18/12/2016

Christophe Geffroy - Entrevista com Alain de Benoist: A Bênção dos Limites



Nós tivemos a alegria de entrevistar os maiores intelectuais franceses, de Chantal Delsol a Pierre Manent, passando por Marcel Gauchet, Alain Finkelkraut, Jacques Juillard, e alguns outros, em nossas colunas. Alain de Benoist não é cristão e, portanto, divergimos em alguns pontos, mas ele é uma grande mente aberta ao debate e com a qual as concordâncias abundam. Enquanto ele permanece majoritariamente ostracizado na "mídia de massa", nós estamos felizes e honrados e dar espaço aqui.

P: Você é um dos fundadores da "Nouvelle Droite", do GRECE, e muitas publicações desse movimento. Você poderia recordar as circunstâncias desses desenvolvimentos e as principais ideias que você, assim, defende?


R: O que foi designado muito mais tarde pela extremamente medíocre expressão "Nouvelle Droite" [Nova Direita] nasceu em 1967-1968, um pouco antes dos eventos em Paris durante o mês de maio. Adolescente, eu havia tido uma experiência de militância política intensa, praticamente total nos quatro ou cinco anos precedentes, dentro da direita radical (a Fédération des étudiants nationalistes de François d'Orcival, então o movimento do periódico Europa Ação, fundado por Dominique Venner). Uma escola dura e uma experiência memorável, mas cujos limites eu rapidamente testei. Aos 25 anos de idade, eu entendi que eu era um homem do saber, não um homem do poder, para falar como Raymond Abellio. Ademais, eu estava cansado dos slogans e das ideias prontas. Então eu rompi definitivamente tanto com a ação política quanto com a extrema-direita, para me devotar completamente ao trabalho do pensamento. É então que eu criei o periódico Nouvelle École, pouco antes de lançar o GRECE. O periódico Éléments apareceu em 1972. Eu também publiquei o periódico Krisis em 1988, que foi criado para ser um "periódico de ideias e debates". Essas três publicações ainda são publicadas hoje. Minha intenção à época era começar do zero, quer dizer inventariar sistematicamente todos os domínios do conhecimento de modo a levar ao desenvolvimento de uma nova cosmovisão capaz de esclarecer o momento histórico em que vivemos. Eu tinha em mente o exemplo da Escola de Frankfurt, da Action Française e do CNRS! Obviamente, eu tive que dar alguns passos para trás. No mínimo posso dizer que desde meio século atrás, eu jamais estabeleci outros objetivos.


P: Você colaborou com a Revista Figaro no fim da década de 70: você alcançou notoriedade ali, mas você foi expulso. Isso já havia sido por "crimepensar", e podemos ver neste episódio o início do ostracismo midiático do qual você tem sido vítima?


R: As coisas são mais simples. Louis Pauwels, quando criou a Revista Figaro, me pediu para ajudá-lo, o que aceitei. Muitos de meus amigos também participaram nessa aventura. Três anos depois, traumatizado pela chegada da esquerda ao poder, Pauwels decidiu se convertar ao cristianismo e ao liberalismo, ainda antes ele não fosse nem cristão, nem liberal. O Monsenhor Lustiger recebeu sua confissão. Seguindo seu exemplo, teria sido fácil para mim preservar minha posição na revista. Eu não o fiz. A expulsão da qual você fala foi a consequência lógica. Mas eu não penso que este tenha sido a origem do ostracismo que você também mencionou. Este é apenas um aspecto da evolução mais geral da paisagem intelectual, que tem progressivamente marginalizado uma série de livres-pensadores e que atingiu muitos outros intelectuais além de mim. Isso é algo que está começando a passar hoje. A geleira intelectual está em processo de derretimento. Aquecimento global!


P: Eles o criticaram por defender teorias "racistas" à época: o que era, na verdade, e você mudou? Não seriam essas acusações antigas que se mantém presas a você?


R: Os pequenos perseguidores que querem ditar a mídia hoje lançam mão de muitos meios! Os fantasmas "racialistas" eram parte da bagagem de juventude que eu há muito deixei de lado. Eu publiquei três livros contra o racismo, nos quais eu desconstruí metodicamente teorias racistas de modo a demonstrar sua falsidade intrínseca. Eu fiz o mesmo com todas as doutrinas que pretendem derivar a especificidade sócio-histórica das sociedades humanas exclusivamente da biologia. E quanto eu falo em identidade, é a Martin Buber que faço referência, não a Gobineau! É suficiente me ler para perceber isso (não há falta de material: 102 livros, 2.000 artigos, 600 entrevistas). Mas eu não sou mais tão inocente: ao contrário, eu sei bem que o objetivo verdadeiro é impedir que as pessoas me leiam.


P: Em relação ao início da "Nouvelle Droite", quais são os principais pontos que você acredita terem mudado e quais são os temas persistentes, fundamentais?


R: Mais que mudanças, houve inflexões. Por exemplo, hoje eu não mais subscreveria à rejeição completa do pensamento de Freud ou de Marx à qual eu aderia nos anos 70. Além dos grandes polos de influência que deixaram sua marca em mim bem cedo, como o pensamento socialista do início do movimento sindicalista (Sorel, Proudhon, Leroux, Malon), os "inconformistas" da década de 30 (Mounier, Robert Aron, Alexandre Marc), ou a Revolução Conservadora alemã (Schmitt, Spengler, Jünger, Moeller van den Bruck), meu interesse se voltou cada vez mais para as ciências sociais, de Max Weber a Jean-Claude Michéa, passando por Simmel, Sombart, Baudrillard e Louis Dumont. Mas eu também segui com minhas obras sobre tradições populares e a história das religiões.


P: Como você analisa a emergência do "politicamente correto", com seu vetor principal de antirracismo, e a pouca resistência que ele enfrenta?


R: Ele é originalmente um modismo que veio dos EUA. Na França, ele floresceu na esquerda, mas também marcou o fim de uma esquerda fiel a suas aspirações iniciais. Ao privilegiar o antirracismo e a "luta contra toda discriminação", a esquerda buscou um sujeito histórico substituto, porque ela deliberadamente se separou do povo. Ao recitar os mantras dos direitos humanos e reivindicar a defesa de toda forma de desejo, inclusive a nível institucional, ela quer ocultar sua vergonhosa adesão ao monoteísmo de mercado. Este virada encontrou pouca resistência porque o terreno havia sido preparado, por pelo menos dois séculos, pelo que eu chamei de a ideologia do "Mesmo", essa ideologia multifacetada que nos diz que os homens são fundamentalmente os mesmos em todo lugar e que as diferenças que notamos entre eles são secundárias, ou mesmo danosas. A igualdade, nessa perspectiva, se torna um sinônimo de mesmidade.


P: Você tem escrito bastante sobre liberalismo. Enquanto nosso país sofre com um paralisante socialismo estatal, enquanto violência islâmica se espalha em casa com a imigração em massa, enquanto eles "desconstroem" o homem passo a passo da teoria de gênero ao trans-humanismo, em resumo, enquanto muitas ameaças concretas nos sobrepujam, por que o liberalismo também é um perigo nesse contexto?


R: As ameaças mais barulhentas e visíveis não são necessariamente as mais importantes. Algumas são tão formidáveis quanto silenciosas, como o poder crescente da inteligência artificial ou a convergência de NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, informação e ciências cognitivas) na fabricação e transformação da vida. Se eu privilegio a crítica do liberalismo, é porque ele hoje representa a ideologia dominante na maioria dos países do planeta, mas também porque ele está na origem da maioria dos males que você menciona. O trans-humanismo e a ideologia de gênero se sustentam na ideia de que o homem pode criar a si mesmo a partir do nada, que se conforma perfeitamente à antropologia liberal, que não vê o homem como herdeiro, mas como um ente autorizado a sempre buscar seu interesse de maneira egoísta e cujas escolhas jamais se enraizam em algo que o precede. Desde o começo, a imigração representa o "exército de reserva" dos empregadores: os liberais sempre foram partidários da livre circulação de pessoas, bens e capital. Em face das patologias sociais resultantes, eles não tem nada a oferecer além da criação de um "mercado de imigração" (já que eles também querem criar um mercado baseado no direito de poluir!). Quanto a violência islamista, ela é apenas o resultado convulsivo das guerras "humanitárias" lançadas no Oriente Médio pelas potências ocidentais dominadas pelo universalismo dos direitos humanos e pela obsessão pelo mercado.


P: Segundo você, os problemas que eu acabei de mencionar delineam novas divisões políticas, e se sim, quais?

R: Nascida da modernidade, a divisão esquerda/direita decai com a modernidade. Apenas aqueles que ainda se apegam a ela não entenderam que o mundo mudou, e que instrumentos conceituais obsoletos não permitem análises. A única divisão verdadeira hoje é a que contrasta a França periférica com a França urbanizada, o povo com as elites globalizadas, as pessoas comuns com a classe governante, as classes populares com a grande burguesia globalista, os perdedores com os vencedores da globalização, os defensores das fronteiras com os parditários da "abertura", os "invisíveis" com os "sobrerrepresentados", em resumo os que estão no fundo e os que estão no topo. Sobre este ponto eu os remeto às obras de Christopher Lasch e Christophe Guilluy. É apenas nessa perspectiva que podemos compreender um fenômeno como a ascensão do populismo, que constitui a única real novidade política dos últimos 30 anos.

P: Você acha que estes problemas podem encontrar soluções no esquema do debate eleitoral, e assim se aproximar a uma resolução após uma "boa" eleição?

R: Eu não acredito muito em "boas" eleições, nem que o partido político enquanto forma ainda tenha muito futuro. Sob as circunstâncias atuais, as eleições permitem alternância, mas não alternativas: elas permanecem no mesmo paradigma social. Toda a questão é saber como podemos mudá-lo. Mesmo se vivemos na época de implosões, ao invés de explosões, meu sentimento é de que só mudaremos a sociedade quando se tornar impossível não mudá-la. É outra maneira de considerar o fim do capitalismo que desejamos. Eu escrevi isso muitas vezes: o sistema monetário perecerá pelo dinheiro.

P: O que combate cultural significa para você, e como você o situa em relação a ação política?

R: A cultura geral desapareceu na escola; a classe política hoje consiste fundamentalmente de pessoas educadas, mas incultas, como disse Alain Finkelkraut. Ademais, os partidos políticos sempre desconfiaram de ideias, que inutilmente dividem as pessoas aos seus olhos. Quanto a direita, ela nunca gostou muito de intelectuais. O trabalho cultural, que objetiva mudar o espírito dos tempos, deve portanto seguir outros canais.

P: Os EUA terão um novo presidente neste outono. Você acha que isso mudará algo concretamente em termos de equilíbrio mundial?

R: Os EUA entraram em uma fase de relativo declínio, mas permanecem uma potência que não deveríamos subestimar. Com Hillary Clinton, que é a representante dos meios empresariais e do sistema, o principal risco é o de um relançamento da Guerra Fria, ou mesmo da guerra, ponto. O capital sempre demandou guerra quando não há outros meios de relançar a corrida pelo lucro! Donald Trump representa o desconhecido. No mínimo, estaria de acordo com o princípio da precaução lembrar que, se a Europa sempre teve muitos governos pró-americanos, nunca houve um governo pró-europeu nos EUA.

P: Você se define como "pagão": Para você, o que é ser pagão? O que estabelece sua antropologia?

R: Como resumir em poucas frases, e ademais em uma publicação católica, uma posição sobre a qual eu já escrevi milhares de páginas? A oposição entre cristãos e pagãos claramente não pode ser reduzida ao número de deuses. O paganismo é, fundamentalmente, uma religião da pólis (os gregos adoram deuses gregos). Ele é, então, uma religião do cosmo e da vida, onde ética e estética jamais entram em oposição. O paganismo é a ética da honra, não a moralidade do pecado. É a condenação do excesso (hybris), o senso de limites, a negação da primazia a tudo que é meramente material. Historicamente, o cristianismo é um fenômeno híbrido que teve que disputar com as formas do paganismo sem cessar de combatê-lo em essência. É essa complexidade que eu tentei revelar em Comment peut-on être paien? [Como se pode ser pagão?] (1981), e talvez ainda mais em meu diálogo com o filósofo cristão Thomas Molnar em L'éclipse du sacré [O Eclipse do Sagrado] (1986).

Eu não gosto daqueles que não crêem em nada. Eu acredito que para que se possa dar o melhor de si, para que se possa alcançar o próprio telos, o homem deve apelar a algo que o ultrapassa. Mas eu não creio em qualquer "pós-mundo", em qualquer além-mundo. Eu não creio na distinção teológica entre ser criado e ser não-criado. É por isso que eu me sinto mais em casa submergindo nos épicos homéricos ou na Canção dos Nibelungos, praticando Heráclito, Aristóteles, Sêneca ou Marco Aurélio, do que lendo Sâo Paulo ou Santo Agostinho. Eu estudei as origens do cristianismo por mais de 40 anos. Não vejo nada de crível ou atrativo ali. Eu reprovo o universalismo do cristianismo (o "povo de Deus" não corresponde a qualquer povo), que o impede, quando deixado por conta própria, de assumir uma dimensão identitária. Eu o reprovo por ter introduzido o universalismo individualista no espaço mental europeu, por ter esvaziado o mundo de toda sua sacralidade intrínseca, por ter propagado uma concepção vetorial e linear da história a partir da qual todos os historicismos modernos surgiram, e por ter disseminado essas "verdades cristãs tornadas loucas" (Chesterton) as quais, uma vez secularizadas, se tornam o pedestal do mundo desencantado, esvaziado de sentido, em que vivemos hoje.

Ao mesmo tempo, se você ler minhas memórias (Mémoire vive), que foram publicadas 4 anos atrás, você sabe o que eu devo a autores como Charles Péguy e Georges Bernanos [autores católicos]. Eu também me recordo calorosamente de Gustave Thibon e Jean-Marie Paupert, com quem eu mantive relações bastante afetuosas, que eram correspondidas ao que parece (foi no La Nef, em outubro de 2003, que Paupert teve a gentileza de se referir a mim como seu "alter ego"!). Eu acrescento que não sou um daqueles que não gosta da encíclica Laudato sí, e que o "ecossocialismo" do Papa Francisco me agrada bastante. Sobre a condenação do dinheiro, este "pasto do diabo"; a rejeição da ganância e da crematística; a proteção dos ecossistemas; e a condenação da "comercialização" da vida (que os católicos costumam esquecer que principia com a venda da força-trabalho), pode indubitavelmente haver concordância. Discussões religiosas são discussões intermináveis. Mesmo os crentes são ateus na religião dos outros! A simples experiência humana me mostrou por um longo tempo que entre cristãos, pagãos, ateus ou agnósticos há a mesma proporção de homens bons e espíritos livres, bem como de sectários medíocres e verdadeiros canalhas. Ideias são uma coisa, homens são outra. Eu julgo os homens fundamentalmente com base no que eles valorizam (ou parecem valorizar aos meus olhos), não no que eles dizem. É o que me distingue tanto das santas víboras, os defensores do "politicamente correto", e dos inquisidores do momento.

P: Que temas importantes dirigem seu pensamento político ou filosófico hoje, e quais são os principais perigos que nos ameaçam aos seus olhos?

R: Os perigos são de todo tipo, já que nunca vivemos em um mundo tão incerto. Entre aqueles que eu considero mais preocupantes: a ilimitação global do comércio, o desaparecimento de culturas populares e modos de vida enraizados, a possível substituição do homem pela máquina, a exaustão de grandes projetos coletivos, a ascensão do tecnomorfismo, e muitas outras. Estes são alguns dos temas sobre os quais eu reflito. Mas eu também trabalho sobre temas tão diferentes quanto a importância decrescente do político ou as realizações da exegese contemporânea. É difícil fazer tudo junto!

16/12/2016

Alain de Benoist - A Ideia de Império

por Alain de Benoist



A Europa foi o lugar em que dois grandes modelos de regime, de unidade política, foram elaborados, desenvolvidos e se confrontaram: a nação, precedida pela monarquia, e o império. O último imperador do Ocidente Latino, Rômulo Augusto, foi deposto em 475. Apenas o Império Oriental permaneceu. Mas após o desmonte do Império Ocidental, uma nova consciência unitária parece ter emergido. Em 795, o Papa Leão III começou a datar suas encíclicas com base no reinado de Carlos, rei dos francos e patrício dos romanos, ao invés de no reinado do imperador de Constantinopla. Cinco anos depois em Roma, no dia de Natal no ano 800, Leão III colocou a coroa imperial sobre a cabeça de Carlos Magno.

Essa é a primeira renovação do império. Ela obedece a teoria de transferência (transratio imperii) segundo a qual o império que Carlos Magno reviveu é uma continuação do Império Romano, pondo assim um fim às especulações teológicas inspiradas pelo profeta Davi que previu o fim do mundo após o fim do quarto império, i.e., após o fim do Império Romano que sucedeu os impérios babilônico, persa e alexandrino.

Ao mesmo tempo, a renovação do império também rompe com a ideia agostiniana de uma oposição radical entre civitas terrena e civitas Dei, que poderia ter sido entendida como significando que um império cristão seria mera quimera. De fato, Leão III tinha uma nova estratégia, um império cristão, em que o imperador seria o defensor da Cidade de Deus. O imperador derivava seus poderes do papa, cujos poderes espirituais ele reproduzia no âmbito temporal. É claro, todas as querelas sobre investiduras derivarão dessa formulação equívoca que torna o imperador um súdito na ordem espiritual, mas ao mesmo tempo faz dele a cabeça de uma hierarquia temporal cujo caráter sagrado logo será afirmado.

Após o Tratado de Verdun (843) selar a divisão do império entre os três netos de Carlos Magno (Lotário I, Ludovico o Germânico e Carlos o Careca), o rei da Saxônia, Henrique I, foi coroado imperador em 919. O império, então, se tornou germânico. Após o deslocamento do poder carolíngeo, ele foi restaurado novamente no centro da Europa com os otonianos e os francos em 962 para benefício do Rei Oto I da Germânia. Ele permaneceu a principal força política na Europa até meados do século XIII, quando ele foi então oficialmente transformado no Sacrum Romanum Imperium. Após 1442, a apelação "da nação germânica" foi acrescentada.

Não é possível retraçar a história do Sacro Império Romano da Nação Germânica aqui para além de apontar que ao longo de sua história ele foi uma composição reunindo três componentes: antiguidade, cristandade e identidade germânica.

Historicamente, a ideia imperial começou a desintegrar na Renascença, com o aparecimento dos primeiros Estados nacionais. É claro, a vitória de Pavia em 1525, conquistada pelas forças imperiais contra as tropas de Francisco II, parecia ter revertido a tendência. À época, este evento foi considerado bastante importante e causou um ressurgimento do guibelinismo na Itália. Após Carlos V, porém, o título imperial não foi para seu filho Filipe, e o imperio foi novamente reduzido a uma questão local. Após a Paz de Vestfália (1648), ele era visto menos e menos como algo dignificado e mais como uma simples confederação de Estados territoriais. O declínio continuou por mais dois séculos e meio. Em 6 de abril de 1806, Napoleão fez a revolução render frutos pela destruição do que sobrava do império. Francisco II renunciou a seu título e o Sacro Império Romano deixou de existir.

À primeira vista, o conceito de império não é fácil de compreender, considerando os usos usualmente contraditórios que são feitos dele. Em seu dicionário, Littre se satisfaz com uma definição tautológica: um império é um "Estado governado por um imperador". Isso é breve demais. Como a pólis ou a nação, o império é um tipo de unidade política; diferentemente da monarquia ou da república, ele não é uma forma de governo. Isso significa que o império é compatível a priori com diferentes formas de governo. O primeiro artigo na Constituição de Weimar afirmava "o Reich Alemão é uma república". Mesmo em 1978, a corte constitucional de Karlsruhe não hesitou em afirmar que "o Reich Alemão permanece sujeito do direito internacional". A melhor maneira de entender a realidade substantiva do império é por sua comparação com a nação ou do Estado-Nação, este representando o fim de um processo de formação de nacionalidade para a qual a França mais ou menos fornece o melhor exemplo.

Em seu significado atual, a nação aparece como um fenômeno moderno. Neste sentido, tanto Colette Beaune [1] como Bernard Guenée estão errados ao situarem o nascimento da nação cedo demais na história. Essa ideia se apoia em anacronismos; ela confunde "real" com "nacional", a formação da nacionalidade com a formação da nação. A formação da nacionalidade corresponde com o nascimento de um senso de pertencimento que começa para ir além do simples horizonte natual durante a guerra contra os plantagenetas, um senso reforçado durante a Guerra dos Cem Anos. Mas não se deve esquecer que na Idade Média a palavra "nação" (de natio, "nascimento") tinha um sentido exclusivamente étnico, as nações da Sorbonne são simplesmente grupos de estudantes que falam um idioma diferente. Da mesma maneira, a palavra "país", que só apareceu na França com os humanistas do século XVI (Dolet, Ronsard, Du Bellay), originalmente se referia à noção medieval de "pátria". Quando mais que uma mera ligação à terra do próprio nascimento, o "patriotismo" é fidelidade ao senhor ou lealdade à pessoa do rei. Mesmo a palavra "França" apareceu relativamente tarde. Começando com Carlos III (chamado o Simples), o título levado pelo rei da França era Rex Francorum. A expressão Rex Franciae só apareceu no início do século XIII, sob Filipe-Augusto, após a derrota do Conde de Toulouse au Muret, que culminou com a anexação dos países falantes da langue d'oc e com a perseguição dos cátaros.

A ideia de nação estava plenamente constituída apenas no século XVIII, especialmente durante a revolução. No início, ela se referia a um conceito de soberania oposto ao da monarquia absoluta. Ela reunia aqueles que pensavam o mesmo politicamente e filosoficamente, não era mais o rei, mas a "nação" que incorporava a unidade política do país. Finalmente, ela era o local abstrato no qual o povo podia conceber e exercer seus direitos, onde indivíduos eram transformados em cidadãos.

Em primeiro lugar, a nação é o povo soberano que, na melhor das hipóteses, delega ao rei somente o poder de aplicar a lei emanando da vontade geral; então ela é aquelas pessoas que reconhecem a autoridade de um Estado, habitam o mesmo território e reconhecem um ao outro como membros da mesma unidade política; finalmente, ela é a própria unidade política. É por isso que a tradição contrarrevolucionária, que exalta o princípio aristocrático, inicialmente se recusa a valorizar a nação. Por outro lado, o artigo 3 da Declaração de Direitos de 1789 proclama "O princípio de que toda soberania reside essencialmente na nação". Bertrand de Jouvenel até mesmo escreveu que: "Em retrospecto, o movimento revolucionário parece ter tido como seu objetivo a fundação do culto da nação"[2].

O que distingue o império da nação? Em primeiro lugar, o fato de que o império não é primariamente um território, mas essencialmente uma ideia ou um princípio. A ordem política é determinada por ele, não por fatores materiais ou pela posse de uma área geográfica. Ela é determinada por uma ideia espiritual ou jurídica. Neste sentido, seria um equívoco grave pensar que o império difere da nação primariamente em termos de tamanho no sentido de ser de alguma forma "uma nação maior que outras". É claro, um império cobre um espaço amplo. O que é importante, porém, é que o imperador possui poder por virtude de incorporar algo que vai além da mera posse. Como dominus mundi, ele é o suserano de príncipes e reis, i.e., ele governo sobre soberanos, não sobre territórios, e representa um poder transcendendo a comunidade que ele governa.

Julius Evola escreve: "O império não deve ser confundido com os reinos e nações que o consituem porque ele é algo qualitativamente diferente, anterior e acima de cada um deles em termos de seus princípios." [3] Antes de expressar um sistema de hegemonia territorial supranacional, "a velha noção romana de imperium se referia ao puro poder de comando, a força quase-mística de auctoritas". Durante a Idade Média, a distinção dominante era precisamente uma entre auctoritas (superioridade moral e espiritual) e potestas (simples poder público político exercido por meios legais). Tanto no império medieval quanto no Sacro Império Romano, essa distinção subjaz a separação entre autoridade imperial e a autoridade soberana do imperador sobre um povo particular. Por exemplo, Carlos Magno era parte imperador e parte rei dos lombardos e francos. A partir de então, a lealdade ao imperador não era submissão a um povo ou a um país específico. Da mesma maneira, no império austro-húngaro, lealdade à dinastia dos Habsburgos constituía "o elo fundamental entre povos e substituía o patriotismo" (Jean Béranger);ela sobrepujava relações de caráter nacional ou confessional.

Este caráter espiritual do princípio imperial provocou diretamente a famosa querela sobre investiduras que colocou partidários do papa e do imperador um contra o outro por muitos séculos. Carente de qualquer conteúdo militar, a noção de império originalmente adquiriu um forte matiz teológico no mundo germânico medieval, onde se podia ver uma reinterpretação cristã da ideia romana de imperium. Se considerando os executores da história sagrada universal, os imperadores deduziram daí a ideia de que o império, como instituição "sagrada" (Sacrum Imperium), deve constitir um poder autônomo em relação ao papa. Essa é a razão para a querela entre guelfos e guibelinos.

Os seguidores do imperador que negavam as pretensões do papa, os guibelinos, encontravam apoio na antiga distinção entre imperium e sacerdotium, vistas como duas esferas igualmente importantes instituídas por Deus. Esta interpretação era uma extensão do conceito romano de relações entre o imperador e o pontifex maximus, cada um sendo superior ao outro em sua respectiva ordem. A perspectiva guibelina era não sujeitar a autoridade espiritual ao poder temporal, mas reivindicar para o poder imperial uma autoridade espiritual igual face às pretensões exclusivas da Igreja. Essa renovatio, que faz do imperador a fonte essencial da lei e confere a ele o caráter de "lei viva na terra" (lex animata in terris), encapsula a reivindicação guibelina: como o papa, o império deve ser reconhecido como uma instituição sagrada em natureza e caráter. Evola enfatiza que a oposição entre guelfos e guibelinos "não era somente política...ela expressava o antagonismo de duas grandes dignitates, ambas reivindicando uma dimensão espiritual... Em seu nível mais profundo, o guibelinismo sustentava que durante sua vida na terra (vista como disciplina, combate e serviço) o indivíduo podia transcender a si mesmo...por meio da ação e sob o signo do império, segundo o caráter da instituição 'sobrenatural' garantida a ela" [4].

Daqui em diante, o declínio do império ao longo dos séculos é consistente com o declínio do papel central desempenhado por seu princípio e, correspondentemente, com seu movimento rumo a uma definição puramente territorial. O Império Romano-Germânico já havia mudado quando a tentativa foi feita tanto na Itália como na Alemanha de ligá-la a um território privilegiado. Esta ideia está ainda ausente em Dante, para quem o imperador não é nem alemão, nem italiano, mas "romano" no sentido espiritual, i.e., um sucessor de César e Augusto. Em outras palavras, o império não pode se transformar em uma "grande nação" sem entrar em colapso porque, nos termos do princípio que o anima, nenhuma nação pode assumir e exercer uma função governante superior se ela não se ergue sobre suas lealdades e interesses particulares. "O império no verdadeiro sentido", Evola conclui, "só pode existir se animado por um fervor espiritual... Se isso está ausente, só se terá uma criação forjada pela violência, imperialismo, uma simples superestrutura mecânica sem alma" [5].

De sua parte, a nação encontra sua origem na pretensão que o reino tem de dar a si prerrogativas imperiais relacionando-as não a um princípio, mas a um território. Seus primórdios podem ser localizados na divisão do Império Carolíngio após o Tratado de Verdun. Naquele ponto, França e Alemanha, se é que se pode chamá-las assim, passaram a ter destinos separados. Esta permaneceu na tradição imperial, enquanto o reino dos francos (Regnum Francorum), se separando da comunidade germânica, lentamente evoluiu na direção da nação moderna pelo intermediário do Estado monárquico. O fim da dinastia carolíngia data do século X: 911 na Alemanha, 987 na França. Eleito em 987, Hugo Capeto foi o primeiro rei que não compreendia francique. Ele também foi o primeiro soberano que se situou claramente fora da tradição imperial, o que explica o motivo para que, na Divina Comédia, Dante o faz dizer: "Eu fui o teto maligno cuja sombra escureceu toda terra cristã!".

Nos séculos XIII e XIV, o reino da França foi construído contra o império com Filipe-Augusto (Bouvines, 1214) e Filipe, o Belo (Agnani, 1303). Tão cedo quanto 1204, o Papa Inocêncio III declarou que "é publicamente sabido que o rei da França não reconhece qualquer autoridade acima dele no reino temporal". Tal como a lenda troiana foi instrumentalizada, toda uma obra de legitimação "ideológica" permitiu que o império fosse oposto pelo princípio da soberania de reinos nacionais e seu direito a não reconhecer qualquer lei além de seu próprio interesse. O papel de juristas, tão bem enfatizado por Carl Schmitt, é fundamental aqui. Em meados do século XIII foram eles que formularam a doutrina segundo a qual "o rei da França, que não vê ninguém acima dele no reino temporal, está isento do império e pode ser considerado como um princeps in regno suo" [6]. Essa doutrina foi ainda mais desenvolvida nos séculos XIV e XV com Pierre Dubois e Guillaume de Nogaret. Ao se proclamar "imperador em seu próprio reino" (rex imperator in regno suo), o rei opôs sua soberania territorial à soberania espiritual do império, seu poder puramente temporal foi oposto ao poder espiritual imperial. Ao mesmo tempo, juristas tomaram o lado da centralização contra liberdades locais, e contra as aristocracias feudais, graças especialmente à instituição do cas royal. Eles fundaram uma ordem jurídica, burguesa em caráter, na qual a lei, concebida como normal geral com atributos racionais, se tornou a base de um poder puramente estatista. A lei foi transformada em simples legalidade codificada pelo Estado. No século XVI, a fórmula do rei como "imperador em seu próprio reino" foi diretamente associada com a ideia de soberania, sobre a qual Jean Bodin teorizou. Schmitt ressalta que a França foi o primeiro país no mundo a criar uma ordem pública completamente emancipada do modelo imperial.

O que aconteceu depois é bastante sabido. Na França, a nação surgiu sob o duplo signo do absolutismo centralizador e da ascensão da burguesia. Aqui o papel principal recaiu sobre o Estado. Quando Luís XIV disse "L'Etat c'est moi", ele queria dizer que não havia nada acima do Estado. O Estado cria a nação, que por sua vez "produz" o povo francês; enquanto na idade moderna e em países com uma tradição imperial, o povo cria a nação, que então cria um Estado. Os dois processos de construção histórica estão, assim, inteiramente opostos e essa oposição está baseada na diferença entre a nação e o império. Como se tem apontado com frequência, a história da França tem sido uma luta constante contra o império. A política secular da monarquia francesa estava dirigida primariamente a desintegrar os espaços germânico e italiano. Após 1792, a república assumiu os mesmos objetivos: a luta contra a casa da Áustria e a conquista do Reno.

A oposição entre o princípio espiritual e o poder territorial não é a única. Outra diferença essencial concerne a maneira pela qual o império e a nação pensam a unidade política. A unidade do império não é mecânica, mas orgânica, que vai além do Estado. Na medida em que ele incorpora um princípio, o império só visualiza uma unidade no nível daquele princípio. Enquanto a nação engendra sua própria cultura ou encontra apoio na cultura no processo de sua formação, o império abraça várias culturas. Enquanto a nação tenta fazer o povo corresponder ao Estado, o império associa diferentes povos.

O princípio do império tenta reconciliar o um e o múltiplo, o particular e o universal. Sua lei geral é a da autonomia e do respeito pela diversidade. O império tenta unificar em um nível superior, sem suprimir a diversidade de culturas, constituições étnicas e povos. Ele é um todo cujas partes são autônomas em proporção à solidez do que as une. Estas partes são diferenciadas e orgânicas. Em contraste à societas unitária e centralizada do reino nacional, o império incorpora a clássica imagem de universitas. Moeller van den Bruck corretamente viu o império como uma unidade de opostos, enquanto Evola o definiu como "uma organização supranacional tal que sua unidade não tende a destruir ou nivelar a multiplicidade étnica e cultural que ela abraça", [7] acrescentando que o princípio imperial torna possível "recuar da multiplicidade de elementos diversos para um princípio que é, ao mesmo tempo, superior e anterior a sua diferenciação, uma diferenciação que procede somente da realidade sensível". Assim, não é uma questão de abolir, mas integrar a diferença.

No auge do Império Romano, Roma era uma ideia, um princípio, que tornava possível unir diferentes povos sem convertê-los ou suprimi-los. O princípio de imperium, que já operava na Roma republicana, refletia a vontade de realizar uma ordem cósmica sempre ameaçada. O Império Romano não demandava deuses ciumentos. Ele admitia outras divindades, conhecidas ou desconhecidas, e o mesmo é o caso na ordem política. O império aceitava cultos estrangeiros e a diversidade de códigos jurídicos. Cada povo era livre para organizar sua federação nos termos de seu conceito tradicional de direito. A jus romana prevalecia apenas em relações entre indivíduos de diferentes povos ou em relações entre federações. Era possível ser um cidadão romano (civis romanus sum) sem abandonar a própria nacionalidade.

Essa distinção (estranha ao espírito da nação) entre o que hoje é chamado de nacionalidade e cidadania pode ser encontrada no Império Romano-Germânico. O Reich medieval, uma instituição supranacional (porque animada por um princípio além da ordem política), era fundamentalmente pluralista. Ele permitia que as pessoas vivessem suas próprias vidas segundo sua própria lei. Na linguagem moderna, ele era caracterizado por um destacado "federalismo" particularmente apto em respeitar minorias. Afinal, o Império Austro-Húngaro funcionou eficientemente por séculos enquanto minorias começaram a constituir a maioria de sua população (60% do total). Ele reuniu italianos e romenos, bem como judeus, sérvios, russos, alemães, poloneses, tchecos, croatas e húngaros. Jean Béranger escreve que "os Habsburgos sempre foram indiferentes ao conceito de Estado-Nação", mesmo ao ponto de que este império, fundado pela casa da Áustria, por muitos séculos se recusou a criar uma "nação austríaca", o que realmente só tomou forma no século XX [8].

Inversamente, o que caracteriza o reino nacional é sua tendência irresistível à centralização e homogeneização. O investimento de espaço do Estado-Nação é primeiro revelado em um território no qual uma soberania política homogênea é exercida. Essa homogeneidade pode, primeiro, ser apreendida na lei: unidade territorial resulta da uniformidade de normas jurídicas. A luta secular da monarquia contra a nobreza feudal, especialmente sob Luís XI, a aniquilação das civilizações dos países nos quais a langue d'oc era falada, a afirmação do princípio da centralização sob Richelieu, tudo tendia na mesma direção. Neste sentido, os séculos XIV e XV marcaram uma transição fundamental. Durante este período o Estado emergiu como o vencedor contra aristocracias feudais e garantiu sua aliança com a burguesia ao mesmo tempo que uma ordem jurídica centralizada foi posta no lugar. Simultaneamente, o mercado econômico "nacional" apareceu. Graças à monetarização de todas as formas de troca (trocas não-comerciais, intracomunitárias não sendo taxadas antes disso), ele respondeu à vontade do Estado de maximizar suas rendas fiscais. Como Pierre Rosanvallon explica: "o Estado-Nação é uma maneira de compor e articular espaço global. Da mesma maneira, o mercado é primariamente uma maneira de representar e estrutura espaço social; apenas secundariamente ele é um mecanismo descentralizado para regular atividade econômica através de um sistema de preços. A partir dessa perspectiva, o Estado-Nação e o mercado se referem à mesma forma de socialização dos indivíduos dentro do espaço. Eles são concebíveis apenas em uma sociedade atomizada na qual o indivíduo é considerado autônomo. Tanto nos sentidos sociológico e econômico desses termos, um Estado-Nação e um mercado não podem existir em espaços em que a sociedade se desdobre como entidade global e social" [9].

Não há dúvida de que o absolutismo monárquico pavimentou o caminho para as revoluções nacionais burguesas. Após Luís XIV romper as últimas resistências da nobreza, a revolução era inevitável quando a burguesia poderia, por sua vez, ganhar sua autonomia. Mas também não há dúvida de que, em muitos sentidos, a revolução só portou e acelerou as tendências do Ancien Régime. Assim, Tocqueville escreveu: "A Revolução Francesa causou muitas coisas secundárias e subordinadas, mas ela realmente só desenvolveu o núcleo das coisas mais importantes; essas existiam antes dela... Com os franceses, o poder central já havia assumido o controle sobre a administração local mais do que em qualquer outro país do mundo. A revolução só tornou este poder mais habilidoso, poderoso e empreendedor" [10].

Sob a monarquia, como sob a república, a lógica "nacional" tentou eliminar qualquer coisa que pudesse interferir entre o Estado e o indivíduo. Ela tentou integrar indivíduos às mesmas leis de uma maneira unificada; ela não tentou reunir coletividades livres para preservar suas linguagens, culturas e leis. O poder estatal foi exercido sobre sujeitos individuais, razão pela qual ele constantemente destruiu ou limitou o poder de todas as formas de socialização intermediária: clãs familiares, comunidades aldeãs, confraternidades, corporações de ofício, etc. A lei de 1791 contra as corporações (loi Le Chapelier) assim, encontrou seu precedente na supressão, determinada por Francisco I, de "todas as confraternidades de ofícios e artesãos por todo o reino" em 1539, uma decisão que à época teve como alvo os artesãos pertencentes a sociedades ditas como de dever. Com a revolução, é claro, essa tendência se acelerou. A reestruturação do território em departamentos de tamanho mais ou menos igual, a luta contra o "espírito provinciano", a supressão de particularidades, a investida contra os idiomas regionais e os "patois", a padronização de pesos e medidas, representam uma obsessão real com por tudo em alinhamento. Nos termos da velha distinção de Ferdinand Tönnies, a nação moderna emerge quando a sociedade se ergue sobre as ruínas de velhas comunidades.

Este componente individualista do Estado-Nação é essencial aqui. O império demanda a preservação da diversidade de grupos; por sua própria lógica, a nação só reconhece indivíduos. Se é membro do império de maneira mediada por estruturas intermediárias. Inversamente, se pertence à nação de maneira imediata, i.e., sem a mediação de laços locais, corpos ou estamentos. A centralização monárquica foi essencialmente jurídica e política; ela, assim, apontava para o trabalho de construção do Estado. A centralização revolucionária, que acompanhou a emergência da nação moderna, foi ainda mais longe. Ela objetivava "produzir uma nação" diretamente, i.e., engendrar novos modos sociais de comportamento. O Estado, então, se tornou produtor do social, um produtor monopolista: ele tentou estabelecer uma sociedade de indivíduos reconhecidos como iguais a nível secular, sobre as ruínas dos corpos intermediários que ele havia suprimido [11].

Como Jean Baechler aponta, "na nação os grupos intermediários são vistos como irrelevantes em relação a cidadania e assim tendem a se tornar secundários e subordinados" [12]. Louis Dumont se pronuncia segundo linhas similares, de que o nacionalismo resulta da transferência da subjetividade característica do individualismo ao nível de uma coletividade abstrata. "No sentido mais preciso e moderno do termo, 'nação' e 'nacionalismo' (distinto do simples patriotismo) tem sido historicamente parte e parcela do individualismo enquanto valor. A nação é apenas um tipo de sociedade global que corresponde ao reino do individualismo enquanto valor. Não só a nação acompanha o individualismo historicamente, a interdependência entre eles é tão indispensável que se poderia dizer que a nação é uma sociedade global composta de pessoas que se consideram indivíduos" [13].

O individualismo, entremeado com a lógica da nação, está obviamente oposto ao holismo da construção imperial, onde o indivíduo não está dissociado de suas conexões naturais. No império a mesma cidadania é composta de diferentes nacionalidades. Na nação os dois termos são sinônimos: pertencer a uma nação é a base da cidadania. Pierre Fougeyrollas resume a situação nestes termos: "Rompendo com sociedades medievais que possuíam uma identidade bipolar, a das raízes étnicas e da comunidade de crentes, as nações modernas são constituídas como sociedades fechadas em que a única identidade oficial é aquela que o Estado confere aos cidadãos. Assim, em termos de seu nascimento e fundações, a nação tem sido um anti-império. A Holanda se originou de uma ruptura com o Império Habsburgo; a Inglaterra se originou em uma ruptura com Roma e o estabelecimento de uma religião nacional. A Espanha só se tornou castelhana escapando das garras do sistema habsburgo, e a França, que foi lentamente constituída como nação contra o Império Romano-Germânico, só se tornou uma nação combatendo forças tradicionais por toda a Europa" [14].

O império nunca é uma totalidade fechada, ao contrário da nação, que tem sido cada vez mais definida por fronteiras intangíveis. As fronteiras do império são naturalmente fluidas e provisórias, o que reforça seu caráter orgânico. Originalmente, a palavra "fronteira" tinha um significado exclusivamente militar: a linha de frente. No início do século XIV, sob o reinado de Luís X ("Luís o Obstinado") na França, a palavra frontiere substituiu marche, que havia sido comumente utilizada até então. Mas ainda levaria quatro séculos antes de ela adquirir seu significado atual de delimitação entre dois Estados. Ao contrário da lenda, a ideia de uma "fronteira natural", que juristas às vezes utilizavam no século XV, jamais inspirou a política externa da monarquia. Sua origem é às vezes equivocadamente atribuída a Richelieu, ou mesmo a Vauban. Na verdade, somente durante a revolução que foi essa ideia, segundo a qual a nação francesa teria "fronteiras naturais", usada sistematicamente. Sob a Convenção especialmente, os girondinos a utilizaram para legitimar o estabelecimento da fronteira oriental na margem esquerda do Reno e, mais geralmente, para justificar suas políticas de anexação. É também durante a revolução que a ideia jacobina de que as fronteiras de um Estado devem todas imediatamente corresponder às de um idioma, uma autoridade política e uma nação começa a se espalhar por todo lado na Europa. Finalmente, é a Convenção que inventou a noção de "estrangeiros internos" (da qual Charles Maurras paradoxalmente faria grande uso) aplicando-a a aristocratas que apoiavam um sistema político desprezado: definindo-os como "estranhos em nosso meio", Barrère afirma que "os aristocratas não tem pátria".

Mesmo com seu princípio e vocação universal, o império não é universalista no sentido atual do termo. Sua universalidade nunca significou expansão por sobre todo o planeta. Ao invés, ele está conectado à ideia de uma ordem equitativa buscando federar povos com base em uma organização política concreta. Desde esta perspectiva, o império, que rejeita qualquer objetivo de conversão ou padronização, difere de um hipotético Estado-Mundo ou da ideia de que há princípios jurídico-políticos universalmente válidos a todo momento e em todos os lugares.

Como o universalismo está diretamente ligado ao individualismo, o universalismo político moderno deve ser concebido nos termos das raízes individualistas do Estado-Nação. A experiência histórica mostra que o nacionalismo usualmente assume a forma de um etnocentrismo exacerbado a dimensões universais. Em muitas ocasiões, a nação francesa quis ser "a mais universal das nações", e é a partir da universalidade de seu modelo nacional que ela reivindicou seu direito de disseminar seus princípios por todo o mundo. À época em que a França queria ser "a irmã mais velha da Igreja", o monge Guibert de Nogent, em sua Gesta Dei per Francos, fez dos francos o instrumento de Deus. De 1792 em diante, o imperialismo revolucionário também tentou converter toda a Europa à ideia do Estado-Nação. Desde então, não tem havido falta de vozes autorizadas para garantir que a ideia francesa de nação seja ordenada à ideia da humanidade, e que é isso que a tornaria particularmente "tolerante". Pode-se questionar essa pretensão já que a proposição pode ser invertida: se a nação é ordenada à humanidade, é porque a humanidade é ordenada à nação. Com este corolário, aqueles opostos a ela estão excluídos não só de uma nação particular, mas da espécie humana como um todo.

A palavra império deve ser reservada apenas para as construções históricas merecedoras desse nome, tal como o Império Romano, o Império Bizantino, o Império Romano-Germânico ou o Império Otomano. O Império Napoleônico, o Terceiro Reich de Hitler, os impérios coloniais francês e britânico, e os imperialismos modernos de tipo americano e soviético certamente não são impérios. Tal designação só é dada abusivamente a empreendimentos ou potências meramente engajadas em expandir seu território nacional. Essas "grandes potências" modernas não são impérios, mas nações que simplesmente querem expandir, por meios militares, políticos, econômicos ou outros, para além de suas fronteiras atuais.

Na era napoleônica, o "império" (um termo já usado para designar a monarquia antes de 1789, mas simplesmente no sentido de "Estado") era uma entidade nacional-estatista tentanto se impôr na Europa como grande potência hegemônica. O império de Bismarck, que deu prioridade ao Estado, também tentou criar a nação alemã. Alexandre Kojève observou que o slogan de Hitler: Ein Volk, ein Reich, ein Führer é somente uma tradução alemão da palavra-guia nacionalista da Revolução Francesa: la Republique une et indivisible. A hostilidade do Terceiro Reich à ideia de império também é visível em sua crítica da ideologia de corpos e "estamentos" intermediários [15]. Uma visão centralista e redutora sempre prevaleceu no "império" soviético, implicando um espaço político-econômico unificado graças a um conceito restritivo de combates culturais locais. Quanto ao "modelo" americano, que tenta converter todo o planeta em um sistema homogêneo de consumo material e práticas técnico-econômicas, é difícil ver que ideia, que princípio espiritual, ele reivindicaria!

"Grandes potências" não são realmente impérios. Na verdade, os imperialismos modernos devem ser desafiados em nome do que um império realmente é. Evola não pensava de maneira diferente quando ele escreveu: "Sem um Meurs et deviens, nenhuma nação pode aspirar a uma missão imperial efetiva e legítima. Não é possível preservar as próprias características nacionais e então desejar, com base nisso, dominar o mundo ou simplesmente outro lugar" [16]. E novamente: "Se as tendências 'imperialistas' da era moderna foram abortivas porque elas usualmente aceleram a decadência dos povos que cede a eles, ou se elas tem sido a fonte de todos os tipos de calamidades, é precisamente porque elas carecem de qualquer elemento realmente espiritual, suprapolítico e supranacional; este é substituído pela violência de um poder que é maior do que o que se deseja subjugar mas que não é de natureza diferente. Se um império não é um império sagrado, ele não é um império mas um tipo de câncer atacando todas as distintas funções de um organismo vivo" [17].

Por que pensar sobre o conceito de império hoje? Não seria puramente quimérico clamar pelo renascimento de um verdadeiro império? Talvez. Mais será um acidente que, mesmo hoje, o modelo do Império Romano continua a inspirar todas as tentativas de se superar o Estado-Nação? Seria um acidente se a ideia de império (o Reichsgedanke) ainda mobiliza reflexão em uma época na qual o pensamento está em desordem? [18] E não seria essa ideia de império que subjaz todos os debates que atualmente cercam a construção da Europa? Seria o Estado-Nação insubstituível? Muitos da esquerda e da direita já o disseram. Esta é, notavelmente, a posição de Charles Maurras. Segundo ele, a nação é "o maior dos círculos comunitários temporalmente sólidos e completos" [19]. Ele declarou que "não há estrutura política maior que a nação" [20]. Thierry Maulnier respondeu: "O culto da nação não é, em si mesmo, uma resposta mas um refúgio, uma efusão mistificadora, ou pior ainda, uma distração formidável de problemas internos" [21].

O que basicamente move o mundo hoje está além do Estado-Nação. Este encontra sua estrutura de ação, sua esfera de tomada de decisões, despedaçada por muitas rupturas. A nação é desafiada tanto por cima quanto por baixo. Ela é desafiada por baixo por novos movimentos sociais: pela persistência de regionalismos e novas reivindicações comunitárias. É como se as formas intermediárias de socialização que ela outrora descartou nascessem novamente hoje sob novas formas. O divórvio entre sociedade civil e a classe política está refletido na proliferação de redes e na multiplicação de "tribos". Mas a nação também é desafiada por cima por fenômenos sociais usualmente pesados que zombam das fronteiras nacionais. O Estado-Nação é despido de seus poderes pelo mercado mundial e pela competição internacional, pela formação de instituições supranacionais ou comunitárias, por burocracias intergovernamentais, aparatos técnico-científicos, mensagens midiáticas globais ou grupos internacionais de pressão. Ao mesmo tempo, há a expansão externa cada vez mais clara de economias nacionais às custas de mercados internos. A economia está se tornando globalizada por causa de forças interatuantes, multinacionais, o mercado de ações, macro-organizações globais.

A imagética das nações também parece estar em crise e aqueles que falam de "identidade nacional" tem, geralmente, dificuldade para defini-la. O modelo nacional de integração parece ter se exaurido. A evolução da política rumo a um sistema de autoridades tecnogerenciais, que põe em efeito a implosão da realidade política, confirma que a lógica das nações não é mais capaz de integrar qualquer um ou garantir a regulação de relações entre um Estado criticado em todas as frentes e uma sociedade civil que se desintegra. Assim, a nação é confrontada com o crescimento de certas identidades coletivas ou comunitárias no mesmo momento em que os centros globais de tomada de decisão dão uma imagem sombria dela. Daniel Bell expressou isso quando falou que os Estados-Nações se tornaram grandes demais para problemas pequenos e pequenos demais para os grandes. Privado de qualquer base histórica real, o Estado-Nação no Terceiro Mundo parece ser uma importação ocidental. A viabilidade de longo praz de, por exemplo, "nações" africanas negras ou do oriente próximo, parece cada vez mais incerta. Na verdade, essas nações são o resultado de uma série de decisões arbitrárias de potências coloniais profundamente ignorantes sobre realidades históricas, religiosas e culturais locais. O desmonte dos impérios otomano e do austro-húngaro como resultado dos tratados de Sevres e Versailles foi uma catástrofe cujos efeitos ainda são sentidos hoje, como a Guerra do Golfo e conflitos renovados na Europa Central mostram.

Em tais condições, como pode a ideia de império ser ignorada? Hoje ela é o único modelo que a Europa produziu como alternativa ao Estado-Nação. As nações estão tanto ameaçadas quanto exauridas. Elas devem ir além de si mesmas se não quiserem acabar como protetorados da superpotência americana. Elas só podem fazer isso tentando reconciliar o um e o múltiplo, buscando uma unidade que não leve a seu empobrecimento. Há sinais inequívocos disso. O fascínio com a Áustria-Hungria e o renascimento da ideia de Mitteleuropa [22] estão entre eles. O clamor pelo império nascerá da necessidade. O trabalho que Kojève escreveu em 1945, só recentemente publicado, é notável. Nele ele faz um apelo fervoroso pela formação de um "Império Latino" e expõe a necessidade do império como alternativa ao Estado-Nação e à universalidade abstrata. "O liberalismo", ele escreveu, "está errado em não ver entidade política fora da nação. O internacionalismo peca porque ele não vê nada politicamente viável além da humanidade. Ele também foi incapaz de descobrir a realidade política intermediária de impérios, i.e., de uniões, mesmo fusões internacionais, de nações relacionadas, que é a própria realidade política de hoje" [23].

De modo a criar a si mesma, a Europa demanda uma unidade de tomada de decisões políticas. Mas essa unidade política europeia não pode ser construída sobre o modelo nacional jacobino se não se quiser ver a riqueza e diversidade de todos os componentes europeus desaparecerem. Ela também não pode resultar da supranacionalidade econômica sonhada por tecnocratas de Bruxelas. A Europa só pode criar a si mesma nos termos de um modelo federal, mas um modelo federal que seja o veículo para uma ideia, um projeto, um princípio, i.e., em última análise, um modelo imperial. Tal modelo tornaria possível resolver problemas de culturas regionais, minorias étnicas e autonomias locais, que não encontrarão solução verdadeira dentro da estrutura do Estado-Nação. Ele também tornaria possível repensar todo o problema das relações entre cidadania e nacionalidade à luz de certos problemas que surgem da imigração recente. Ele permitiria que se entendesse os perigos ressurgentes do irredentismo etnolinguístico e do racismo jacobino. Finalmente, por causa do lugar importante que ele dá à ideia de autonomia, ele daria espaço para procedimentos democráticos de base. Princípio imperial acima, democracia direta abaixo: é isso que renovaria uma velha tradição!

Hoje há muito falatório sobre uma nova ordem mundial, e certamente uma é necessária. Mas sob que estandarte ela assumirá forma? O estandarte do homem-máquina, do "homem-computador", ou sob o estandarte de uma organização diversificada de povos vivos? Será a Terra reduzida a algo homogêneo por causa das tendências desculturalizadoras e despersonalizantes para as quais o imperialismo americano é, agora, o vetor mais cínico e arrogante? Ou irão as pessoas encontrar os meios para a resistência necessária em suas crenças, tradições e jeitos de ver o mundo? Essa é realmente a questão decisiva que foi levantada no início do próximo milênio.

Quem quer que diga federação, diz princípio federalista. Quem quer que diga império, diz princípio imperial. Hoje essa ideia não parece aparecer em lugar nenhum. Ainda assim, ela está escrita na história. É uma ideia que precisa ainda encontrar seu tempo. Mas ela tem um passado e um futuro. Também é uma questão de tornar cara uma origem. À época da Guerra dos Cem Anos, o mote de Louis d'Estouteville era, "Onde a honra estiver, onde a lealdade estiver, lá estará meu país". Nós temos nossa nacionalidade e temos orgulho dela. Mas também é possível ser cidadãos de uma ideia na tradição imperial. É isso que Evola defende: "Apenas a ideia deve representar o país... Não é o fato de pertencer ao mesmo solo, falar a mesma língua, ou ter a mesma linhagem sanguínea que deve nos unir ou dividir, mas o fato de apoiar ou não apoiar a mesma ideia" [24]. Isso não significa que as raízes não são importantes. Ao contrário, elas são essenciais. Só significa que tudo deve ser posto em perspectiva. Essa é toda a diferença entre origem enquanto princípio e origem enquanto pura subjetividade. Somente a origem concebida como um princípio torna possível defender a causa dos povos, de todos os povos, e compreender que, longe de ser uma ameaça à própria identidade, a identidade dos outros, na verdade, desempenha um papel no que nos permite defender nossa identidade contra um sistema global que almeja destruí-las. É necessário afirmar a superioridade da ideia que preserva a diversidade para o benefício de todos. É necessário afirmar o valor do princípio imperial.

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[1] Naissance de la nation France (Paris: Gallimard, 1985).
[2] Les débuts de l’État moderne. Une histoire des idées politiques au XIXe siècle (Paris: Fayard, 1976) p. 92.
[3] Révolte contre le monde moderne (Montreal: L’Homme, 1972) p. 121.
[4] Les hommes au milieu des ruines (Paris: Sept Couleurs, 1972) p. 141.
[5] Essais politiques (Puiseaux: Pardès, 1988) p. 86.
[6] Robert Folz, Le coronnement impérial de Charlemagne (Paris: Gallimard, 1964).
[7] Essais politiques, op. cit., p. 83.
[8] Histoire de l’empire des Habsbourg 1273-1918 (Paris: Fayard, 1990).
[9] Le libéralisme économique. Histoire de l’ldée de marché (Paris: Seuil, 1989) p. 124.
[10] L’Ancien Régime et la Révolution, Vol. I (Paris: Gallimard, 1964) p. 65. (First edition 1856).
[11] Cf. Pierre Rosanvallon, L’État en France de 1789 à nos jours (Paris: Seuil, 1990).
[12] ‘Dépérissement de la nation?’ in Commentaire (Spring, 1988) p. 104.
[13] Essais sur l’individualisme (Paris: Seuil, 1983) pp. 20-1.
[14] La nation, essor et déclin des sociétés modernes, (Paris: Fayard, 1987) p. 931.
[15] Cf. Justus Beyer, Die Standeideologien der Systemzeit und ihre Uberwindung (Darmstadt, 1942).
[16] Essais politiques, op. cit., p. 62.
[17] Révolte contre le monde moderne, op. cit., p. 124.
[18] Durante a República de Weimar, houve um crescimento real em publicações sobre a ideia de império e do "pensar sobre o Reich" (Reichsgedanke). Sobre este tema, ver Fritz Buchner, ed., Was ist das Reich? Eine Aussprache unter Deutschen (Oldenburg: Gerhard Stalling, 1932); Herbert Krüger, ‘Der Moderne Reichsgedanke’, in Die Tat (December 1933) pp. 703-15 and (January 1934) pp. 795-804; Edmund Schopen, Geschichte der Reichsidee, 8 Volumes, (Munich: Carl Rohrig, 1936); Peter Richard Rohden, Die Idee des Reiches in der Europäischen Geschichte (Oldenburg: Gerhard Stalling, 1943); Paul Goedecke, Der Reichsgedanke im Schriftum von 1919 bis 1935 (Marburg: Doctoral thesis, 1951). Os autores que trabalham este tema geralmente discordam do significado da ideia de império e da relação entre o Reich germânico medieval e o imperium de Roma. Nos círculos católicos, a apologia do império usualmente expressa nostalgia pela unidade cristã medieval antes das guerras religiosas. O conceito do Reich como "Santa Aliança" ou como uma "realidade sacramental" frequentemente aponta ao romantismo (Novalis, Adam Müller) mas também a Constantin Franz. Em outros sentidos, a ideia de um "terceiro império" porta representações quiliásticas do fim da Idade Média (a anunciação do Reinado do Espírito por Joachim de Fiore). No lado protestante, se encontra os "teólogos do Reich", especialmente em Friedrich Gogarten’s Politische Ethik(Jena: Eugen Diederichs, 1932), Wilhelm Stapel’s Der Christliche Staatsmann: Eine Theologie der Nationalismus (Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt, 1932) ou Friedrich Hielscher’s Das Reich (Berlin: Reich, 1931), mas desde uma perspectiva diferente. Em Stapel, a ideia principal é a de um Reich nacional tendo seu próprio "nomos" com um caráter pluriétnico destacado, mas santificando a hegemonia alemã. Ver sua resposta aos defensores do Reich Católico, ‘Der Reichsgedanke zwischen den Konfessionen’, em Deutsches Volkstum, (15 November 1932) pp. 909-16. Em Moeller van den Bruck, este conceito secularizado e estritamente alemão de império é ainda mais enfatizado. Muito crítico do Sacro Império Romano, Moeller acusa Staufen de ter sido tomado pela "miragem italiana", e de querer fazer o imperium romanum (a "periferia") viver novamente, ao invés de tentar unificar o povo alemão (o "centro"). Essa é a razão para sua estranha simpatia para com os guelfos e para sua preferência pelo Deutsches Reich deutscher Nation em oposição ao Heiliges römisches Reich. Após 1933, a discussão sobre a ideia de Reich (Reichsidee) foi realizada fora de círculos oficiais. Para Carl Schmitt, a noção de império é a representação central de uma nova ordem política de direita de povos associados com a noção de "grande espaço (Grossraum), uma ideia fortemente criticada pelos apoiadores de uma noção puramente alemã e völkisch de império. Estes apoiadores viam no Reich a força organizadora de um "espaço vivo" fundado na substância "biológica" dos povos alemães. Este argumento é usado por Reinhard Höhn (‘Großraumordnung und völkisches Rechtsdenken’: in Reich, Volksordung, Lebensraum, 1943, pp. 216-352). Ver também Karl Richard Ganzer, Das Reich als europäische Ordnungsmacht (Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt, 1941-2); and Oswald Torsten, Rîche. Eine Geschichtliche Studie bet die Entwicklung der Reichsidee (Munich and Berlin: R. Oldenburg, 1943).
[19] Mes idées politiques (Albatros, 1983) p. 281.
[20] Enquête sur la monarchie 1900-1909, 1st ed. (Nouvelle Librairie Nationale, 1909) p. XIII.
[21] Au-delà du nationalisme (Paris: Gallirnard, 1938).
[22] Cf. Karlheinz Weissmann, ‘Das Herz des Kontinents: Reichsgedanke und Mitteleuropa-ldee’, in Mut (January 1987) pp. 24-35.
[23] ‘L’empire latin’, in La Règle du jeu (1 May 1990) p. 94.
[24] Les hommes au milieu des ruines, op. cit., p. 41.

08/12/2016

Aleksandr Dugin - Dia de Solidariedade com a Palestina

por Aleksandr Dugin



(29 de Novembro)

Hoje é o Dia Internacional de Solidariedade com a Palestina - uma ocasião para falar do futuro do povo palestino e do Estado de Israel.

A Palestina é uma terra sacra onde os principais santuários do Cristianismo, do Judaísmo e do Islã podem ser encontrados. Não apenas paixões políticas, mas paixões religiosas queimaram sobre a Palestina por milhares de anos. Esta terra foi deixara por Deus para Abraão, que veio de Ur, na Caldeia, para a Mesopotâmia. Moisés e Josué a reconquistaram do domínio egípcio, após o qual o Reino de Israel e da Judéia foi formado ali.

"Depois, a Palestina foi incorporada aos impérios globais - o Assírio, o Caldeu, o Persa, Grego, Romano, Islâmico e Otomano. Depois do colapso do Império Otomano, estes territórios caíram sob domínio Britânico".

Hoje, cada vez mais pessoas compreendem que as explicações materialistas, econômicas e evolucionárias da história são nada mais que um mito pobre da Modernidade. Os fatores da religião e do ethnos estão começando, novamente, a serem levados a sério e se tornando uma chave importante para o entendimento dos eventos mundiais. Portanto, a questão palestina deveria ser vista através destas lentes.

A população da Palestina é misturada. Centenas de povos habitaram, passaram por e se misturaram uns com os outros nestas terras. Os judeus a deixaram em massa após a ascensão falha do falso messias Simon bar Kokhba, em 135 d.C. Isso significou o quarto período de exílio, o Galut. O Talmude proíbe os judeus de retornarem a estas terras até a chegada do Messias. Este é um dos três principais mandamentos talmúdicos, que são: não se deve retornar a Israel, os povos entre os quais vive a Diáspora Judaica não devem ser feridos, e a construção do Terceiro Templo não deve começar até a vinda do Messias.

Durante o período da expansão do Islã, a Palestina foi conquistada dos Bizantinos romanos pelos Árabes, seguido de profunda arabização e islamização. Antes disso, a maioria da população era cristã. Na época das Cruzadas, os cruzados ocidentais tomaram de volta Jerusalém dos Sarracenos por um tempo, apenas para perdê-la novamente. Mais tarde, no começo do séc. XVI, a Palestina foi conquistada pelos Turco-otomanos.

Começando no final do séc. XIX, sob a influência da ideologia racista e nacionalista do Sionismo, um nacionalismo judeu que copiava o nacionalismo europeu, os judeus europeus começaram a migrar para a Palestina em massa e, portanto, violando os mandamentos talmúdicos.

"Os sionistas decidiram: se o Messias não está com pressa de voltar, então nós tomaremos a iniciativa nós mesmos e forçaremos o seu retorno. Nem todos os judeus concordaram com isso, então o movimento judeu antissionista conhecido como Neturei Karta se levantou, pregando que o Sionismo era uma heresia diabólica".

Em 1947, seguindo o final da Segunda Guerra, o Estado de Israel foi fundado sob a influência dos Sionistas. Na medida em que a religião judaica em sua versão sionista representa uma doutrina estritamente racista, a população palestina local - largamente árabe e muçulmana, embora também incluísse muitos cristãos - foi submetida a um verdadeiro genocídio, apartheid e limpeza étnica. Os judeus, tendo acabado de sofrer uma perseguição sem precedentes pelos nazistas no Terceiro Reich, pareciam estar descontando sua dor e ódio nos palestinos que não eram, aliás, culpados de nada. Milhões de palestinos foram deportados das terras nas quais eles viveram por anos.

Isso não aconteceu sob as conquistas árabes ou sob os Cruzados. Os sionistas não reconheceram qualquer resolução sobre o estabelecimento de um Estado Palestino nem o status internacional de Jerusalém. Constantemente citando o seu sofrimento nas mãos dos nazistas, os judeus usam isso como um pretexto para recusar a prestar atenção aos protestos dos árabes e as petições das Nações Unidas e da comunidade internacional. Afinal, por violar os mandamentos talmúdicos, os líderes sionistas essencialmente identificaram a si mesmos como o Messias. Tudo o que restou foi prosseguir e construir o Terceiro Templo. Para tal, os árabes precisam ser expulsos do Monte do Templo e o santuário Islãmico, a Mesquita de al-Aqsa, precisa ser destruída. A plenitude do genocídio dos palestinos é parte dos planos sionistas. Então, na opinião deles, o período de domínio judeu em uma escala global chegará - a Quinta Monarquia, sob a qual as nações da Terra, os gentios, reconhecerão a supremacia dos judeus e se submeterão a eles. Este é o credo pelo qual o Estado de Israel vive.

"Nesta situação, o Dia de Solidariedade com os povos da Palestina é celebrado por aqueles que não compartilham deste tipo de ideologia mística-política, racista e escatológica do Sionismo".

Para um ortodoxo, isto é claramente um reminiscente do Anticristo. Nós, igualmente, não podemos nos deleitar com a conquista islâmica da Palestina. Afinal, esta era parte da nossa terra ortodoxa, uma parte do nosso Império.

Talvez o mais justo seja devolver a Palestina para nós, cristãos. Nós não somos racistas ou fanáticos, e não queremos exclusividade. Nós garantimos o direito de ambos muçulmanos e judeus em nossa terra sagrada. Portanto, encontremo-nos na Jerusalém ortodoxa.