, encontrou-se com Putin e não ficou com medo. E ela ganhou. Portanto, ela é hoje o líder indiscutível de todas as forças conservadoras francesas. Os esforços para demonizá-la falharam, e seu avanço no segundo turno é uma vitória colossal. Nossa vitória. Agora, todos os adversários do «Pântano Mundial» têm um símbolo - a nova Joana d'Arc da política europeia.

O populista de esquerda, Mélenchon, não conseguiu entrar no segundo turno. ALiás ele estava conduzindo a campanha eleitoral com bastante sucesso. Este maçom hereditário, por um lado, assustou seus irmãos no sofá com suas críticas esquerdistas à União Européia e apelos diretos às massas, que já estão francamente odiando as elites globalistas. Mas, por outro lado, ele assustou os franceses mentalmente sãos exaustos com a migração descontrolada e com o politicamente correto Mélenchon cuspiu na cara do francês nativo, permitindo-se declarações racistas (anti-brancas), e foi rejeitado.

Portanto, no segundo turno não haverá uma luta de representante do populismo de direita e do representante do populismo de esquerda como poderia acontecer se Mélenchon tivesse se saído melhor do que Macron (que era estritamente nulo). Temos outro cenário: haverá um choque entre Marine Le Pen como uma candidata do Povo (representando ambos os lados do populismo - direita e esquerda) e Macron - candidato puro do Sistema. O Sistema se torna cada vez mais manifestamente contra o Povo de forma cada vez mais explícita. Isso significa que parte do eleitorado anti-Sistema de Mélenchon, assim como parte do eleitorado conservador de Fillon, virá a Marine Le Pen. Isso nem mesmo dependerá de por quem Fillon e Mélenchon convidem seus seguidores a votar. Fillon já covardemente chamou para votar contra Marine.

Mas o Povo é guiado por outra forma de raciocínio. E suas simpatias em todo o espectro - do populismo (direita e esquerda) ao conservadorismo - hoje pertence a Marine Le Pen, um candidato da Frente Nacional.

Entre o primeiro e o segundo turnos surpresas graves podem ocorrer, já que o sistema está mortalmente assustado. Podemos esperar provocações de extremistas "anti-fascistas" do exército de George Soros ou novos ataques terroristas de islamistas. Mas o mais importante já está claramente indicado: a Europa está profundamente dividida.

Há uma Europa dos Povos e a Europa do Sistema e eles entram em uma batalha radical uns com os outros. O Sistema é o que chamamos de «grande capital», «globalismo», «liberalismo de esquerda», «transnacionalismo», «política de gênero» e «incentivo à migração descontrolada». O Povo diz a isso seu decisivo "NÃO". O Povo escolhe ordem, identidade e valores tradicionais.

O nome da França hoje é Marine Le Pen. Macron é um biorobô do Sistema, um cyborg sem sentido da Matrix. Os vivos estão lutando contra os mortos e o campo de batalha é a França.

26/04/2017

Alain Soral - Que Alternativa ao Mundo Burguês?

por Alain Soral



Discurso dado em Villepreux, 8/9/2007

Burguês. No passado, até o fim dos anos 70, a palavra "burguês" era considerada um insulto, tanto pelo proletário quanto pelo artista ou aristocrata decadente. Hoje ela desapareceu do vocabulário, para o benefício dos ricos, da alta-roda, provando assim que o dinheiro, e os valores que o acompanham, não é mais vergonhoso ou suspeito. Nem vergonhoso ou suspeito para as velhas elites de Gotha, que podem rivalizar em vulgaridade os "bem de vida" do showbiz da revista Gala. Nem vergonhoso ou suspeito para as classes populares que sonham elas mesmas com um sucesso individual meteórico raspando seu bilhete de loteria e assistindo "Saga", "Nouvelle Star". Nem vergonhoso ou suspeito para o lumpemproletariado imigrante que só sonha com tecidos, carros customizados e gostosas. O velho dinheiro, as pobres classes médias, os novos pobres, entre todos eles, em todo lugar, as ideologias liberais triunfaram, é primeiramente sobre isso que falamos quando falamos no burguês...

Primeira Parte: O que é o Mundo Burguês?

Uma comunidade humana, uma classe social tornada global com sua tomada de poder na Terra, e espíritos que se tornaram um só com a história do liberalismo. Para compreender a burguesia, o que ela é, como podemos reconhecê-la e atacá-la, nós primeiro precisamos entender a narrativa liberal, sua ascensão, seu domínio, suas mentiras, suas contradições, sua decadência.

O mundo burguês-liberal está baseado em dois pilares, um espiritual, o outro material, como toda sociedade, todo grupo humano. Saber qual é inferior ao outro (o que distingue a tese idealista e a tese materialista) é menos importante do que compreender que um não existe sem o outro, como a cabeça e as pernas. Assim, estes dois pilares são: individualismo, inaugurado e teorizado pelo cogito de Descartes ("Penso, logo existo"), uma afirmação/emancipação em relação ao velho mundo onde comunidade e fatum vinham primeiro, que contém as sementes de toda liberdade e arrogância do homem moderno.

O Mercado, que nesse mundo se originando do homem individual livre e pensando, se tornou este "nous" que a partir de então governa as relações entre homens-indivíduos em um mundo no qual Deus está em silêncio.

O duplo advento da racionalidade das ciências naturais contra a ordem divina e do interesse individual quantificável como motivo de ação criou um mundo baseado na Razão, o indivíduo livre em direitos senão de fato, e definiu claramente o interesse individual na era burguesa. Um homem livre, consciente de seus direitos, e buscando seu interesse individual bem definido define o "liberal" ascendente. A figura mais perfeita da ascendência liberal na França foi e permanece o irônico Voltaire.

A figura do homem honesto duplamente especulativo... Especulativo no esquema espiritual: o cogito de Descartes vem do dubito: dubito ergo sum res cogitens. Também especulativo no esquema dos negócios, este homem honesto também era um traficante de armas e comerciante de escravos, um liberal no sentido anglossaxão e thatcherita do termo.

Esquerda e Direita Burguesas

Belas ideias universais e abstratas tornadas possíveis pelas possibilidades materiais menos belas. O livre pensador e o  burguês, é aí que está o problema... e é a razão pela qual "liberal" significa tanto "homem de espírito aberto", mas também "empresário calculista" em nossa imaginação contemporânea, homem de direita como homem de esquerda, porque a epistemologia racionalista liberal vem tanto de "Os Direitos do Homem" de um Rousseau como do egoísmo transgressivo de um Marquês de Sade. Marquês de Sade que jamais fez qualquer coisa além de empurrar o amoralismo intrínseco do pensamento liberal a suas conclusões últimas através da provocação literária.

O Épico Liberal: Combate de Direita/Esquerda

Essa dualidade inerente à concepção do homem na razão liberal, por trás da qual se encontra o homem do Mercado. O próprio mercado considerado como o único laço social racional (tão natural) entre os homens, que de repente se tornam Homo economicus.

Essa dualidade constituiria, em conjunto, a epopéia coletiva da burguesia, segundo o desenvolvimento de suas contradições, e determinaria a história da esquerda burguesa e da direita burguesa, a luta da direita econômica liberal contra a esquerda "humanista" dentro daquele pequeno teatro burguês chamado "debate democrático".

Esta dualidade problemática constituiria também a "sensibilidade burguesa", a história de sua sensibilidade cultural que podemos qualificar como "consciência dolorosa", na verdade a consciência dolorosa dessa contradição perfeitamente expressa e realizada nesta nova categoria artística que é consubstancial a ela: a história do romance burguês.

Ascendência, Ideias, os Iluminadores

Mas se a ética burguesa da liberdade e da igualdade formal, fundada no direito natural e na Razão, permitiu a ascensão da burguesia e sua sedução sobre o mundo das idéias pela ideologia do Iluminismo e, finalmente, sua tomada do poder do Antigo Regime de destino e direito divino... Foi o lucro burguês, o seu domínio pelo dinheiro, que tornava-o cada vez mais a classe mais poderosa, a ponto de gradualmente passar da sua ética humanista, como exacerbação insustentável de suas contradições. Uma ética burguesa logo reduzida a uma retórica tão dessecada quanto o escolasticismo do Antigo Regime poderia ser, mantendo menos um humanismo racionalista do que o cientificismo... O progresso científico tinha a grande vantagem de testemunhar a superioridade do espírito burguês por uma prova concreta de sua dominação sobre a Natureza, mas sobretudo através da constituição, através do progresso tecnológico, de uma das chaves do volume de negócios e do crescimento do lucro. Assim, progressivamente, a classe social da "dúvida criativa" e da igualdade jurídica tornou-se a classe da expansão técnica impulsionada pela atração do lucro. A valorização do Capital, que é outro nome para o Mercado, e seu corolário, a democracia do Mercado, tornou-se a nova religião dos filisteus que, após dois séculos completos de poder pleno, acabam lamentando a velha ordem e a nobreza do Antigo Regime! Mas essa epopeia burguesa, ainda que triunfante, não foi bem sucedida, esses confrontos foram apenas a prova e, inclusive, a encarnação de suas contradições morais e práticas.

O Proletariado, Prova da Mentira Burguesa

Mas se a classe burguesa ultrapassou a aristocracia do Antigo Regime, também criou o proletariado e sua miséria de trabalho, a prova da História e a realidade concreta de que, por trás do empreendedor, criador de riqueza, empregos e progresso pela valorização capitalista da tecnologia, está o especulador, criador da exploração e das desigualdades... A história da luta, por suas vítimas, contra essa violência constitui também a história do movimento operário. Daí o marxismo... A miséria material e moral da classe operária, em flagrante contradição com as promessas do Iluminismo e sua ideologia econômica da "mão invisível", que supostamente traria o bem-estar coletivo através do egoísmo individual, que está, não se esqueçam, na origem da crítica marxista enquanto projeto comunista, uma ideologia de combate criticando, em turno, a classe dominante, como a burguesia ascendente fizera com a nobreza, a esquerda reformista, a esquerda radical... a ideologia que recusa a mentira do igualitarismo formal como destino divino, cuja estratégia em si era dupla: ou o sindicalismo do compromisso, ou o sindicalismo revolucionário. Por um lado uma esquerda científica, positivista, tentando superar a burguesia, mas preservando suas conquistas. Por outro lado, uma esquerda mais romântica, mais radical, convencida de que a ética e a epistemologia são uma só coisa, e para escapar a uma, devemos também questionar a outra... Uma esquerda radicalmente anti-burguesa, contrária ao compromisso social-democrático (para a qual problema se limita à elevação do poder de compra) que tentou, sem jamais alcançá-lo, superar a era burguesa-liberal, tanto no plano epistemológico quanto no ético, através da ideologia do "homem novo" que levará ao mais forte comunismo, recorrendo em parte aos valores do velho mundo, como a valorização da família com Proudhon, o heroísmo ascético greco-romano querido por Sorel, mesmo que isso significasse fazer alianças táticas com forças anti-burguesas vindas do Antigo Regime e das idéias da direita...

Outras Alternativas Tentadas ao Mundo Burguês

A epopeia marxista-leninista, a mais importante na sua duração e ambição: a criação de um novo homem e de uma sociedade sem classes, não deve ocultar que houve outras tentativas de escapar à dominação liberal-burguesa, à sua lógica puramente capitalista, a qual, após a derrota do sovietismo e do triunfo da esquerda social-democrata, significa apenas a satisfação do consumidor pelo constante aumento do poder de compra permitido pelo crescimento...

Idealização do Passado, Exotismo ...

O romantismo era o vôo poético individual ao passado mitologizado através da idealização da Idade Média. Um vôo igualmente individual, não no tempo, mas no espaço, através do exotismo, consistia em fugir do mundo burguês ocidental para ir viver noutras sociedades, muitas vezes mais tradicionais, a sociedade de castas na Índia, a sociedade tribal na África... Uma abordagem de ruptura [com a sociedade burguesa] através da fuga que estava na origem, não se esqueçam, do movimento hippie. Mesmo que essa tentativa tenha sido finalmente transformada pelo mercado, por sua vez.

Fascismo, nazismo ...

Ambas as formas de idealização do passado não devem ser confundidas com as experiências mescladas, semi-reacionárias e semi-futuristas do fascismo e do nazismo. Experiências sociais e políticas que buscavam reter a tecnologia burguesa, mas a serviço de uma ética tirada do período pré-burguês, das antíteses do Iluminismo... A tentativa nazista e fascista misturou racionalismo tecnológico e irracionalismo ético, e também falhou. E a esquerda, para manter sua liderança moral, muitas vezes finge confundi-los com essas construções muito sutis do espírito que eram as ideologias da "terceira via". Estes projectos da revolução conservadora que colocam seriamente a questão dos limites progressivos à ideologia do progresso na Rússia, na Alemanha e na França.

Terceira Via: Círculo Proudhon

Uma tentativa na terceira via foi realizada nas margens do Círculo Proudhon, na França, onde teve lugar um diálogo entre monarquistas nacionalistas e sindicalistas anti-reformistas, onde homens de boa vontade uniram-se para além das suas origens nos mesmos valores de nobreza de coração, honra, combate e amor ao país, tentaram formar uma improvável união sagrada anti-burguesa. Uma sagrada união de homens de boa vontade a que o sistema respondeu com uma bandeira acenando união sagrada contra os alemães.

Alemães Ontem, Árabes Hoje ...

Como no passado, hoje o mesmo sistema tenta impedir a união sagrada das vítimas do Mercado: pequenos empresários, artesãos, empregados, proletários de todas as origens, por uma união sagrada contra os árabes. Ódio por esses norte-africanos que esses mesmos burgueses no poder trouxeram para nossa terra em grande número.

A Armadilha do Choque de Civilizações...

Apesar dos fracassos das tentativas cruzadas anteriores, penso que ainda é responsabilidade desta "terceira via", esta união sagrada ampla e subversiva, vilipendiada tanto pela direita liberal quanto pela esquerda trotskista, no pólo oposto da teoria de hoje do "choque das civilizações", encontrar para si a salvação da França e uma alternativa ao mundo burguês. Uma alternativa a este mundo burguês hoje plenamente incorporado pelo imperium americano, seus valores tribais e não-igualitários por trás dos quais se esconde o desejo do capitalismo financeiro globalista pela onipotência oculta o destruidor de espiritualidade, das culturas, das diferenças de identidade. Um espírito mercantil generalizado essencialmente judaico-anglossaxão, longe dos nossos valores helênico-cristãos, celtas, galo-romanos e do nosso destino euro-mediterrâneo.

Sobre o Totalitarismo Mercantil

Depois do fracasso, muitas vezes no sangue e no fogo, de todos os regimes que o opuseram, devemos muito bem admitir que a democracia do Mercado, onde a democracia é de fato apenas o meio do Mercado, só marcou pontos e estendeu-se desde os anos 80. Ela se estendeu de onde nasceu, na Europa Ocidental, a todos os domínios da vida, incluindo os do espírito, pela comercialização íntima do corpo, da cultura, da medicina e até mesmo da religião, também reduzida à lei liberal dos Direitos Humanos, longe de qualquer transcendência. Democracia de mercado que só marca pontos e se estende geograficamente: para a índia, para a China, só a África escapa dela através da miséria. E que se revela, de fato, como o único totalitarismo verdadeiro, contrariamente à ingenuidade de Hannah Arendt.

Parte Dois: O que deve ser feito?

Então o que deve ser feito? Sem retornar às experiências passadas, procuramos ver, hoje, aqui, através da realidade e das forças atuais, quais são as alternativas possíveis ao mundo burguês, a esse mercado em direção ao totalitarismo mercantilista que nunca pára de se transmutar para se reforçar e sobreviver .

Do Moralismo à Pornografia

Empurrada pela lei do lucro, forçada a encontrar novos mercados, a burguesia, para permanecer mestre do jogo, não deixa de mudar, mudando até negar os valores que lhe permitiram impor-se. Empreendedora e parcimoniosa no período da descolagem, ela funciona hoje, ao contrário, como o oposto do moralismo burguês do século XIX, demonstrando o primeiro princípio, o princípio maior do mundo burguês, pelo qual é capaz de sacrificar todos os outros, o sagrado lucro.

Do Liberalismo Libertário ao Liberalismo da Segurança

Um liberalismo que era puritano tornou-se libertário, depois e graças ao Maio 68, que então evoluiu e se transformou desde a eleição de Sarkozy em um liberalismo de segurança. O liberalismo da segurança, ou seja, um regime liberal para a burguesia globalista e todos os que favorecem o enfraquecimento da Nação, mas um regime de segurança, não para delinquentes ou imigrantes ilegais que criam problemas para o povo, mas para os trabalhadores e as classes médias que podem querer se revoltar contra a elite liberal. Um regime de segurança liberal que também podemos definir, longe de estar fora de ordem, como um liberalismo libertário que, sentindo-se ultrapassado, finge resolver os problemas que ele mesmo criou e continua a agravar por duas ou três leis fajutas que sempre penalizam o pequeno burguês e os brancos de classe baixa. Um regime de segurança para com os trabalhadores, sem sequer tocar, na realidade, na delinqüência do lumpemproletariado ou nos predadores de elite. Uma sociedade de segurança liberal que também podemos qualificar como a "sociedade do consumo policiado", tanto permissiva para o consumidor semi-idiota quanto repressiva para o cidadão produtivo, no modelo americano.

O Mundo Anglossaxão...contra a Europa e a França

Este totalitarismo que devemos resistir, apesar da desproporção das forças atuais, nos chega, repito, do mundo anglo-saxão. Hoje incorporado pelo império americano, como foi pelo império britânico no último século, esse poder, essencialmente judaico-protestante, não-igualitário e talassocrático, demonstrou sempre a hostilidade em relação à França católica e cristã, em relação ao seu destino euro-mediterrânico, e sempre ofereceu, em parceria, apenas uma relação de sujeição. Uma submissão que infelizmente é frequentemente realizada com a cumplicidade das elites francesas, seja Philippe Égalité durante a Revolução Francesa, Pascal Lamy através da Comunidade Europeia e, claro, um certo Presidente Sarkozy hoje.

O Ultraliberalismo Místico dos Neo-Conservadores

Um liberalismo brutal, que voltou as costas à moralidade do Iluminismo, e que, já incapaz de justificar seus abusos dominadores e militaristas através da Razão, encontra refúgio hoje no misticismo, o Deus dos escolhidos no Antigo Testamento. Um ultraliberalismo místico que tenta, desde o dia 11 de setembro, nos conduzir a um pseudo "conflito de civilizações", que tenta, especialmente para nós, opor-se à Europa em favor de um Ocidente que é apenas o falso nome da dominação anglossaxã americana, a fim de evitar uma Europa de povos e nações que seja do nosso interesse.

Escapar da Dominação Anglossaxônica, como Modelo Econômico, Cultural e Geopolítico pela Nação de 1789

Esta ofensiva recente do império anglossaxão capitalista ocorre hoje, fora dessa ideologia místico-liberal dos neoconservadores, através da globalização liberal. Uma hegemonia global do Mercado, e daqueles que o controlam, o que necessariamente acontece através da destruição de nações e notavelmente da nação francesa. Uma nação francesa comparada sistematicamente com o período beligerante e de agitação de bandeira de Barrès para liquidar de fato este modelo francês progressista, igualitário, secular e assimilacionista, que protege nossa soberania, a liberdade de consciência e os benefícios sociais do povo. Uma nação que a direita liberal, em nome da luta contra o arcaísmo, ombro a ombro com a esquerda trotskista, em nome da luta contra o nacionalismo, tenta liquidar hoje. Uma colaboração suave que sem dúvida explica a posição do pequeno carteiro de Neuilly, perto da mídia e dos tomadores de decisão liberais nativos também de Neuilly! [Nota do Tradutor: Ele está se referindo aqui a Olivier Besancenot, um político da extrema-esquerda e a Neuilly-sur-Seine, um rico subúrbio de Paris]

A Defesa da Nação Francesa ...

É por isso que, para resistir a essa sujeição imperial e ao seu totalitarismo místico-mercantil, devemos, em primeiro lugar, preservar a nação. Defender, diante das críticas da direita e da esquerda, não um nacionalismo obsoleto e vingativo, mas um novo nacionalismo, protetor dos benefícios sociais advindos do Conselho Nacional da Resistência (CNR). protetor da nossa indústria, dos nossos empregos e da nossa independência política. Um nacionalismo alternativo capaz de considerar uma cooperação saudável entre nações e povos. Um nacionalismo francês, assimilacionista mas não homogeneizante, baseado num Estado forte capaz de ditar as prioridades em matéria econômica para proteger a nossa indústria, os salários base, as pequenas e médias empresas. Um Estado forte também equipado com uma visão estratégica conforme aos nossos interesses nacionais. Interesses que evidentemente não estão sujeitos a um império anglossaxão, do qual sempre desconfiamos no esquema de valores, e que sempre jogou contra nós para enfraquecer nosso brilho: seja no tempo da pérfida Albion no Canadá e na Índia, Ou mais recentemente, com os Estados Unidos, quando reconhecemos o jogo perverso que eles jogaram na Indochina, na Argélia.

Uma União Sagrada de Não Alinhados: Chavez, Putin, Nasrallah ...

Em suma, defender uma França social e não alinhada. Para isso, trabalhar em parceria com todos os regimes que resistem à "Nova Ordem Mundial", da Venezuela de Chávez à Rússia de Putin. Sem esquecer o prestígio e o lugar que ainda é nosso no Mediterrâneo, onde ainda falam francês e onde respeitam o passado da França, apesar do seu governo hoje, no Magreb, no Líbano. Uma união sagrada de todas as sociedades que se colocam ao lado de um certo heroísmo, de uma certa poesia de existência em relação aos tempos, à utilidade, ao cálculo. O mundo eslavo, o mundo árabe, que não são diferentes, para nós, da visão do nosso catolicismo da Idade Média ou do socialismo romantizado por Sorel e Proudhon.

Reacionários e Progressistas Contra os Liberais

Considerando o fracasso do socialismo soviético rejeitado pelos povos e do reformismo social-democrata, inteiramente submisso à ditadura do capital, eu diria, para concluir, que a única alternativa possível ao mundo burguês só pode ocorrer através da sagrada união dos reacionários e progressistas. Uma união de reacionários, sejam monarquistas, católicos, helenistas, muçulmanos, mas todos ligados a uma certa ordem clássica, com os progressistas, todos inimigos do mundo burguês, provenham do PCF de Marchais, do Partido dos Trabalhadores de hoje, da resistência sérvia, ou do chavismo venezuelano. Uma união de reacionários que estão muitas vezes certos e progressistas que têm sido muitas vezes ferrados, contra os liberais que dominam o mundo de hoje e que sempre dividiram para governar. Contra esse império empenhado na destruição de nossas sociedades humanas e da natureza. Contra este mundo singularmente dedicado ao culto de Mammon e cada vez mais causando problemas de superprodução, poluição, desigualdades, que levam a catástrofe. Que projeto, que esperança?

Que Projeto, Que Esperança?

Claro, não o grande dia da revolução amanhã de manhã. Mas, aguardando uma relação de forças mais favorável, não suportando o peso desta ditadura globalista e mercantil de modo muito penoso, unindo-nos em solidariedade. Sem ir ao acampamento dos santos, organizamo-nos em redes, continuamos produzindo críticas necessárias e relevantes de um mundo baseado em mudança permanente. Elaborar uma doutrina de luta e resistência sem cair no escolasticismo, na nostalgia estéril, para escapar, pelo menos consciente e pessoalmente, do sistema que nos reduz à precariedade, à solidão, à depressão, quando não domina nossa mente. Em resumo, participar de um projeto coletivo, definir uma esperança, tentar ser animado e feliz apesar de tudo.

É por isso que estamos reunidos aqui!

23/04/2017

Aleksandr Dugin - A Quarta Teoria Política e o Pós-Liberalismo

Entrevista de Aleksandr Dugin para a Rádio Kuzichev



Anatoly Kuzichev: Boa noite a todos, essa é a Rádio Kuzichev. Hoje temos, na terminologia jornalística, um monotema. E vale a pena. Vale a pena dedicar todo um programa a este tema porque é um tema sério e nós, diferentemente de nossa prática habitual, não queremos simplesmente, para dizer assim, esgotar o interesse, acima de tudo porque o que permitirá nossa missão no contexto do que vamos discutir é bastante modesto. Não se confunda com a palavra "teoria" do título, porque de fato essa teoria tem relevância direta ou terá relevância direta em nossas vidas. Esta será a prática. É um paradoxo fascinante. Boa noite, Katya.

Ekaterina Arkalova: Boa noite, queridos ouvintes e espectadores. Hoje nos aguarda uma conversa muito interessante sobre como neste desafiador mundo novo de globalismo, pós-modernidade e pós-liberalismo, o futuro da Rússia pode ser preservado por meio da reconstrução das tradições. Ouça, observe e escreva para rk@tsargrad.tv. Será interessante. Temos uma hora inteira.

Kuzichev: Sim, uma hora inteira, muito obrigado. Quero apresentar nosso convidado. De fato, vamos fazer dessa maneira, com o tema primeiro: a "Quarta Teoria Política". Nosso convidado, naturalmente, é Aleksandr Dugin, o redator-chefe de Tsargrad, filósofo. Doutor Aleksandr Gelyevich, boa noite

Aleksandr Dugin: Boa noite.

Kuzichev: Não sei se é possível e se podemos, por assim dizer, equilibrar essa fina linha. Por um lado, realmente quero falar da teoria enquanto teoria, política, naturalmente. Mas, por outro lado, quero, como Katya acaba de dizer, que as pessoas que nos veem agora, que olha ao redor e trata de encontrar sinais do pós-modernismo e do neoliberalismo e que, em regra, não pode encontrá-los na vida quotidiana, leve de nossa conversa uma compreensão dos processos em curso. Podemos?

Dugin: Tentaremos.

Kuzichev: Tentaremos. Em primeiro lugar, vamos entrar em acordo sobre os termos. Se há uma quarta teoria política, então, segundo a regra filosófica da negação da negação, é óbvio que de alguma maneira esta nega as três anteriores. Assim deveríamos escutar algumas palavras sobre as teorias anteriores.

Dugin: Sim, certamente. É necessário.

De fato, se examinamos de perto os resultados políticos e ideológicos do século XX, então vemos que neste século que terminou há pouco tempo, três ideologias lutaram entre si. A primeira teoria política, que surgiu mais cedo, foi o liberalismo, cujas raízes remontam ao século XVIII, mas que adquiriu no século XX encarnação ideológica plena...

Kuzichev: Então vamos ir através dos nomes, e logo...

Dugin: Sim. Essa é a teoria política liberal, e a segunda surge como uma antítese, o comunismo e o socialismo, todas as versões da crítica esquerdista, que chamamos de teoria crítica. Esta é a ideologia de esquerda, comunista, socialista, com todos os seus matizes. A terceira teoria política é o nacionalismo em geral, ou o fascismo, que tentou proporcionar uma crítica das anteriores, o liberalismo e o comunismo. Todas essas três teorias políticas, o liberalismo, o comunismo e o fascismo, estiveram amarradas em uma luta de vida e morte no século XX. Primeiro o liberalismo e o comunismo derrotaram o fascismo juntas, logo, como sabemos, começou a Guerra Fria entre comunismo e liberalismo. Então, em 1991, o liberalismo derrotou o comunismo em escala global.

Assim, a primeira, o liberalismo, venceu a batalha entre essas três teorias. E agora vivemos com o liberalismo e tudo o mais se ajusta a essa conclusão. Se entendemos a questão e tiramos conclusões com clareza intelectual e atenção suficientes, para que nossos ouvintes e telespectadores entendam o que acabo de dizer, isso significa que chegamos à possibilidade de entender o que resta. Podemos agrupar o liberalismo, o comunismo e o fascismo como três ideologias políticas, três doutrinas políticas, e se podemos aplicar essas três teorias políticas à história do século XX, as guerras mundiais, a Guerra Fria, os acontecimentos ligados ao colapso da União Soviética em 1991 e as mudanças no sistema mundial vinculados a isso, então estamos já no umbral de compreender a necessidade de uma quarta teoria política.

Kuzichev: Então temos a primeira, a segunda e a terceira, isso é uma cronologia...

Dugin: Sim, em termos de seu aparecimento.

Kuzichev: De acordo, este é o primeiro ponto. O segundo é que você disse que a vitória condicional, de certo, não a celebro, mas são as condições e circunstâncias atuais, foi reclamada pela mais antiga, a primeira, a doutrina liberal.

Dugin: Absolutamente correto. Podemos falar de uma cronologia de seu aparecimento, assim como, em ordem inversa, de seu desaparecimento, porque o fascismo, que surgiu como a última de todas elas, foi a primeira a desaparecer. Depois, o comunismo, o segundo a aparecer, foi derrotado.

O liberalismo, que foi a primeira das teorias políticas e a modernidade que se iniciou com o capitalismo, o liberalismo, Adam Smith, o individualismo e a sociedade civil, está vivo até hoje.

Kuzichev: Ademais, como disse, ganhou, mas não uma vitória final...

Dugin: E essa é a parte mais interessante.

Kuzichev: Espera, vamos nos deter aqui. Temos outro politólogo conosco, Katya. Ekaterina, tomemos o que Aleksandr Gelyevich disse sobre a terceira, segunda e primeira teorias políticas.

Katya: Sim, a tese. É lógico designar números ordinais a essas três ideologias, e neste caso a sequência importa. A primeira teoria política, o liberalismo, proclamou os direitos e liberdades de cada pessoa como o valor mais alto e declarou que eram a base da ordem social e econômica. Assim, as oportunidades para que a igreja e o Estado influenciem na vida da sociedade estão limitadas por uma constituição. As liberdades mais importantes no liberalismo moderno são reconhecidas como a liberdade de expressão pública, a liberdade de escolha e de religião, e a liberdade de eleger os representantes em eleições transparentes e livres. O liberalismo surgiu no século XVIII e resultou ser o mais estável e, no fim, derrotou com êxito seus rivais em uma batalha histórica.

O comunismo, como o socialismo em todas as suas variedades, é chamado com razão de segunda teoria política. Apareceu mais tarde que o liberalismo como reação crítica à formação do sistema capitalista burguês cuja expressão ideológica era o liberalismo.

O comunismo propõe um sistema social e econômico baseado na igualdade social e na propriedade coletiva dos meios de produção. Na prática, este sistema nunca existiu, mas o termo "comunismo primitivo" foi utilizado para descrever o sistema da sociedade tribal pré-classes.

A terceira teoria política é o fascismo. Este é o nome generalizado dos movimentos políticos de extrema-direita, as ideologias e correspondentes formas de governo de tipo ditatorial cujos signos característicos são o nacionalismo militarista, o anticomunismo e o antiliberalismo, a xenofobia, o revanchismo, o chauvinismo, os cultos místicos ao líder, o desprezo pela democracia eleitoral, a crença no governo das elites e na hierarquia social natural, o estatismo, o racismo e o genocídio.

O fascismo surgiu depois das outras grandes teorias políticas e desapareceu antes delas. A aliança entre a primeira teoria política e a segunda teoria política e os equívocos de cálculo geopolítico de Hitler cortaram a terceira teoria pela raiz. A terceira teoria política morreu uma morte violenta, não sofrendo da velhice ou da decadência natural, em contraste com a União Soviética.

Com o desaparecimento do fascismo, o campo de batalha ficou livre para a primeira teoria política e para a segunda. Isso tomou a forma da Guerra Fria e deu a luz à geometria estratégica sob a forma de um mundo bipolar que durou quase meio século. Em 1991, a primeira teoria política, o liberalismo, derrotou à segunda, o socialismo. Essa foi a queda do comunismo global.

Assim, ao fim do século XX, só ficava uma dessas três teorias políticas que mobilizaram milhões em todos os cantos do planeta: o liberalismo.

Kuzichev: Sim, muito obrigado. Pelo que entendo, Katya disse tudo corretamente sobre as teorias clássicas. Penso que só uma, o neoliberalismo, permanece das teorias clássicas, mas não é sem motivo que hoje estamos falando de uma quarta teoria. Chegaremos a isso em um momento. Há uma coisa que quero perguntar. Você disse que é necessário repensar os processos políticos, a história política e a teoria política do século passado, e que ao compreendê-los sem os clichês típicos que nos são impostos em um nível extremamente simples, a nível de slogans, então estamos dando um passo adiante.

Dugin: Certamente.

Kuzichev: Qual é o motivo?

Dugin: A razão é que as teorias políticas nos determinam desde dentro. Pensamos que somos Anatoly, Aleksandr, Katya, mas de fato somos portadores de alguns tipos de clichês. Estamos codificados. E não podemos ser outra coisa. Estamos codificados pela política. Quando falamos, por exemplo, dos pensamentos do indivíduo na sociedade civil, o definimos como algo bom. Não é por serem bons, mas porque estamos sob a influência desse modelo liberal. Quando falamos de justiça social ou igualdade, do belo que seria reunir e compartilhar tudo, estamos codificados pelo modelo comunista, a segunda teoria política, sem compreender isso. Quando nos sentimos incomodados em relação a outros povos, como se eu digo "estes tártaros" ou "os imigrantes ilegais que vem", somos involuntariamente portadores da terceira teoria política, inclusive se não formos conscientes disso em absoluto. Assim sendo, essas três teorias políticas estão dentro de nós? Por que é difícil imaginar às três como algo abstrato? Porque até certo ponto não estamos livres delas. Em certa medida, nenhuma pessoa é livre. Por exemplo, muitos liberais russos vão a Israel e passam de representantes da primeira teoria política a representantes da terceira. Os contextos mudam e o que é mais difícil é ver o que nos determina, ver o programa, o sistema em cujo marco trabalhamos. É como quando se inicia um programa, mas não se sabem nem mesmo se ele inicia em Windows ou Macintosh. Ele simplesmente funciona.

E pensamos que somos só nós mesmos. Mas, de fato, quando nos inclinamos por algum tipo de expressão e falamos que algo é bom ou ruim, quando discutimos ao redor da mesa ou na televisão, nos inclinamos a dizer essas coisas em primeiro lugar. Já estamos codificados. Para entender claramente o curso da história política do século XX, é essencial, e até necessário em certo sentido, permanecer em uma posição científica, muito difícil de alcançar, posso dizê-lo como estudioso e politólogo, uma distância dificilmente reconquistada em relação a tudo. Existe uma regra na psicanálise de que não se pode analisar outra pessoa enquanto não se tenha analisado a si mesmo.

Kuzichev: Libertar-se de si mesmo?

Dugin: Inconscientemente. É necessário investigar a si mesmo. Este é o mesmo caso, ainda mais difícil, no âmbito da ideologia. Necessitamos fazer auto-análise. Estamos codificados por uma teoria política mais que por outra?

Kuzichev: É mais fácil de entender com o exemplo da psicanálise. Se uma pessoa está acometida por temores e inseguranças, então está claro que essa pessoa quer se desfazer do medo e da insegurança. Tudo o que você diz está absolutamente correto. Tanto é assim, que nunca antes me veio à mente que estou sentado e pensando que, em realidade, todos atuamos no marco de algum tipo de clichês ideológicos, humanitários, etc. Acreditamos que isso é bom e que é natural. Mas, na verdade, é simulado.

Dugin: Isso é ideologia. É assim que funciona a condificação em nós.

Kuzichev: Aqui há uma espécie de valor absoluto e fundamental. É necessário estar livre da concha, do clichê, e entenderemos aonde conduz a teoria. Só entendendo isso podemos formular...

Dugin: Olha, Anatoly. É aqui que começa a ciência. As perguntas pragmáticas, especialmente a ciência fundamental, se colocal ao fim. No início, o que realmente motiva as pessoas e aos acadêmicos é se esforçar para encontrar a verdade, não sua aplicação. O interesse na ciência não está no "para que", mas que em um primeiro nível o interesse está em "como" e "por que". As pessoas da geração seguinte que convertem a teoria em prática buscam uma aplicação para ver aonde conduz e aonde não. Em regra, isso se adapta às ideias mais diversas. Começam a calcular como se conserta um motor com a ajuda de números imaginários que não existem, que é a raiz quadrada de -1, e assim sucessivamente.

Portanto, o erudito é motivado pela busca da verdade independentemente de sua aplicação. E é por isto que ele deve começar. É por isso que existe a filosofia. Devemos ver de onde vem as três teorias políticas, quais são seus denominadores comuns, se estavam por aí antes do surgimento do liberalismo ou, ao contrário, por que não existiam antes. Então surge algo muito interessante. Desde o ponto de vista da filosofia, em certo momento, surgiu na cultura da Europa Ocidental a noção de Descartes de sujeito e objeto. O sujeito é algo que, de fato, ninguém conhecia antes. É como se pudéssemos dizer que os filósofos da era moderna o inventaram ou o descobriram no século XVII. Então, as três teorias políticas se construíram sobre essa divisão filosófica interna em sujeito e objeto. A codificação ocorre no nível do sujeito. O sujeito pode ser um de três: o indivíduo no liberalismo; a classe no marxismo, e daí a justiça e a complexidade da dialética filosófica, da teoria crítica marxista; ou o Estado, a nação ou a raça na terceira teoria política. Todas dependem de seu sujeito. Mas este mesmo sujeito, e isso parece ainda mais evidente, requer que a codificação alcance as raízes mesmas de nossa percepção do mundo. Então parece como se este mesmo sujeito foi construído por alguém. Isso significa que agora alcançamos um nível tal, se seguimos nossa lógica e esquema, no qual chegamos ao denominador comum dessas teorias políticas, que se reduz à noção do sujeito. Também resulta que essa noção não é compreensível por si mesma e que antes de nos darmos conta de que somos sujeitos, nos considerávamos a nós mesmos como sendo algo mais. Por exemplo: criações de Deus, portadores de algum tipo de missão, representantes de construções filosóficas mais complexas ou ao menos de outras relacionadas com a doutrina da antropologia cristã, ou inclusive mais antigas, as concepções platônicas. Resulta que o homem, se chegamos ao homem, pensa sobre si mesmo de maneira totalmente diferente em cada etapa da história. Pensamos que isso é algo constante, imutável, mas resulta que estes pontos de codificação vão aferrados ao homem como algum tipo de abstração. Na modernidade, na Europa, aferraram a noção de sujeito ao homem como alguém.

O homem é um sujeito. Perante ele está o objeto. Entre o sujeito e o objeto, existe um complexo conjunto de relações. O homem é um sujeito que pensa sobre o objeto, que seja a natureza, a matéria ou objetos que estão diante dele, e nisso, através dessa relação, constroi a si mesmo. A política e as teorias políticas são uma espécie de versões simplificadas e reduzidas desse sujeito. Uma dessas teorias diz que você é um indivíduo e você cria um mundo individual ao redor de si. A segunda versão diz que és uma classe e estás rodeado pela sociedade de classes.

Kuzichev: E uma nação...

Dugin: És uma nação, uma raça...

Kuzichev: Resulta que, matematicamente, não importa quão ridícula pareça, a teoria política mais antiga, o liberalismo, é a mais tenaz e, claramente, a mais "quântica" por assim dizer. Nas outras, a classe e a raça, é um caso diferente.

Dugin: Exatamente. É a forma mais simples. De fato, o liberalismo venceu porque é o mais próximo de todos a essa noção do sujeito. Certamente, essa noção cartesiana do sujeito como indivíduo é de Descartes e não está escrita em pedra na filosofia. Tudo é muito mais complexo. Há a noção dialética de Hegel do sujeito que está no coração do marxismo. E há a aplicação de Hegel não só a partir da esquerda, mas também no fascismo, na teoria do fascismo italiano, que também se baseia em Hegel. Mas estou de acordo com você em que, neste modelo, o sujeito que se deduz entre os outros ele é o mais fácil e compreensível de todos, o indivíduo, ainda que esteja longe de ser o único. Mas o fato mesmo é que no século XX vemos que as guerras mundiais foram travadas sobre qual entre estes modelos filosóficos é correto ou mais justificado, e pagamos por isso em milhões de vidas. Para nós, ouvintes do outro lado da tela, vamos esclarecer. Por que? Porque por nada mais que estes valores, por estas noções, por estas diferenças na dialética do sujeito, sacrificamos milhões de vidas. As sacrificamos hoje e o faremos amanhã. Estamos sentados aqui e as pessoas estão comodamente falando disso, mas estamos falando de seu destino, o destino de seus filhos, de quem você é...

Kuzichev: E agora estamos derramando sangue por isso?

Dugin: Sim. Por que estamos lutando na Síria? Na Ucrânia? Tudo isso se explica por essas coisas grandes, sérias e profundas. E quando a gentep ensa que tudo é simples, isso significa que se negam a olhar para a matriz, a cujo nível tudo é muito mais complicado. A simplicidade em si mesma é, de fato, a consequência desses modelos que funcionam mal. As pessoas, a humanidade, inclusive a estupidez humana, são muito mais complexas em si mesmas. É complexo a princípio, e logo há simplificações. Todos estamos codificados por programas muito complexos. Com o fim de chegar ao fundo dessa codificação...

Kuzichev: Respostas simples:

Dugin: As respostas simples não bastarão. Portanto, quando dizemos que a versão simples é equiparar o sujeito ao indivíduo, para chegar a este ponto, tivemos que percorrer um caminho político de três séculos, viver duas guerras mundiais no século XX, perder dezenas e talvez até centenas de milhões de pessoas e, como resultado, destruir um país tão grande quanto a URSS em 1991, só para chegar a esta conclusão filosófica de que os liberais tinham toda a razão ao identificar o sujeito da modernidade com o indivíduo, desenvolver o sistema de direitos civis, a sociedade civil, a liberdade de movimento, a liberdade de imprensa, a separação de poderes e a economia de mercado. O demonstraram pela força, pela mente, pela propaganda e pela guerra de informação. Então, onde estamos? No coração de tudo se encontra essa operação filosófica mais complexa, essas complexas coisas dialéticas que afirmaram milhões de pessoas. O marxismo é muito complexo, e o fascismo muito complexo, mas o marxismo é mais complexo. É uma refinada dialética que teoricamente se pressupõe não ser compreensível para qualquer um. Não obstante, a metade do mundo vivou somente com isso durante quase um século. Estados, países e civilizações viveram essa ideologia.

Kuzichev: Isso significa que a filosofia sofisticada e profunda não é suficiente. O que se necessita é que seja, falando como jornalista, formulada de forma eficaz. Isso pode ser feito com um lema cativante e curto. Tem que ser simplificada.

Dugin: Como falamos, o marxismo é algo extremamente complexo. Mas sua adaptação dá coisas mais ou menos simples.

Kuzichev: Não falemos de sua adaptação agora, mas vamos ouvir umas poucas palavras sobre essas três teorias e onde estava o erro. Já estabelecemos que perderam seu atrativo, que algumas morreram de forma violenta. Onde estava o defeito nas duas ideologias derrotadas? No pensamento mesmo ou na aplicação à realidade, onde resultou que o pensamento, inclusive se estava belamente construído, não resistiu ao ataque da gravidade?

Dugin: Não existe uma resposta científica para sua pergunta. Onde não há nenhuma resposta científica, existe a comprovação de que isso é assim. Podemos ver nossa história e podemos ver que isso é assim. Isso é suficientemente justo, mas quando tratamos de dizer o porquê, então, de fato, para falar disso, temos que tomar algum tipo de programa. Os liberais dirão que isso era uma desvio de nossa verdade primordial e que isso foi a influência de fatores adicionais sobre a ideologia da modernidade na aplicação da modernidade, na aplicação do sujeito de Descartes, que não se entendeu ou que se tratou de discutir que o sujeito de verdade é o indivíduo, que os capitalistas e liberais tem razão, que se tratou de construir uma alternativa que foi exitosa durante algum tempo, mas logo foi derrubada. Isso é o que diriam os liberais; assim é que explicam. Os comunistas formularão sua própria explicação. Os fascistas dirão que foi uma conspiração que os liberais conspiradores acordaram com os comunistas para destruí-los e logo após, destruíram os comunistas. Em tudo isso há uma lógica própria. Mas na medida em que agora estamos falando disso a um nível mais profundo e estamos tratando de encontrar uma valoração que não seja em si mesma uma ideologia, que não esteja sobre uma posição e não se entenda como um dogma absoluto, podemos dizer que não temos uma resposta a essa pergunta e não pode havê-la. Só estamos registrando, comprovando que apareceu a primeira ideologia, logo a segunda e a terceira, que cometeram erros no século XX e desapareceram em ordem inversa. Vivemos no mundo do liberalismo vitorioso, queiramos ou não. Isso também é importante: o liberalismo simplesmente venceu em 1991 e a globalização, o Fim da História, etc., estão ligados a isso. Venceu em 1991 e logo disse: "Agora estou eu, o único sistema operativo. Vocês podem ser liberais de direita, liberais de esquerda, mas não podem não ser liberais. Não podem ser representantes da segunda teoria política porque Stálin, gulag, etc. Vamos prendê-los".

Kuzichev: Da terceira teoria política ainda menos...

Dugin: Menos ainda. Se você diz até uma única palavra sobre como não lhe agrada outra nação, vai para a prisão. No Ocidente isso é muito duro. Se chamas um negro de negro, vai preso. É muito duro. Isso significa que você pode ser de direita ou de esquerda, pode ser da terceira ou da segunda teoria, mas só no marco da primeira teoria. E é aqui que estamos hoje.

A primeira teoria política já não é uma teoria entre outras, como antes. Se converteu em parte de nós. Não pensamos em nada fora do liberalismo. Só há uma teoria para nós. Simplesmente, na Constituição da União Europeia, se diz que a UE reconhece os Estados que compartilham os valores da UE, quer dizer, o liberalismo democrático.

Se um Estado não compartilha dos valores democráticos liberais, quer dizer, não tem a separação de poderes, um parlamento, imprensa livre, liberdade de movimento, então estes Estados se convertem em proscritos. As pessoas que professam ideologias distintas da primeira teoria política se convertem em proscritos. São privados dos direitos humanos.

Kuzichev: Isso se parece muito à terceira teoria política, mas não necessitamos falar em voz alta sobre isso. Nos recorda alguns sofrimentos.

Dugin: Absolutamente correto. Isso se assemelha tanto à terceira como à segunda teorias políticas porque as três teorias políticas, e isso é o mais interessante, são totalitárias. As três. Quanto ao fascismo, é óbvio, os campos de concentração. É totalitária e não o esconde, "somos uma ideologia totalitária. Somos arianos e para os que não são, a morte, ou os internaremos". Os bolcheviques não chamavam a si mesmos de ideólogos totalitários, mas, certamente, atuavam com métodos puramente totalitários. Se algo não te agrada, então é gulag ou um hospital psiquiátrico. Insistiram em que ser humano significa ser comunista ou ainda não comunista, mas pelo menos simpatizante.

Kuzichev: Ou "sem filiação política"...

Dugin: Sim, você tem que ser comunista ou simplesmente "sem filiação política", mas "sem filiação política" significa semicomunista. Durante muito tempo, os liberais criticaram ideologicamente o comunismo e o fascismo por este totalitarismo enquanto se apresentavam como portadores da liberdade. O eram, mas só em relação ao fascismo e o comunismo. Tão logo fascismo e comunismo desapareceram, só sobraram os liberais. E de repente, bem curiosamente, se converteram nos representantes de uma terceira forma de totalitarismo. E dizem o mesmo que os comunistas e os fascistas: se você é liberal, então tem direito a ser quem você quiser no marco do liberalismo e da democracia. Se está fora do liberalismo e da democracia, então é um extremista perigoso, um fanático, um terrorista.

Kuzichev: Sim, e você será combatido, derrubado. Morte política, mas também física.

Dugin: Sim. E agora, o liberalismo que, certamente, se comparava com o totalitarismo aberto do comunismo e do fascismo, que não reclamavam outra coisa (os comunistas o insinuavam e os fascistas diziam "sim, somos totalitários, nos aceitem enquanto tais"), os liberais venceram o tempo todo porque eram totalitários ocultos, enquanto os outros o eram abertamente. E agora que só os liberais permanecem na sociedade global atual, vemos que o liberalismo é o portador da última forma de totalitarismo.

Kuzichev: A sociedade global é, talvez outra coisa, talvez não. Sinto que o globalismo e o totalitarismo estão ligados.

Dugin: Estão diretamente ligados.

Kuzichev: Você mencionou outro ponto interessante, o "Fim da História" de Fukuyama. Katya é uma grande fã de Fukuyama. Katya, pode nos dizer algumas palavras?

Arkalova: Exatamente, inclusive fã de The Last Man, sim. Francis Fukuyama é um famoso politólogo e geopolítico estadunidense cujo livro O Fim da História e o Último Homem foi publicado em 1992 pela Free Press. A publicação desse livro foi precedida pelo ensaio "O Fim da História" em The National Interest, que recebeu ampla aclamação na imprensa e no mundo acadêmico. Fukuyama assinalou diretamente que ele não é o autor do conceito de fim da história, mas pelo menos desenvolveu essa ideia, fundada por Georg Wilhelm Friedrich Hegel, e logo desenvolvida nas obras de Karl Marx e Alexander Kojeve.

Em seu aclamado trabalho O Fim da História, Fukuyama expôs a tese de que o conflito entre duas ideologias, a democracia liberal e o comunismo, que estava no coração da Guerra Fria, havia sido completamente resolvido. O comunismo foi derrotado nesse confronto, que contribuiu para o aparecimento de novas perspectivas para o triunfo dos princípios democráticos em todo o mundo. Fukuyama chega à conclusão de que o liberalismo e as instituições liberais como o Estado de Direito, a democracia representativa e a economia de mercado adquiriram importância universal. O autor expressa teoricamente e demonstra politicamente a confiança no futuro depois do fim da Guerra Fria. Ao analisar o processo de reforma na União Soviética e na República Popular da China, as mudanças no clima intelectual desses países e as mudanças em outras regiões, Fukuyama concluiu que estas mudanças em curso não são somente o fim da Guerra Fria ou o fim de qualquer outro período do pós-guerra, mas são o fim da história enquanto tal. Fukuyama traduz o "fim da história" como o "fim da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como a forma final do governo humano". Segundo a teoria de Fukuyama, as sociedades não-ocidentais são simplesmente uma projeção dos valores ocidentais. Em O Fim da História, se insiste no esgotamento de alternativas ao Ocidente. Na opinião do autor, o Ocidente é superior a todos os outros em autoridade e moralidade. Portanto, os valores ocidentais estão sujeitos à disseminação global independentemente de serem bem recebidos por outros atores no sistema internacional ou não. O livro O Fim da História, que em anos posteriores foi traduzido para mais de 20 idiomas, foi objeto de críticas abundantes tanto na imprensa científica quanto no jornalismo.

Kuzichev: Obrigado, Katya. Sei que você, Aleksandr Gelyevich, inclusive falou com Fukuyama, certo?

Dugin: Sim, nos conhecemos e logo publiquei nossa discussão no jornal Profile.

Kuzichev: Acabamos de ouvir a frase "universalização" da democracia liberal ocidental como o fim da evolução biológica da humanidade. Agora falemos de Fukuyama e, antes que me esqueça, queria fazer uma pergunta difícil, ou talvez até simples. O globalismo é uma declaração de universalidade por uma teoria que é simplesmente, por definição, indulgente de sua correção por ser universal. Recorde como a doutrina de Marx é "onipotente por ser verdadeira". Se isso é no interesse de alguém ou é o desenvolvimento natural de uma teoria política, o globalismo mesmo é uma tentativa de aplicação global e universal.

Dugin: As três teorias políticas reclamam universalidade. As três teorias políticas simplesmente acreditavam ter razão e que provariam isso durante o curso do confronto, provariam sua retitude e derrotariam as outras. Essa foi a essência do século XX. Isso funcionou para uma, mas não para as outras. Podemos examinar o êxito no mundo temporal, histórico, sobre o terreno, como prova da verdade. Mas isso está longe de ser assim. Por exemplo, nosso Deus foi crucificado. Ele perdeu. Ele foi assassinado. O eliminaram, o condenaram.

Kuzichev: Não neste sentido um êxito, certamente.

Dugin: É difícil chamar isso de um êxito. Mas nessa vítima se baseia uma cultura de 2 mil anos e nossa vitória. Uma vitória moral não se mede pelo volume de êxito ou aquisição material. Voltar à vida depois da morte, ou as premissas espirituais mais elevadas, fazem desaparecer imediatamente todas as noções de êxito, prosperidade e vitória. Portanto, não me interessa julgar cientificamente quão universais são os valores liberais. Quisera dizer que se trata de uma ideologia totalitária. Aqui estou completamente de acordo com Fukuyama em que nos anos 90, o liberalismo reclamou sua vitória, tornando qualquer alternativa extremamente marginal ou irrelevante. Inclusive a China, que condicionalmente falando, se apega à posição da segunda teoria política, aceitou plenamente o sistema operativo do liberalismo e construiu todos os seus êxitos sobre a abertura dos mercados, etc. Essa derrota não foi declarada, mas ideológica e economicamente é uma derrota total. Em consequência, todos aceitaram o liberalismo. Segundo Fukuyama, isso significa que se converteu em um fenômeno global, se converteu no único sistema. Estou completamente de acordo com Fukuyama nisso. Discutimos sinceramente isso em profundidade e concordamos que as ideias tem significado. Foi o conceito de liberalismo que reclamou a vitória, simplesmente o conceito, não importa se ele parece ser certo ou científico. Foram as ideias que reclamaram a vitória en este caso as ideias do liberalismo.

A globalização é o processo de impôr a afirmação do reforço totalitário do liberalismo como a única ideologia inevitável. Se pode dizer que a globalização é uma consequência ou um processo.

Kuzichev: Sim, você diz que é uma forma de existência do liberalismo.

Dugin: Sim, uma forma de existência. Creio que este é um longo prelúdio para falar da quarta teoria política.

Kuzichev: Sim, restam 20 minutos. Vou ficar calado e não voltarei a perguntar muito. Falemos da quarta teoria política. O que há em sua essência?

Dugin: Em sua essência está a compreensão de tudo que veio antes e de que falamos. Cada palavra que dissemos tem um significado fundamental para entender o porquê de uma quarta teoria política. Ademais, em sua essência reside no mínimo uma coisa: o desacordo com o liberalismo, o totalitarismo, a doutrina do sujeito individual e o desacordo com o mundo em que vivemos. É um rechaço da democracia liberal, um rechaço da noção de que o liberalismo é universal...

Kuzichev: O desacordo é um fundamento muito frágil.

Dugin: Um suficiente.

Kuzichev: Sim? Só tens que propor alternativas, obviamente.

Dugin: O desacordo está longe de ser um fundamento ruim. De fato, se sabemos firmemente com o que estamos em desacordo e se este desacordo não é simplesmente com algo ou uma espécie de doença, mas ao contrário que este desacordo, este rechaço, se converte em uma oposição e um objeto sério ideológico, econômico, geopolítico e cultural, se rechaçamos este mundo em que vivemos, então isso é muito formidável. Muitas religiões e filosofias estão fundadas nisso. Há religiões que dizem "de acordo, aceitamos tudo", e há religiões que dizem "rechaçamos tudo". O caso é o mesmo na ideologia, na esfera da ideologia política. Se fundamentalmente não aceitamos o mundo capitalista, liberal, global de hoje e todas as suas instituições...

Kuzichev: Então devemos propor algum outro tipo de sistema...

Dugin: Certamente. Se rechaçamos séria e genuinamente isso, e se isso se converte em uma parte de nossas vidas, tal como nos EUA as pessoas rechaçaram o globalismo de Clinton e aceitou Trump, sem nem saber o que ele representa especificamente. Ele não disse nada em particular, simplesmente "não sou o liberalismo, nem o globalismo", e as pessoas disseram "que seja presidente, nos diga mais". Este é um fator muito sério. Você pode dizer sim, assinar, aceitar o liberalismo e este mundo totalitário, vitorioso e unipolar. Você pode até se incluir nele, ser uma parte desse sistema de codificação. Ou pode dizer não. E com este "não" começa a Quarta Teoria Política. Se tudo isso o satisfaz, o que não se aplica a quase ninguém, mas muitos são incapazes de chegar a uma análise profunda do que é que lhes desagrada. O que não nos agrada e o que rechaçamos resulta ter uma designação filosófica: o globalismo e a primeira teoria política. Hoje nos enfrentamos a ele face a face. Hoje, se converteu em uma dominação sobre nosso ser, e tudo o que não nos satisfaz em nosso ser é o liberalismo. Se Clinton propôs "culpar os russos" por tudo que lhe desagradava, culpar Rússia e Putin, então Trump propôs mudar algo. Não te agrada o globalismo? Clinton é o globalismo. Faça suas apostas, vote. Se não nos agrada para onde o mundo vai, se não nos agrada o liberalismo, se não nos agrada a globalização...

Kuzichev: Entendo. Inclusive se não há outra direção proposta...

Dugin: E aqui fica interessante. Quando começamos a entender que não nos agrada especificamente o liberalismo e tomamos essa conclusão como a metade dos estadunidenses (e não creio que os estadunidenses estejam tão imersos no estudo de Descartes ou Hegel, mas entenderam, e inclusive o povo estadunidense entende que o globalismo pode ser aceito ou rechaçado e que se pode escolher uma alternativa, sem nem entender a alternativa) então certamente os russos podem entender isso, inclusive com dificuldade. E agora passamos ao seguinte. Se rechaçamos o liberalismo no marco desse sistema de codificação da modernidade em que vivemos, então logicamente ficamos com voltar e dizer: o comunismo não era ruim...

Kuzichev: Isso é o que muita gente está fazendo.

Dugin: Muitas pessoas estão fazendo isso. Isso é como uma reação natural ou um reflexo de vômito. Se alguém nos alimentava pensamos voltar a essa comida que não nos adoecia. Agora só o liberalismo nos alimenta e estamos doentes por isso, e lembramos febrilmente o que era antes, tratamos de pensar em como eram as coisas outrora, como não estávamos adoecidos e como podíamos seguir vivendo. E alguém dirá: o fascismo não era tão ruim e era também uma alternativa ao liberalismo. E daí em diante.

De fato, aqui surge a Quarta Teoria Política. Se analisamos mais a fundo o que propomos contra essa globalização e o liberalismo, se propomos, desafortunadamente, o comunismo da segunda teoria política ou o fascismo da terceira teoria política, então não podemos propor nada mais contra o liberalismo.

Os liberais mesmos esfregam as mãos ao ver isso. Quando começamos a criticar a globalização, dizem que somos fascistas e comunistas. Quando começamos a explicar que há algo mais, dizem que não. "Está justificando o comunismo e o fascismo, vocês são só comunistas ou fascistas enrustidos! Vocês são fascistas enrustidos ou comunistas enrustidos!" Neste sistema da filosofia política da modernidade não existe o conceito de uma quarta. O significado da Quarta Teoria Política começa com essa suposição de que não existe, mas deveria existir. Ela é necessária para derrotar o liberalismo sem cair na armadilha do comunismo e do fascismo. Talvez possamos ir de novo pelo mesmo caminho e construir uma sociedade socialista e totalitária na qual haverá pouca liberdade, e cedo ou tarde virão os liberais e tudo voltará a se repetir. Podemos construir um Estado fascista em algum lugar, como se tenta na Ucrânia, até que as pessoas entendam que não há liberdade suficiente e que o racismo, o nacionalismo e o chauvinismo são repugnantes. E logo voltaremos ao mesmo liberalismo novamente.

Kuzichev: O que você disse está bem certo. Tomarei desde outra perspectiva. Está claro que a palavra principal que está bordada em letras douradas na bandeira do liberalismo é a liberdade. Essa é sua palavra-chave.

Dugin: Mas de quem é a liberdade? A liberdade do indivíduo. E a liberdade de que? Liberdade em relação ao Estado, à religião, ao gênero e a todas as formalidades...

Kuzichev: Costumes morais, e assim sucessivamente...

Dugin: Em relação a todas as formas de coletividade; Estado, autoridade, tudo.

Kuzichev: Creio que a "Justiça" foi escrita em letras douradas na bandeira vermelha do comunismo...

Dugin: A igualdade.

Kuzichev: Igualdade, justiça, sim. Sobre a bandeira negra do fascismo, há um "acima de todos", provavelmente escrito em ucraniano. Os eleitos.

Dugin: Sim, os escolhidos sobre os demais.

Kuzichev: Mas na Quarta Teoria Política, o que se bordará em letras de ouro?

Dugin: Sabe, isso está acontecendo...

Kuzichev: Apenas "não", ou o que?

Dugin: Passam mais de três séculos de filosofia, o desenvolvimento de Descartes que, como falamos, está na base de tudo, passam as matemáticas superiores, os cálculos, podemos dizer que é como um martelo com o qual podemos acertar nosso próprio dedo. Se desprende claramente que será escrito muito depois, depois de muito tempo.

Kuzichev: Entendo que por agora temos apenas uma compreensão. Aqui, estamos no pólo norte e necessitamos dar um passo porque qualquer passo desde o pólo norte pressupõe ir ao sul em alguma direção...

Dugin: Temos que dar um passo em outra direção, de alguma outra maneira na geometria do pensamento. Necessitamos encontrar um enfoque completamente diferente, deixar a região codificada, deixar a matriz. Já descobrimos que não é tão fácil sair da matriz porque se não nos agrada o liberalismo, então a primeira tentativa de rechaçá-lo é escolher algo já verificado nessa matriz.

Kuzichev: Muito bem. Falamos de três séculos de história. Mas talvez haja algo há trezentos e cinquenta anos?

Dugin: Aqui está o que me proponho fazer. Para escapar desse campo codificado do pensamento codificado, precisamos desconstruir toda a modernidade. Se transcendemos as fronteiras da modernidade, vemos uma sociedade diferente, uma noção diferente do homem, uma visão diferente do mundo, uma noção diferente da política e do Estado. Busquemos o que há nesse outro mundo. Em sociologia, isso se chama transição da sociedade moderna à sociedade tradicional. As noções de tradição, religião e pré-modernidade já nos oferecem um espector indubitavelmente mais amplo de alternativas. Se rechaçamos as leis da modernidade tais como progresso, desenvolvimento, igualdade, justiça, liberdade, nacionalismo e todo este legado de três séculos de filosofia e história política, então há uma escolha. E sem dúvida, ela é no mínimo muito ampla. É isso que temos estado falando. Essa é a sociedade tradicional.

Um dos primeiros movimentos mais simples na direção da Quarta Teoria Política é a reabilitação global da Tradição, do sagrado, do religioso, do relacionado com casta, se preferir, do hierárquico e não da igualdade, da justiça ou da liberdade. Tudo que rechaçamos junto com a modernidade e tudo que reelaboramos completamente...

Kuzichev: Poderia ser a base de um novo "novo tempo"...

Dugin: Exatamente. É disso que falou Berdyaev: o retorno à Idade Média. Voltando à Idade Média ou recorrendo a ela para buscar inspiração, e não estou falando de reproduzi-la, isso é impossível. Mas temos estado no caminho da modernidade. Temos estado no caminho do totalitarismo moderno independentemente de ser com a primeira, segunda ou terceira teoria. Esgotamos todas as suas possibilidades, construímos os três modelos. Construímos a civilização liberal, a civilização comunista como parte de tal experimento, e inclusive construímos o fascismo. Agora podemos comparar tudo o anterior a nós. E se tudo isso não nos satisfaz isso significa que o erro mais importante não se fez no século XX e muito menos em 1991...

Kuzichev: Talvez no momento do primeiro passo?

Dugin: No primeiro passo. Isso significa começar a avançar na direção da Quarta Teoria Política, sair dos confins dessas três teorias políticas e, se desejar, voltar mais além, porque a ideia do progresso, a ideia de que só temos que avançar, essa ideia veio com a modernidade quando se justificaram, nos foi imposta durante 300 anos, e nos disseram que não há regressão, que o desenvolvimento é tudo, e que tudo o anterior era ruim, mas agora tudo é bom. Estamos programados por essa ideologia totalitária do progresso, do desenvolvimento, da libertação ou melhora dos critérios materiais da humanidade que, ainda que verdadeira, se converte somente em um fator restritivo quando rechaçamos o espírito e quando tudo para nós deve ser aqui e agora. Mas antes de Descartes e da modernidade, as pessoas acreditavam na imortalidade da alma...

Kuzichev: Assim que você e eu temos estado falando o mesmo, mas ainda não formulamos a palavra que deveria estar na bandeira. Resulta que essa palvra é "Fé".

Dugin: Fé, Tradição, Religião, mas não só...

Kuzichev: Fé, Tradição, Religião?

Dugin: Sim, este é o conjunto encarnado no império. Há sociedade de castas, hierarquia...

Kuzichev: Sabe que, espere, tenho que pensar nisso por um segundo. Sabe, olho do ponto de vista e da perspectiva de um jornalista, ae entendo que você usa "nós" a propósito todo o tempo, o que devemos compreender, devemos avançar, etc. Mas para nos comprometermos com este "nós", ele tem que ser atrativo, mas não só atrativo, e não só interessante como uma conversa para nossos espectadores. Essa é uma conversa incrivelmente interessante e incrivelmente simples. Agradecerei ao destino por poder me reunir com Aleksandr Gelyevich. Mas para que o "nós" se comprometa, é necessário propor às pessoas algo que elas queiram encarnar. Você entende quão forte é a linguagem qando falamos em retornar às tradições. Te chamarão de "obscurantista" e você mesmo mencionou a palavra "Idade Média". Isso implica, implicitamente, a sensação de que isso não pode ser o que nos oferece Aleksandr Gelyevich.

Dugin: Sabe, você está falando corretamente sobre vender e tornar as coisas atrativas. Já chegamos à modernidade. A modernidade é a causa dos comerciantes, dos assessores políticos, das pessoas que vendem e devem se vender...

Kuzichev: Podes vender qualquer coisa, é verdade.

Dugin: Absolutamente certo. Essa não é minha causa. Não tenho que anunciar nada para ninguém. Não tenho que vender para os comerciantes. Não sou um comerciante por casta ou em meus costumes. Sou um pensador. Sou um filósofo. Do ponto de vista de Platão, não da modernidade, os filósofos são o tipo humano que deve governar.

Kuzichev: Ok, então proponho que...

Dugin: A modernidade está destinada a servir a comerciantes, mas eles constituem uma função completamente diferente. Nos tempos modernos, qualquer um vende alguma coisa...

Kuzichev: Bom, bem.

Dugin: Em geral, se alguém vende algo a alguém, isso significa que isso não é líquido. Creio que quando as pessoas anunciam muito algo, isso quer dizer que ninguém precisa daquilo. Se alguém está intoxicando outros com publicidade, isso significa que está tratando de forçar as pessoas a algo que não é benigno. Todas as pessoas boas encontram coisas, olham e aprendem que algo é realmente valioso. Isso, de certo, nos distingue dos católicos. Nós, os ortodoxos, sempre cremos que somos portadores da verdade, que estamos dispostos a acertar todo o mundo, dizer isso a todo, dar as boas vindas, proporcionar refúgio, mas não temos que pressionar isso. Se você não quer nos ouvir, então não nos ouça. Você é livre, simplesmente venha a nós.

Kuzichev: Verdade. Aleksandr Gelyevich fala agora filosoficamente. Se algum anunciando chegar a nosso canal, não o expulsaremos.

Dugin: O aceitaremos como os ortodoxos aceitam todos.

Kuzichev: Sim, o aceitaremos. Agora umas poucas palavras sobre o "progresso". Ela tem um atrativo pessimista. A palavra "progresso" foi profundamente gravada em nós ou, segundo sua terminologia, codificada em nós até o ponto de ser sinônimo do que é correto, bom, e geralmente sinônimo da direção certa. Eu gostaria de perguntar, quão profunda é, em sua compreensão, essa codificação, e em quantas gerações ela pode ser eliminada da matriz, ainda que apenas linguísticamente?

Dugin: Essas são as coisas mais interessantes, e responder sua pergunta só se pode fazer com grande dificuldade porque, já sabe, o progresso termina junto com a modernidade. Se o mundo moderno termina, o progresso terminará também.

Mas com a filosofia pós-moderna contemporânea, estamos chegando a como superar essas três teorias políticas, não apelando à tradição e à religião, não retrocedendo, mas avançando. Já foi preparado o terreno para o que estou falando agora e isso se tornou claro não só para os tradicionalistas, mas também para os conservadores primitivos, e não só para os crentes ou os representantes das sociedades tradicionais que tem algum tipo de vínculos genéticos com o passado ou fizeram uma escolha tradicionalista. Mas a própria modernidade e o próprio liberalismo estão no processo da pós-modernidade, submetendo à destruição tudo que criam. 

O liberalismo de hoje está tão podre por dentro que agora é bastante fácil descartá-lo, porque ele próprio reconheceu o progresso, a liberdade e o desenvolvimento como ficções absolutas. O liberalismo reconheceu que é uma espécie de particular enfoque totalitário. Por trás de todas essas ideias de liberação, liberdade, igualdade, individualismo, etc, não há outra coisa que a vontade e poder. A última geração de pensadores filosóficos do Ocidente liberal sente em si o desespero, o esgotamento de todas as possibilidades da modernidade, e finalmente demonstrou que tudo isso é um jogo: o progresso e o desenvolvimento, a perfeição e todos estes chamados aspectos morais da modernidade não eram outra coisa que uma simples forma de giro político, manipulação, propaganda, publicidade, e a venda de algum tipo de produto defeituoso para realizar a vontade de poder das elites globais cobiçosas, covardes, cínicas e totalmente racistas. E não somos nós dizendo isso como conservadores que só precisamos do nosso e defendemos os valores tradicionais, mas os portadores do mundo ocidental, de dentro desse mundo, que compreendem perfeitamente sua mecânica interna e que fazem o trabalho de desmantelar e descodificar estes padrões no pós-modernismo.

Olha que tipo de progresso tem o Tarantino, por exemplo, ou o progresso que Derrida e Deleuze tem com seus pontos de vista sobre a necessidade da esquizomassa, o progresso de Negri e Yardt com sua proposta de mutilar as pessoas até o ponto que possam ser exploradas e voluntariamente convertidas em uma espécie de seres virtuais que vivem em computadores, ou olhar para os pós-humanistas. Hoje, sim hoje, o que passa é que o pós-modernista que olha o amanhã a partir da posição do liberalismo diz que todos estes mitos pelos quais a modernidade viveu são absolutamente impraticáveis. Assim levantam as mãos e dizem que simplesmente não há mais nada. Não creem em uma alternativa, em uma quarta teoria política, mas dizem: "É horrível que vivamos tão asquerosamente. Pois bem, pereçamos neste liberalismo, junto com todos os seus mitos que não funcionam, pouco atraentes e inoperantes". Estes mitos se tornaram obsoletos, mas estes mitos não são tradicionais, sagrados, mas mitos pós-sagrados e anti-tradicionais da modernidade.

Kuzichev: Aleksandr Gelyevich, muito obrigado por essa conversa. Amigos, tudo que resta dizer não são desejos para o Ano Novo, mas desejos para todo o próximo ano, 365 dias, e às vezes 366 dias em um ano. Refletir e entender. Claro, isso é "só" teoria política, mas neste caso, a palavra "teoria" denota a prática mais importante que nos rodeia. Pensem sobre isso. Nós e nosso canal falaremos mais sobre. Espero que estejamos de acordo em algo.

Arkalova: Obrigado, até a próxima vez.

Kuzichev: Aleksandr Gelyevich, muito obrigado.

Dugin: Meus melhores desejos.

Kuzichev: Adeus.


07/04/2017

Aleksandr Dugin - Terceira Guerra Mundial: O Início?

por Aleksandr Dugin



O que aconteceu em 7 de abril de 2017 poderia ser o início de uma Terceira Guerra Mundial. Em regra, ninguém quer guerra, mas eis que guerras ocorrem, e às vezes elas são mundiais. Portanto, eu proponho que em primeiro lugar, como no caso de qualquer desastre, é necessário permanecer calmo e recobrar o juízo.

Em 7 de abril de 2017, pela primeira vez desde o início do conflito na Síria, os EUA lançaram um grande ataque com mísseis Tomahwak contra uma base aérea síria, ou seja, contra nós. Por que não usamos um complexo de defesa anti-mísseis? Segundo uma teoria, nós não temos um número suficiente deles para repelir um ataque total de tropas americanas, já que eles estão programados primariamente contra ataques de mísseis de outros inimigos potenciais. A segunda teoria é que Moscou não ousou dar a ordem, já que isso significaria o início irreversível de uma guerra com os EUA. Washington ousou, e sabia bem o que estava fazendo. Nós não ousamos. Antes de seguir com as previsões, vale a pena examinar novamente o contexto, as condições iniciais do que poderia se tornar (ainda possivelmente não) a Terceira Guerra Mundial.

Um pretexto para uma invasão americana

O pretexto que Washington usou para o ataque foi um ataque químico. O fato de que Assad não cometeu este ataque é óbvio, já que isso seria extremamente prejudicial a ele. Ademais, na situação atual, recorrer a armas químicas seria suicídio para Assad. Há uma minúscula chance de que este foi um trágico acidente no qual mísseis sírios acertaram um depósito com armas químicas de propriedade do ISIS, que os terroristas foram provavelmente ensinados a esconder por inspetores europeus. Mas essa coincidência, fazendo colapsar em um instante o complicado equilíbrio de forças em escala global, é surpreendente demais. Ainda assim, não é difícil para os terroristas e seus instrutores representando o Governo Mundial global (o mesmo Pântano que Trump prometeu drenar) arranjar isso. E é realmente lucrativo para eles. Arrastar os EUA a uma guerra contra a Rússia não deu certo com a Hillary, então eles pensaram: "Agiremos de outras maneiras, através de Trump". Os globalistas aparentemente decidiram fazê-lo e encontraram um pretexto.

O Pântano drenou Trump

A decisão formal de atacar foi tomada por Donald Trump. Ao fazê-lo, ele deixou de ser Trump, e se tornou Hillary disfarçada de homem, um tipo de travesti. Tudo contra o que Trump lutou ao longo de sua campanha eleitoral e que ele prometeu mudar foi assinado por ele hoje. Portanto, não foi ele que tomou a decisão. Ele simplesmente mostrou que, a partir desse momento, ele não é capaz de decidir nada. Sob a pressão da mídia e dos políticos do Pântano, ele vendeu seus pequenos e dedicados seguidores, aqueles que não representavam o CFR, não representavam os neocons, e não representavam o Estado Profundo, mas a "boa e velha América". Essa "boa e velha América", que elegeu Donald Trump como seu presidente, foi novamente deixada ao relento, sem Trump. O que Trump fez, se permitindo "convencer" do envolvimento de Assad (ou seja, da Rússia) no ataque químico equivale a capitulação.

Bastante revelador, exatamente ontem ele com toda facilidade se livrou de Stephen Bannon, talvez o único verdadeiro conservador sem o prefixo "neo" em seu círculo. Ele queria drenar o Pântano. Isso é ótimo, mas é um negócio arriscado. O Pântano drenou Trump. O que está acontecendo agora na Síria é estritamente o que os globalistas, o Pântano, tem buscado.

O fator Trump desapareceu perante nossos olhos. Ele vacilou um pouco, e agora ele é um joguete em um jogo de forças mais sérias. Ele mostrou não ser mais o Trump. Talvez o Trump tente se tornar ele mesmo de novo, mas isso é improvável.

Nas sombras americanas

A história de Trump, sua brilhante campanha eleitoral, sua luta contra os globalistas, que foi inesperadamente apoiada pelo povo americano, expôs a estrutura complexa da sociedade americana que, ao que parece, é longe de ser monolítica.

Em primeiro lugar, há a "boa e velha América", isolacionista e conservadora, que pensou ter eleito seu representante. No mínimo, Trump desempenhou exatamente este papel. Nós de fato esquecemos a "boa e velha América", que estava eclipsada por uma elite globalista fanática, mas parece que ela ainda estava ali. Isso é muito importante porque, apesar de ela não ter poder e seu representante ter demosntrado ser fraco demais, ela não pode mais ser deixada fora de consideração. Essa é a revelação mais importante e encorajadora na história de Trump.

Ademais, a "boa e velha América" tem uma plataforma geopolítica que é o realismo, ou seja, América Primeiro, que significa que se os EUA não forem diretamente afetados, então eles não devem se involver. Este isolacionismo dominou nos EUA até Woodrow Wilson, e parcialmente após ele durante o período de três presidentes republicanos, Harding, Coolidge e Hoover. Na verdade, foi esse realismo nas relações internacionais (não-intervencionismo, foco em questões domésticas, rejeição do imperialismo) que Trump usou como fundação de seu programa.

Em segundo lugar, por trás de Hillary e do Obama estava a mais poderosa organização que determina o curso da política externa americana: o Conselho de Relações Exteriores, ou CFR. Essa estrutura proclama claramente a necessidade de criar um Governo Mundial. Os QGs do globalismo, como o Clube Bilderberg ou a Comissão Trilateral, bem como as instituições financeiras globais e as corporações transnacionais como a Reserva Federal e o Banco Mundial, são coordenados por ninguém menos que o CFR. Trump chamou isso de o "Pântano". O "Pântano" obviamente não gostou disso.

O método de ação do CFR é o "soft power", o estrangulamento. O CFR não se apressa, mas prepara de forma gradual seus agentes em praticamente todos os países do mundo, e promete e finge fazer concessões. Em quase todos os países, as elites políticas e econômicas que são externamente leais, mas internamente orientadas ao globalismo, as quais podemos chamar de Sexta-Coluna, estão ligadas ao CFR.

O CFR realiza não tanto os interesses da América quanto os interesses da oligarquia financeira transnacional. Para eles, os EUA são apenas uma ferramenta, ainda que a mais poderosa. Revoluções coloridas, soft power, e infiltração de sociedades que ainda não reconhecem diretamente o Governo Mundial, essa é sua especialidade. Os membros do CFR são liberais e seu objetivo é espalhar o liberalismo em escala global, o globalismo. O liberalismo é sua ideologia. Trump confrontou o CFR. Isso é um fato. E o CFR entendeu e reagir a isso colocando em prontidão todo o exército de liberais americanos cercando Trump no país, daí a marcha feminista, as obscenidades da Madonna e as depredações anarquistas.

Mas o CFR não é o único centro de poder nos EUA. Há também os neocons. Em anos recentes, sob Obama, eles perderam chão, mas não obstante mantiveram influência. Os neocons são os apoiadores abertos do imperialismo americano. Para eles, a comunidade internacional é um fardo. Eles estão construindo um império americano global e o chamam por seu nome. Se o CFR está constantemente flertando com aqueles que ele quer escravizar, então os neocons simplesmente quebram os insubordinados. McCain é um neocon típico. Os neocons apoiam intervenções militares diretas, derrubar governos rebeldes, golpes de Estado e aniquilar o inimigo. Trump se opôs a eles, como é óbvio em sua disputa com McCain.

Finalmente, há o Estado Profundo. Este compreende os funcionários de segurança e os apparatchiks burocráticos que representam o complexo militar-industrial, a comunidade de inteligência, e um número de outros guardiões da identidade americana sob a forma do Destino Manifesto. Eles não tem ideologia, mas buscam manter a continuidade das instituições americanas. Mas, é claro, eles não estão livres de ideologia. O CFR possui grande influência sobre o Estado Profundo, e nos anos 90 a influência neocon ali cresceu significativamente.

Cem anos atrás, aproximadamente, o Estado Profundo americano era dominado por realistas e conservadores tradicionais, mas eles foram gradativamente postos de lado. É precisamente por isso que o Estado Profundo, através dos líderes da inteligência e dos serviços especiais dos EUA, não expressaram lealdade a Trump, mas continuaram uma ostentosa investigação de uma fictícia interferência russa no processo eleitoral. Eles continuaram apoiando a gangue liberal através da disseminação maciça de "fake news". Assim, o Estado Profundo assumiu o lado dos inimigos de Trump o chantageando com o fator russo.

Essa revisão mostra que a presidência de Trump não tinha apoio institucional. Mesmo no Partido Republicano, uma minoria o apoia. Nessa situação, só se poderia esperar ou por um milagre ou por genialidade da parte de Trump, ou se preparar para que o Pântano em uma de suas três manifestações, o CFR, os neocons ou o Estado Profundo, subjugasse Trump. Se isso não tivesse sucesso eles simplesmente trabalhariam juntos para eliminá-lo.

Na manhã de 7 de abril se tornou claro que isso já havia acontecido. O Trump que a "boa e velha América" elegeu está morto. O novo "Trump" está fazendo exatamente o oposto do que ele prometeu. Trump, o realista, não deveria se preocupar com o que ocorre na Síria, para além de somar forças com os russos para eliminar o ISIS. Ele prometeu parar com as intervenções. Mas ele agiu de outra forma. Ele subitamente acredita em mais uma mentira globalista sobre um "ataque químico de Assad" e, sem qualquer esclarecimento das circunstâncias, toma uma "decisão", ou seja, ele assina um papel apressadamente sobre um ataque com mísseis a uma base síria.

Este é um cheque de realidade. Palavras são uma coisa, ações outra. Algo deu errado.

Quem governa Trump a partir de agora?

Se este não é o Trump, que foi "eliminado", então quem tomou a decisão sobre o ataque com mísseis? Julgando pela rapidez, isso provavelmente foi obra dos neocons alinhados com o Estado Profundo. O CFR teria agido de forma diferente. Eles teriam apresentado à Rússia algum projeto sufocador e enviado algum tipo de "marca negra" (apesar da explosão no metrô de São Petersburgo e os protestos de estudantes zumbificados de Navalny serem, em princípio, esse tipo de marca negra), e mais importantemente, eles teriam feito isso através de seus incontáveis agentes na elite russa, e teriam proposto um compromisso. A rapidez dessa provocação e golpe nos mostra que o avatar que se move sob o nome "Trump" está governando como conduíte para os neocons. Isso também foi evidentemente feito com apoio de Israel, que planeja se juntar à operação, já que tropas israelenses foram concentradas em disposição de combate na fronteira com Síria e Líbano. Afinal, os aliados mais próximos dos israelenses nos EUA não são ninguém mais, ninguém menos que os neocons.

Parece que a disputa de Trump com o CFR, que ele, enquanto ele ainda era Trump, travou em nome da "boa e velha América" e do realismo, foi aproveitada pelos neocons dessa vez, que assumiram o controle. Reveladora em relação a isso é a euforia do neocon Kristol em relação à remoção de Bannon. Seu twitter explodiu de alegria.

Portanto, os neocons controlam Trump.

Isso quer dizer que uma guerra é mais que provável.

Mas com quem, contra quem, quando e onde?

Guerra com quem?

Diferentemente de Trump, que eu penso não ter consciência da existência da geopolítica, os neocons são atlantistas. Para eles, como para seus predecessores, os trotskistas, o principal inimigo é a civilização telúrica, ou seja, nós. Para o Estado Profundo, isso também tem sido o normal desde a era da Guerra Fria e do mccarthyismo, e mesmo alguns falcões do CFR como Zbigniew Brzezinski partilha dessa visão dualista de Mar vs Terra. O CFR, em regra, tenta convencer Moscou de que não existe geopolítica e que não há "guerra de continentes", mas eles próprios são guiados pela geopolítica e estão travando contra nós exatamente essa guerra dos continentes. É claro, é melhor quando um inimigo não sabe que está sendo travada uma guerra contra ele, vamos deixá-los crer que estão se banhando pacificamente na praia. Então será uma surpresa quando um submarino nuclear emergir perto de sua cadeira de praia. Bingo!

Assim, os neocons entendem o ataque americano à base síria como o que ele é: um ataque militar contra os russos. Trump expressou isso de forma mais suave: "Os amigos de Assad ficarão desapontados". Essa é a retórica de um papagaio iludido, não um realista vitorioso que decidiu tornar a América grande novamente. O Pântano aplaude.

Uma coisa é clara: Essa é uma guerra contra nós.

Mas essa guerra será travestida como uma guerra contra nossos amigos e aliados, contra Assad (naturalmente), contra o Irã, contra os xiitas e contra o Hezbollah em particular. Como um compromisso Moscou receberá uma oferta de se unir às operações contra Assad e Teerã ao lado dos EUA e seus aliados: "Trump mudou de opinião da noite pro dia. Vamos lá, pessoal. Vocês deveriam ser 'realistas'." Alguém calculará que se nos rendermos, então poderemos evitar uma Terceira Guerra Mundial. Mas não podemos. Ela está sendo travada contra nós, e nossos amigos são apenas um alvo secundário, local, o principal teste de nossa resiliência. Se os entregarmos, então eles poderão fazer o que quiserem conosco.

Mas se os neocons são os manipuladores por trás de Trump, então eles não insistirão em cooptar a Rússia. Eles vão avançar de forma simples e dura. Eles tem um plano. E se eles conseguiram assumir os controles do poder sobre o equipamento pesado americano, o que eles quase perderam a esperança de fazer sob Obama, então eles agirão tão rápido quanto possível e tentarão não perder tempo.

Portanto, a Terceira Guerra Mundial será travada pelo Pântano, os atlantistas, e apoiadores do imperialismo americano contra nós. Formalmente, Assad e os xiitas serão designados como o inimigo. A União Europeia, que é completamente controlada pelo Pântano, se unirá à coalizão. Até Erdogan pode ser pressionado a retornar ao campo americano.

Guerra onde?

O principal front dessa guerra obviamente será o Oriente Médio, ou seja, a Síria e a região circundante. As profecias dos ortodoxos, dos protestantes, dos judeus e dos muçulmanos concordam com um Armageddon acontecendo nas redondezas da Terra Santa.

Mas claramente o inimigo abrirá outros fronts também, por proxies. Fundamentalmente, um ataque deve ser esperado no Donbass com uma invasão paralela da Crimeia. A portavoz neocon Victoria Nuland, esposa do importante neocon Robert Kagan, está na Ucrânia. Isso significa algo.

A isso se seguirão séries simultâneas de ataques terroristas na capital russa e em grandes cidades, e a ativação de militantes no norte do Cáucaso.

O conflito em Karabakh provavelmente será descongelado.

Contra este pano-de-fundo, os humores de protesto se erguerão e a quinta-coluna irá às ruas. Vimos uma repetição disso tudo antes.

Finalmente, o inimigo tentará orquestrar um golpe de Estado para descartar Putin, sobre quem a Rússia enquanto Estado soberano se apoia hoje. Isso será obra da sexta-coluna. O leitmotif dessa conspiração pode ser o liberal falando "olha aonde essa soberania, 'a Crimeia é nossa', e o conservadorismo, etc. nos trouxe" ou mesmo algum tipo de retórica ultrapatriótica do tipo: "olha como ele hesita" ou "olhem para nossas perdas, elas são todas por conta da indecisão dele".

Não se pode descartar que outros territórios também se tornem arenas dessa guerra.

Guerra quando?

Quando a Terceira Guerra Mundial começará? De certa forma, ela já começou. Mas ela pode terminar rapidamente. Como? Por exemplo, conosco reconhecendo a derrota. Então não haverá necessidade de lutar, já que o objetivo da guerra é estabelecer controle sobre um inimigo, seu território, suas instituições, e sua consciência. O Ocidente já estabeleceu controle parcial sobre a Rússia. A única coisa que eles não controlam é Putin. Portanto, a Terceira Guerra Mundial será, de alguma forma, dirigida contra ele.

Mas o que significa dizer que "a guerra já começou"? Isso significa que se a Rússia reagir duramente, então uma série de ações irreversíveis de natureza dramática característica da guerra serão postas em movimento e, considerando o envolvimento direto de duas potências nucleares, essa guerra será, por definição, uma guerra mundial.

Se recuarmos, a guerra tem toda chance de terminar rápido e com perdas mínimas, mas isso significaria nossa rendição com todas as consequências. Para nem mencionar a Crimeia, que é nossa apenas enquanto formos nós mesmos. Nós só temos que recuar um passo para que nossa imagem solipsista entrar em colapso.

Se respondermos, então o início da guerra pode ser adiado. Se deixarmos de resolver a questão de forma rápida, Washington enviará o CFR para negociações e a questão será arrastada. Segue-se uma visita de Kissinger a Moscou, ele é um negociador do CFR de primeira linha. Ele não vem para apunhalar, mas para estrangular.

A geopolítica jamais pode prever o tempo exato dos processos, mas os geopolíticos entendem perfeitamente o que e onde. Mas o "quando" depende de fatores demais. O processo está aberto neste sentido.

O que deve ser feito?

Eu notei que todo analista ou, sendo mais duro, todo idiota sabe o que fazer na situação de hoje. Todos eles se atropelam com suas dicas e recomendações que parecem barulhentas e vulgares. Não desejamos participar nesse coral. Ademais, o governo não dá ouvidos a nada, nem ninguém. E talvez com razão.

Portanto, é suficiente nos limitarmos a essa análise preliminar e ser capaz de avançar, corrigir algo, esclarecer algo, e repensar algo. Afinal, em toda guerra, quase tudo depende das condições iniciais. Elas devem ser, portanto, analisadas tão precisamente quanto possível. Um erro nesse nível, mesmo o mais insignificante, pode depois gerar resultados catastróficos.