27/06/2012

Resistênca no Local de Trabalho: Um Campo de Batalha Fundamental para Nacional-Revolucionários

por Dan Canuckistan



"Eu vejo todo esse potencial, e eu vejo desperdício. Maldição, toda uma geração enchendo tanques de gasolina, servindo mesas - escravos de colarinho branco. A propaganda nos põe correndo atrás de carros e roupas, trabalhando em empregos que odiamos para comprar merdas que não precisamos. Nós somos os filhos do meio da história, cara. Sem propósito ou lugar. Nós não temos nenhuma Grande Guerra. Nenhuma Grande Depressão. Nossa Grande Guerra é uma guerra espiritual...nossa Grande Depressão é nossas vidas. Nós fomos todos criados pela TV para acreditamos que um dia seríamos todos milionários e astros do cinema e rock stars. Mas nós não seremos. E nós estamos lentamente aprendendo esse fato. E nós estamos muito, muito putos". - Clube da Luta

No final da década de 70, a Frente Nacional Britânica se encontrou nos estertores de uma luta interna entre sua ala de soldados políticos e uma facção direitista reacionária. Uma questão que contribuiu para esse racha foi a sugestão por Patrick Harrington - um jovem nacional-revolucionário dos escalões superiores da Frente - de que os membros do grupo deveriam praticar a "expropriação" no local de trabalho para promover os objetivos da causa nacionalista (roubar suprimentos de papelaria, fazer fotocópias não autorizadas, etc...).

Os reacionários ficaram horrorizados, considerando que tais atividades escusas não só seriam anti-eticas como também uma influência corruptora sobre todos aqueles que participassem nelas. E, como regra geral, eles estavam completamente corretos. Fora de uma estrutura revolucionária e carecendo de uma justificativa ética superior, a expropriação no local de trabalho pode levar à dissolução moral do indivíduo e coletivamente a uma cultura de corrupção. Porém o que Harrington propôs - se adequadamente refletido, explicado e implementado - pode muito bem ter o efeito oposto ao abrir uma nova esfera da luta nacional-revolucionária, uma que não só é reta em um sentido moral, mas que também emprega táticas eticamente superiores (ou seja, não-letais e dirigidas principalmente contra a propriedade).

A resistência no local de trabalho, é claro, vai muito além da mera expropriação de bens. Ela pode incluir um vasto espectro de atividades, incluindo liberar o próprio tempo da tirania do relógio (o assim chamado "furto de tempo), atrasar o trabalho (a "subtração consciente de eficiência", como os antigos wobblies chamavam), revelar segredos (à lá Wikileaks), sabotagem, pregar peças, grafitagem e panfletagem revolucionária, atrapalhar chefes e fura-greves, difundir dissenso e solapar a moral geral, hackear computadores, e assim por diante. Para usar uma expressão anarquista recente, há toda uma verdadeira "diversidade de táticas" disponível.

Em primeiro lugar, é importante para nacional-revolucionários situar o local de trabalho em seu contexto estratégico adequado. Muitas vezes nós relegamos os espaços nos quais trabalhamos - e perdemos tanto de nosso tempo - como mundanos ou monótonos, separados de nosso ativismo político. Atos de resistência no local de trabalho são desprezados como mera criminalidade ou rebelião juvenil, mas essa é uma abordagem completamente equivocada.

O tamanho e poderio econômico de grandes corporações supera em muito o PIB de diversos estados-nações. O Wal-Mart, por exemplo, é valorado acima do Paquistão, a Exxon supera a Nova Zelândia, a British Petroleum faz sombra sobre a Ucrânica, e o Citigroup sobrepuja a Romênia. A gigante brazileira de mineração, a Vale, que opera uma mina em Newfoundland, é mais rica do que a província que a hospeda. Essa concentração sem precedentes de riqueza tem permitido às corporações despejar exércitos de lobistas com baldes de dinheiro para capturar os processos políticos de muitas nações modernas, impondo legislações danosas para maximizar seus lucros (ou seja, promover o trabalho barato através da imigração em massa) e se defender de regulações.

É preferível olharmos para nossos hipermercados "locais", redes de restaurante de fast-food e redes varejistas corporativas como entrepostos da globalização, território inimigo em uma vasta luta geopolítica colocando as forças do consumismo padronizado e da exploração capitalista ("eles") contra as forças do tradicionalismo radical e da justiça econômica ("nós"). A resistência no local de trabalho é uma forma atualizada e eficaz de guerrilha ou conflito assimétrico perfeitamente adequada às realidades modernas. À longo prazo, por exemplo, o furto em pouca intensidade/risco de fios de cobre é muito mais eficaz em enfraquecer o sistema do que qualquer número de bombas de fertilizante ou massacres aleatórios. Isso pode não ser tão "másculo" ou hollywoodiano como um ato terrorista explosivo, mas a resistência no local de trabalho é muito mais vantajosa tanto de um ponto de vista econômico como de um ponto de vista da propaganda revolucionária.

E as multinacionais estão em uma desvantagem estratégica distinta: a natureza de suas operações demandam que eles nos permitam acesar - como consumidores e trabalhadores - suas fortalezas corporativas (lojas, shoppings, centros corporativos, fábricas, centros de distribuição, etc.). Em termos militares, isso é o equivalente a permitir que um time de comandos se infiltre por trás de suas linhas ou até mesmo estender o tapete vermelho para eles.

Os nacional-revolucionários precisam explorar essa rachadura na armadura corporativa e reorientar nossa luta contra a infraestrutura econômica difusa da economia capitalista. Nosso povo, alienado e gasto em suas precárias vidas de trabalho, serão encontrados lá. E eles serão receptivos a uma mensagem de resistência quotidiana prática combinada com uma visão positiva da economia futura e da justiça social. Nós devemos nos tornar novos wobblies...Trabalhadores Industriais Nacional-Revolucionários do Mundo, uni-vos!

26/06/2012

Pessimismo?

por Oswald Spengler



O meu livro (O Declínio do Ocidente, Vol I) se deparou com ampla incompreensão. Em um certo sentido, isso é quase um concomitante inevitável para qualquer abordagem nova que chegue a novas conclusões. Tal reação é mais ainda esperada quando as conclusões alcançadas, ou mesmo as perspectivas e metodologia que levou a elas, apresentam um desafio sério ao humor dominante de uma era. Quando um livro assim por acaso se torna popular, as incompreensões se multiplicam. Pois então as pessoas são confrontadas subitamente por um complexo de idéias que elas de fato não deveriam ter tentado diferir até anos depois de leituras preparatórias.

Com meu próprio livro há ainda a dificuldade de que apenas o lado negativo da figura chegou até então ao público. A maioria dos livros esqueceu de observar que este primeiro volume representa apenas um fragmento a partir do qual, como eu logo perceberia, não é fácil formar conclusões sobre o que deve seguir. O segundo volume ainda por vir abordará a "Morfologia da História Mundial", levando então a um fim meu exame de ao menos um aspecto do problema. Leitores atentos terão notado que eu toquei brevemente em um segundo aspecto, a questão ética, em meu ensaio Prussianismo e Socialismo.

Um outro obstáculo a uma compreensão do meu livro é o título um tanto quanto desconcertante que ele leva. Eu fui cuidadoso em enfatizar que este título foi escolhido anos antes de sua publicação, e que ele objetivamente descreve um fato simples para o qual evidências podem ser encontradas nos eventos mais familiares da história mundial. Ainda assim, há pessoas que não podem ouvir a palavra "declínio" sem pensar em uma calamidade súbita e temível. Meu título não implica catástrofe. Talvez possamos eliminar o "pessimismo" sem alterar o sentido real do título se substituíssemos "declínio" pela palavra "realização", tendo em mente as funções especiais que Goethe atribuiu a esse conceito em sua própria visão-de-mundo.

Porém, mesmo a primeira parte do meu livro não era dirigida a pessoas especulativas, mas sim ativas. Meu objetivo era apresentar uma imagem do mundo com o qual se deve viver, ao invés de construir um sistema para que sobre ele filósofos profissionais ruminem. Eu não percebia essa distinção à época, mas ela obviamente previne um grande número de leitores de chegarem a uma compreensão verdadeira do tema do livro.

A pessoa ativa vive no mundo dos fenômenos e com eles. Ele não demanda provas lógicas, de fato geralmente ele não as pode compreender. O "ritmo fisionômico" - um dos termos que praticamente ninguém foi capaz de compreender totalmente - lhe dá percepções mais profundas do que qualquer método baseado na prova lógica jamais poderia dar. Eu fiz afirmações em meu livro que leitores acadêmicos consideraram como completamente contraditórias. Ainda assim, todas essas são coisas que há muito já tem sido consideradas e sentidas privadamente, ainda que não necessariamente de modo consciente, por indivíduos inclinados a uma vida de ação. Quando tais indivíduos leem livros, isto quer dizer, quando eles entram no reino da teoria, eles rejeitam o mesmo "relativismo histórico" que é segunda natureza para eles quando estão engajados em atividades práticas, ou quando estão observando pessoas e situações para os propósitos de ação.

A pessoa contemplativa, por outro lado, é por natureza remota da vida. Ele a vê à distância, por ele é estranho e nada contra a maré. Assim que ela ameace se tornar algo mais do que um objeto observado, ele se incomoda. Pessoas contemplativas colecionam, dissecam e arrumam coisas, não para qualquer propósito prático, mas simplesmente porque isso as satisfaz. Elas demandam provas lógicas e sabem como consegui-las. Para eles, um livro como o meu deve permanecer eternamente uma aberração.

Pois eu confesso que eu jamais tive nada além de desprezo pela "filosofia pela filosofia". Para o meu modo de pensar não há nada mais tedioso do que a lógica pura, a psicologia científica, a ética geral, e a estética. A vida não é feita de ciência e generalidades. Cada linha que não é escrita à serviço da vida ativa me parece supérflua. Sob risco de ser entendido literalmente demais, eu diria que meu modo deo lhar o mundo se relaciona ao modo "sistemático" assim como as memórias de um estadista se relacionam ao Estado ideal de um utópico. O primeiro escreve o que ele viveu; o segundo registra o que ele sonhou.

Agora de fato existe, particularmente na tradição germânica, o que se pode chamar de um modo estadista de experimentar o mundo, uma atitude não-forçosa e assistemática em relação a vida que só pode ser registrada por um tipo de escrita memorial metafísica. É importante perceber que meu livro pertence a essa tradição. Se a seguir eu menciono alguns nomes ilustres, isso não tem como intenção implicar qualquer coisa sobre a qualidade do livro, mas meramente indicar o tipo de visão que estava presente em sua criação.

Uma poderosa corrente de pensamento germânico corre de Leibniz a Goethe e Hegel, e segue em direção ao futuro. Como todas as coisas germânicas, essa corrente foi forçada a correr de modo subterrâneo e a seguir desapercebida ao longo dos séculos. Por mais do que esse período mesmo os criadores dessa tradição descobriram que eles tinham que se adaptar a padrões de pensamento estrangeiros e superficiais.

Leibniz foi o grande professor de Goethe, ainda que este jamais tivesse tido consciência disso. Goethe costumeiramente adotou idéias genuinamente leibnizianas, seja por uma afinidade natural por seu pensamento ou pela influência de seu amigo Herder. Em tais instânicas, porém, ele sempre se referiu a Espinoza, cujo modo de pensar era na verdade bastente diferente. A característica notável de Leibniz era seu envolvimento constante nos eventos importantes de seu tempo. Se removessemos de suas obras todos os itens que são relativos à política, à reunificação das igrejas, aos projetos de mineração, e à organização da ciência e da matemática, não sobraria muito. Goethe se assemelha a ele no sentido de que ele sempre pensou historicamente, ou seja, com referência constante aos fatos reais da existência. Como Leibniz, ele jamais teria sido capaz de construir um sistema filosófico abstrato.

Hegel foi o último grande pensaro a tomar as realidades políticas como seu ponto de partida sem deixar seu pensamento ser completamente sufocado por abstrações. Então veio Nietzsche, um diletante no melhor dos sentidos, que se manteve firmemente distante da filosofia acadêmica, que à sua época já havia se tornado completamente estéril. Ele foi tomado pelas teorias de Darwin, e ainda assim ele transcendeu a era do darwinismo inglês. Ele nos deu a visão com a qual nós podemos agora concretizar uma vitória para uma abordagem vital e prática da história mundial.

Essas são, como eu vejo agora, as premissas que inconscientemente influenciaram minha escrita. Entre elas não há um único "sistema" de generalidades. As compilações históricas de Leibniz, as observações da natureza de Goethe, e as palestras de Hegel sobre a história mundial foram todas escritas tendo claramente em vistas a realidade factual - algo que não pode ser dito das obras de Kant e Schopenhauer.

Eu construo as relações entre realidade e pensamento especulativo de uma maneira completamente diferente dos filósofos sistemáticos. Para eles a realidade é matéria morta da qual se pode derivar leis. Para mim, a realidade apresenta exemplos que iluminam um pensamento experimentado, um pensamento que é comunicável apenas nessa forma.

Porque essa abordagem é acientífica, ela requer uma facilidade incomum para pensar em linhas amplas e em sintetizar. Normalmente ocorre, como eu já percebi ocasionalmente, que conforme o leitor se concentra em um ponto de meu livro ele rapidamente perde vistas dos outros. Ao fazê-lo, ele entende tudo errado, pois o livro é tão coeso que isolar um único detalhe equivale a cometer um erro. Ademais, é necessário ser capaz de ler nas entrelinhas. Muitas coisas são apenas sugeridas, enquanto outras não podem ser ditas de modo algum de modo científico.

A idéia central é o conceito de Destino. A razão pela qual é tão difícil fazer o leitor compreendê-lo é que o processo do pensamento sistemático e racional o leva a seu oposto: a idéia de causalidade. Destino e Acaso são questões bastante remotas da apreensão da causa e do efeito, do antecedente e do consequente. Há um perigo em que o Destino possa ser equivocadamente compreendido como simplesmente outro modo de se referir a uma sequência causal que existe sem estar prontamente visível. A mente científica jamais será capaz de entender isso. A habilidade de perceber fatos de natureza emocional e vital cessa logo que se começa a pensar analiticamente. O Destino é uma palavra cujo significado é sentido. O Tempo, o Anseio e a Vida são conceitos próximos. Ninguém pode presumir compreender a essência do meu pensamento a não ser que ele possa sentir o sentido último dessas palavras do modo que eu pretendi.

A idéia de Destino leva a um tipo de experiência que é excessivamente difícil de compreender. Eu a chamo de "experiência de profundiade". Ela é mais proximamente relacionada ao pensamento racional, mas apenas em seu efeito final, não em suas origens. Esse conceito nos apresenta com dois dos problemas mais difíceis. O que se quer dizer pela palavra "Tempo"? Não há resposta científica para essa questão. O que se quer dizer pela palavra "Espaço"? Aqui, o pensamento racional pode talvez nos dar uma resposta. Porém uma conexão existe entre Destino e Tempo, e também entre Espaço e Causalidade. Qual é, então, a relação entre Destino e Causa? A resposta para isso é fundamental para o conceito de experiência de profundidade, mas ela se encontra para além todos os modos de experiência e comunicação científica. O fato da experiência de profundidade é tão indisputável quanto inexplicável.

Um terceiro conceito, também muito difícil de compreender, é aquele de Ritmo Fisionômico. Isso é na verdade algo que todo ser humano possui. Ele vive com isso e constantemente o aplica para fins práticos. É algo com o que se nasce e que não pode ser adquirido. A ingenuidade proverbial e a comicidade demonstrada em questões públicas pelo retrógrado acadêmico abstrato é um resultado do desenvolvimento retardado desse ritmo. Não obstante, mesmo esse tipo de personalidade possui o bastante dele para seguir vivendo.

O que eu tenho em mente, porém, é uma forma bastante exaltada desse Ritmo, uma técnica inconsciente de compreender não apenas os fenômenos da vida quotidiana, mas o sentido do universo. Poucas pessoas podem ser consideradas como mestras nisso. Essa é a técnica que faz do genuíno historiador igual ao estadista nato, apesar da disparidade entre teoria e prática. Das duas principais técnicas de adquirir conhecimento e entendimento, essa é sem dúvidas a mais importante para a história e para a vida real. O outro método, o pensamento sistemático, serve apenas para descobrir verdades. Mas fatos são mais importantes do que verdades. Todo o curso da história política e econômica, de fato de todas as realizações humanas, é dependente da aplicação constante dessa técnica por indivíduos, incluindo os indivíduos significativos que são historicamente passivos bem como os grandes que fazem a história.

A técnica fisionômica é predominante durante a maior parte da vida dos indivíduos historicamente ativos e passivos. Por comparação, a técnica sistemática, que é a única reconhecida pela filosofia, é virtualmente reduzida à insignificância histórica. O que faz da minha abordagem tão heterodoxa é o fato de que ela é conscientemente baseada na técnica da vida real. Como resultado, ela é interiormente consistente, ainda que careça de um sistema.

O conceito que causou as incompreensões mais sérioes é aquele ao qual eu assignei, não muito afortunadamente talvez, o termo "relativismo". Este não possui absolutamente nada em comum com o relativismo da ciência física, que é baseado tão somente no contraste matemático entre constante e função. Levará anos para que leitores se tornem suficientemente familiarizados com meu conceito para que ele ganhe vigência real. Pois ele é uma visão completamente ética do mundo no qual as vidas individuais tem seu curso. Para aqueles que não compreenderam o conceito de Destino, esse termo parecerá sem sentido. Como eu o vejo, o Relativismo na história é uma afirmação da idéia de Destino. A singularidade, irrevogabilidade, e não-recorrência de todos os eventos é a forma na qual o Destino se manifesto aos olhos humanos.

Como a Técnica Fisionômica, esse Relativismo existiu, seja na vida ativa ou na observação passiva, em todos os tempos. Ele é uma parte tão natural da vida real, e está em tamanho controle das ocorrências quotidianas, que ele não alcança a consciência. Em verdade, quando a mente se engaja na teorização, ou seja, quando ela está formando generalizações, a existência desse Relativismo é normalmente negada empiricamente. A idéia não é realmente nova enquanto tal. Em nossa era tardia não pode haver idéias novas. Ao longo de todo o século XIX nem uma única questão foi levantada que já não houvesse sido descoberta, refletida, e brilhantemente formulada pelos Escolásticos.

É apenas porque o Relativismo é uma elemento tão intrínseco da vida, e assim uma idéia tão não-filosófica, que ele nunca foi considerado adequado como parte de um "sistema". O velho adágio "A carne de um é o veneno de outro", é basicamente o contrário de toda filosofia acadêmica. O acadêmico é impelido a demonstrar que a carne de um é carne para todos os homens, ou seja, que o ponto ético que ele acaba de demonstrar em seu livro vincula a todos. Eu de modo bastante consciente assumi a perspectiva oposta, nomeadamente aquela da vida, e não a do pensamento. As duas posições ingênuas, mantém ou que existe algo que possui valor normativo por toda a eternidade independentemente de Tempo e Destino, ou que tal coisa não existe.

Porém, o que é aqui chamado Relativismo não é nenhuma dessas duas posições. É aqui que eu criei algo novo. É um fato experimentado que a "história mundial" não é uma sequência unificada de eventos, mas uma coleção de altas culturas, das quais houve oito em número até agora. As histórias vitais dessas culturais são bastante independentes umas das outras, porém cada uma partilha de um padrão estrutural similar à de todas as outras. Estando isso estabelecido, eu demonstrei que cada observador, independentemente de ele pensar em termos de vida ou apenas de pensamento, pensa unicamente como representante de seu tempo particular. Com isso nós podemos descartar uma das críticas mais absurdas lançadas contra minhas perspectivas: o argumento de que o Relativismo carrega consigo sua própria refutação.

A conclusão a ser tirada é que para cada cultura, para cada época dentro de uma cultura, e para cada tipo de indivíduo dentro de uma época, existe uma perspectiva geral que é imposta e comandada pelo tempo em questão. Essa perspectiva deve ser considerada absoluta para aquele tempo particular, mas não em relação a outros tempos. Há uma perspectiva imposta pelo nosso próprio tempo, porém é desnecessário dizer que ela é diferente daquela da Era de Goethe. "Verdadeiro" e "falso" são conceitos que não podem ser aplicados aqui. Os únicos termos descritivos pertinentes são "profundo" e "superficial". Quem pense diferente é, de qualquer modo, incapaz de pensar historicamente.

Qualquer abordagem vital dos problemas da história, incluindo a que eu estou propondo, pertence a um único tempo. Ela evoluiu a partir de uma abordagem prévia e por sua vez evoluirá em outra. Há em toda a história tão poucas abordagens totalmente corretas ou totalmente falsas quanto há fases certas e erradas do crescimento deu uma planta. Todas são necessárias, e a única coisa razoável a se dizer é que uma certa fase é bem sucedida ou não em relação às demandas do momento. O mesmo é verdadeiro para cada visão de mundo, não importa quando ela emerja. Mesmo o filósofo mais ferrenhamente sistemático sente isso. Ele usa termos como "obsoleto", "típico de sua época", e "prematuro" para descrever as opiniões dos outros. Ao fazê-lo ele está admitindo que os conceitos de verdade e falsidade possuem sentido apenas para a casca externa da ciência, mas não para sua essência vital.

Assim nós chegamos à distinção entre fatos e verdades. Um fato é algo único, algo que realmente existiu ou realmente existirá. Uma verdade é algo que pode existir como possibilidade sem jamais adentrar a realidade. O Destino tem relação com fatos; a relação entre causa e efeito é uma verdade. Tudo isso tem sido sabido desde tempos imemoriais. O que os homens falharam em perceber, porém, é que a vida, por essa mesma razão, tem a ver apenas com fatos, que ela é exclusivamente feita de fatos, e que seu único modo de resposta é factual. Verdades são quantidades de pensamento, e sua importância reside somente circunscrita no reino do pensamento. Verdades podem ser encontradas em uma dissertação doutoral em filosofia; ser reprovado em um exame de doutorado é um fato. A realidade começa onde o reino do pensamento finda. Ninguém, nem mesmo o sistemático mais ascético, pode ignorar esse fato da vida. E, de fato, ele não o ignora. Mas ele o esquece assim que ele começa a pensar a vida ao invés de vivê-la.

Se eu posso reivindicar alguma realização, é que ninguém jamais poderá ver o futuro de novo como uma tábua em branco na qual qualquer um pode inscrever o que lhe agradar. A perspectiva caprichosa e arbitrária que defende o motto "Que assim seja!" deve agora dar lugar a uma visão fria e clara que vê os possíveis, e portanto necessários, fatos do futuro, e que constrói suas opções de acordo. A primeira coisa que confronta o homem na forma do Destino é o tempo e lugar de seu nascimento. Este é um fato inescapável; nenhuma quantia de pensamento pode compreender sua origem, e ninguém pode impedi-la. Ademais, este é o fato mais decisivo de todos. Todo mundo nasce dentro de um povo, uma religião, uma classe, uma época, uma cultura. É o Destino que determina se um homem nascerá escravo na Atenas de Péricles, um cavaleiro na época das Cruzadas, ou um filho de um trabalhador ou de um burguês em nossos dias. Se algo pode ser chamado de fado, fortuna, ou destino, é isso. A história significa que a vida está constantemente mudando. Para o indivíduo, porém, a vida é precisamente de certo modo, e não de outro. Com seu nascimento o indivíduo recebe sua natureza e uma amplitude particular de tarefas possíveis, dentro da qual ele possui o privilégio da livre escolha. Independentemente do que sua natureza deseje ou seja capaz, independentemente do que seu nascimento permita ou impeça, para cada indivíduo está prescrita uma amplitude definida de felicidade ou miséria, grandeza ou covardia, tragédia ou absurdo, que fará de sua vida exclusivamente sua. E mais, o Destino determina se sua vida terá significância para as vidas daqueles que o cercam, isto é, se ela será significativa para a história. Sob essa luz, os mais fundamentais dos fatos, toda filosofia sobre "a" tarefa da "humanidade" e "a" natureza da "moralidade" é perda de tempo.

Isto é o que é verdadeiramente novo em minha abordagem, uma idéia que teve que ser expressa e feita acessível à vida após todo o século XIX ter buscado por ela: a relação consciente do homem faustiana com a história. As pessoas não entenderam por que eu escolhi colocar uma imagem nova no lugar do padrão usual (antiguidade - idade média - tempos modernos). O homem vive constantemente "em uma imagem"; ela governa suas decisões, e molda sua mentalidade. Ele jamais pode se livrar de uma velha imagem até que ele tenha adquirido uma nova e a tenha tornado completamente sua.

"Visão histórica" - isso é possível apenas para o homem europeu ocidental, e mesmo para ele isso é possível apenas desse momento em diante. Nietzsche podia ainda falar da doença histórica. Ele usou este termo para descrever o que ele viu ao seu redor: o romantismo sentimental dos poetas e escritores, a nostalgia onírica dos filólogos pelo passado distante, o habito dos patriotas de timidamente consultar a história prévia antes de chegar a qualquer decisão, a avidez pela comparação, sintomática de independência mental insuficiente.

Desde 1870 nós alemães temos sofrido mais dessa doença do que qualquer outra nação. Não é verdade que nós temos continuamente olhado para os antigos teutônicos, para os cavaleiros cruzados, e para os gregos de Hölderlin sempre que não sabemos o que fazer na Era da Eletricidade? Os britânicos tem sido mais sortudos. Eles preservaram todas as instituições que emergiram após a Conquista Normanda: suas leis, liberdades, e costumes. Em todos os tempos eles tem sido capazes de sustentar uma impressionante tradição sem jamais colocá-la em perigo. Eles jamais sentiram a necessidade de compensar por mil anos de ideais despedaçados olhando nostalgicamente para o passado remoto. A diença histórica perdura ainda no idealismo e humanismo da Alemanha de hoje. Ela está nos fazendo desenvolver planos pretensiosos para melhorar o mundo; cada dia traz algum esquema radicalmente novo e infalível para dar a todos os aspectos da vida sua forma correta e final. O único resultado prático de todos esses desenhos reside no fato de que eles estão exaurindo energícias cruciais através de querelas inúteis, desperdiçando nossas chances de descobrirmos oportunidades reais, e falhando em dar a Londres e Paris qualquer competição real.

Visão histórica é o oposto direto disso. Aqueles que a tem são especialistas - confiantes e frios especialistas. Mil anos de pensamento e pesquisa históricas espalharam diante de nós um vasto tesouro, não de conhecimento, pois isso é relativamente desimportante, mas de experiência. Uma vez que essas experiências sejam vistas na perspectiva que eu acabei de descrever, elas adquirem um significado inteiramente novo. Até agora - isso é mais verdadeiro para os alemães do que para qualquer outra naçã - nós temos olhado para o passado em busca de modelos segundo os quais viver. Mas não há modelos. Há apenas exemplos de como a vida de indivíduos, povos, e culturas tem evoluído, alcançado a maturidade, e se extinguido. Esses exemplos nos mostram as relações que existem entre caráter inato e condições externas, entre Tempo e Duração. Não nos são dados padrões a imitar. Ao invés, nós podemos observar como algo ocorreu, e assim aprender que consequências esperar de nossa situação.

Até agora poucas pessoas tiveram tais percepções, e então apenas em relação a seus pupilos, subordinados ou cotrabalhadores diretos. Alguns estadistas superiores também as tiveram, mas apenas em conexão com personalidades e nações de seu próprio tempo. Essa era a arte refinada de controlar as forças vitais, adquiridas pela habilidade de tomar de assalto suas oportunidades e prever suas mudanças. Com essa arte é possível se tornar mestre sobre outros ou mesmo ser o próprio Destino. Nós estamos agora em uma posição de fazer o mesmo por nossa própria cultura, prevendo seu curso pelos séculos vindouros como se ela fosse um organismo cuja estrutura interior nós estudamos exaustivamente. Nós percebemos que cada fato é uma ocorrência do acaso, imprevista e imprevisível. Ainda assim com a figura de outras culturas diante de nós, nós podemos ter tanta certeza de que a natureza e curso da vida futura, de indivíduos bem como de culturas, não são acidentais. Desenvolvimentos futuros porém, é claro, ser levados à perfeição, ameaçados, corrompidos, e destruídos pela livre escolha de pessoas ativas. Mas eles jamais podem ser afastados de sua direção e sentido.

Isso tornou possível pela primeira vez uma verdadeiramente grande forma de educação. Ela demandará o reconhecimento de potencialidades interiores. Ela significará impor obrigações, não com base em abstrações "ideais", mas em concordância com a previsão de fatos futuros. Ela necessitará do treinamento de indivíduos e gerações inteiras para a realização dessas obrigações. Pela primeira vez nós somos capazes de ver que toda a literatura de "verdades" ideais, todos aqueles esquemas, contornes e inspirações nobres, de boa intenção, e tolas, todos aqueles livros, panfletos, e discursos são completamente inúteis. Todas as outras culturas, em uma fase correspondente de seu desenvolvimento, chamaram essas coisas pelo que elas são e as consignaram ao esquecimento. Seu único efeito tangível foi fazer com que acadêmicos decrépitos escrevessem livros sobre elas depois. Permitam-me repetir: Para o mero observador pode haver tais coisas como verdades; para a vida não há verdades, somente fatos.

Isso me leva à questão do pessimismo. Quando em 1911, sob a impressão dos eventos em Agadir, eu subitamente descobri minha "filosofia", o mundo euro-americano estava infundido com o otimismo trivial da era darwinista. Com o título de meu livro, escolhido em oposição instintiva ao humor dominante, eu inconscientemente coloquei o dedo no aspecto da evolução que ninguém queria ver. Se eu tivesse que escolher de novo agora, eu tentaria com outra fórmula atingir o pessimismo igualmente trivial de hoje. Eu seria a última pessoa a manter que a história pode ser avaliada por meios de um slogan.

Mas seja como for, no que concerne ao "objetivo da humanidade" eu sou um pessimista convicto e cabal. Conforme eu vejo, a humanidade é uma entidade zoológica. Eu não vejo progresso, nem objetivo ou caminho para a humanidade, exceto talvez nas mentes dos progressistas ocidentais. Nessa mera massa de população eu não posso distinguir tal coisa como um "espírito", nem falar em uma unidade de esforço, sentimento, ou entendimento. O único lugar onde eu posso identificar um avanço significativo da vida em direção a algum objetivo particular, uma unidade de alma, vontade, e experiência, é na história das culturas. O que nós descobrimos ali, com certeza, é limitado e factual. Ainda assim nos mostra uma progressão do desejo à realização, culminando em novas tarefas que não assumem a forma de slogans éticos e generalidades mas, ao invés, de objetivos históricos tangíveis.

Quem escolha chamar isso de pessimismo revelará assim seu idealismo absolutamente pedestre. Esse tipo de pessoa vê a história como uma estrada, com a humanidade seguindo constantemente em uma direção, eternamente seguindo algum clichê filosófico ou outro. Os filósofos, cada um a sua própria maneira, mas não obstante "corretamente" em cada caso, há muito já atingiram a terminologia sublime e abstrata para descrever o verdadeiro objetivo e essência de nossa jornada terrena. Consiste ainda em otimismo seguir perseguindo esses slogans sem jamais alcançá-los. Um fim concebível para toda essa busca estragaria o ideal. Quem levante objeção a tudo isso é um pessimista.

Eu me envergonharia se seguisse pela vida com ideais tão vulgares. Há em tudo isso a insegurança dos sonhadores e covardes natos, pessoas que não são capazes de encarar  realidade e formular um objetivo real com umas poucas palavras razoáveis. Eles insistem em generalidades amplas que brilham à distância. Isso acalma os medos daqueles que são impotentes em relação a tudo que demanda liderança ou iniciativa. Eu sou consciente de que um livro como o meu pode ter consequências devastadoras para essas pessoas. Alemães tem escrito para mim da América, que para pessoas determinadas em ser algo na vida, o livro possui o efeito de um tônico fortificante. Ainda assim, aqueles nascidos apenas para sonhos, poesia, e oratória podem ser contaminados por qualquer livro. Eu conheço esses "belos jovens"; as universidades e círculos literários estão repletas deles. Primeiro foi Schopenhauer, e então Nietzsche, que os libertaram da obrigação de gastar energias. Agora eles encontraram um novo libertador.

Não, eu não sou um pessimista. Pessimismo significa não ver mais qualquer tarefa. Eu vejo tantas tarefas por resolver que eu temo que não terei nem tempo, nem homens suficientes para realizá-las. Os aspectos práticos da física e da química nem ao menos se aproximam dos limites de suas possibilidades. A tecnologia tem ainda que alcançar seu pico em quase todos os campos. Uma das principais tarefas ainda confrontando a filologia clássica é criar uma imagen da antiguidade que removerá das mentes de nossa população educada a imagem "clássica", com seu convite ao idealismo pedestre.

Não há lugar melhor do que a antiguidade clássica para entender como as coisas realmente estão no mundo, e como o romantismo e os ideais abstratos tem sido despedaçados de novo e de novo por eventos factuais. As coisas seriam bastante diferentes para nós se nós tivéssemos gasto mais tempo na escola com Tucídides e menos com Homero. Até agora nenhum estadista já pensou em escrever um comentário sobre Tucídides, Políbio, ou Tácito para nossos jovens. Nós não temos nem uma história econômica da antiguidade, nem uma história da política antiga. Apesar dos paralelos assombrosos com a história européia ocidental ninguém jamais escreveu uma história política da China até o reino de Shih Huang Ti. A Lei, imposta pela estrutura social e econômica de nossa civilização, está ainda em seus estágios iniciais de ser investigada. Segundo aqueles familiares com o campo, a ciência da jurisprudência tem ainda que se expandir para além da filologia e do escolasticismo seco. A economia política ainda não é efetivamente uma ciência.

Eu vou evitar discutir as tarefas políticas, econômicas, e organizacionais que nós encaramos em nosso próprio futuro. O que nossos contemplativos e idealistas estão buscando é uma Weltanschauung confortável, um sistema filosófico que demanda apenas que sejamos convencidos por ele; eles querem uma desculpa moral para sua covardia. Esses são os debatedoes natos que desperdiçam seus dias nos rincões remotos da vida discutindo coisas. Deixemos que eles fiquem lá.

Nós não podemos desenvolver um programa para o futuro milênio da humanidade sem correr o risco dele ser abortado imediatamente pela realidade. É possível, porém, fazer algo do tipo para os próximos poucos séculos de cultura faustiana, cujos contornos históricos são visíveis. Quais são as implicações desses fatos? O orgulho puritano da Inglaterra diz, "Tudo é predestinado. Portanto eu devo emergir vitorioso". Os outros dizem, "Tudo é predestinado. Isso é prosaico e nada idealista. Assim não vale a pena nem tentar". Mas a verdade é que as tarefas encarando as pessoas factuais entre nós ocidentais são inúmeras. Para os românticos e ideólogos, porém, que não podem pensar o mundo sem escrever poemas, pintar quadros, desenvolver sistemas éticos, ou solenes Weltanschauungen, é bem compreensivelmente um prospecto desesperançoso.

Eu afirmarei diretamente - que aqueles que quiserem chorem em protesto: a importância histórica da arte e do pensamento abstrato é seriamente superestimada. Não importa o quão importante seu papel tenha sido durante grandes eras, sempre houve coisas mais essenciais. Na história da arte a importância de Grünewald e Mozart não pode ser superestimada. Na história real das de Carlos V e Luís XIV sua existência é completamente insignificante. Pode ser que um grande evento histórico estimule um artista. O reverso jamais ocorreu. O que está sendo produzido ao nível de arte hoje nem ao menos possui importância para a história da arte. E no que concerne a filosofia acadêmica de hoje, nenhuma de suas várias "escolas" possui a menor pertinência para a vida ou para a alma. Nem nossos cidadãos educados ou acadêmicos nas outras disciplinas estão realmente prestando atenção a elas. Tudo para que elas servem é para que dissertações sejam escritas sobre elas, que serão citadas em ainda outras dissertações, nenhuma das quais jamais será lida a não ser por futuros professores de filosofia.

Foi Nietzsche quem questionou a validade da ciência. Já é hora de fazermos as mesmas perguntas à arte. Eras sem arte e filosofia genuínas podem ainda ser grandes eras; os romanos demonstraram isso para nós. Porém para aqueles que estão sempre um passo atrás dos tempos, as artes são sinônimo da própria Vida.

Não para nós, porém. Pessoas me disseram que sem arte a vida não vale a pena ser vivida. Eu pergunto em retorno: Para quem ela não vale a pena ser vivida? Eu não daria a mínima para o fato de ter vivido como escultor, filósofo ético, ou dramaturgo nos dias de Caio Mário e César. Nem eu me interessaria por ter sido membro de algum Círculo Stefan George, atacando a política romana de trás do Fórum com a pose grandiosa do littérateur.

Ninguém poderia ter uma afinidade maior pela grande arte de nosso passado - pois não há nenhuma hoje - do que eu. Eu não me interessaria por viver sem Goethe, Shakespeare, ou os grandes monumentos arquitetônicos antigos. Eu fico excitado com qualquer obra de arte renascentista sublime, precisamente porque eu tenho noção de suas limitações. Eu amo Bach e Mozart mais do que posso expressar; mais isso não pode me fazer falar dos milhares de escritores, pintores, e filósofos que inundam nossas cidades como verdadeiros artistas e pensadores.

Há mais pintura, escrita, e "delineações" acontecendo na Alemanha hoje do que em todos os outros países juntos. Isso é cultura? Ou é uma deficiência de nosso senso de realidade? Nós somos tão ricos assim em talento criativo, ou carecemos de energia prática? E os resultados justificam de alguma maneira toda a auto-propaganda barulhenta?

O expressionismo, a moda de ontem, não produziu uma única personalidade ou obra artística notável. Assim que eu comecei a questionar a sinceridade daquele movimento eu fui silenciado por mil vozes. Pintores, músicos, e poetas tentaram provar que eu estava errado, mas com palavras, não com ações. Eu estarei refutado quando eles se apresentarem com um equivalente de Tristão, da Sonata para Piano nº29, de Rei Lear, ou das pinturas de Marées.

É um grande equívoco considerar esses "movimentos" flácidos, afeminados, supérfluos como os fenômenos necessários de nossa era. Eu chamo isso de abordagem decorativa. A arquitetura, a pintura, a poesia, a religião, a política, mesmo a filosofia são tratadas como artesanatos, como técnicas que podem ser ensinadas e aprendidas entre as quatro paredes do estúdio. Este é o argumento que emana de todos os nossos "círculos" e fraternidades, cafés e salões de leitura, exibições, jornais, e editoras - e seu fedor alcança os céus. Ele não apenas quer ser tolerado, como ele quer domínio total. Ele se diz alemão. Ele almeja reivindicar o futuro.

Mesmo nessa área eu vejo tarefas a nossa frente, porém eu procuro em vão pelos homens (homens!) para realizá-los. Uma das tarefas para nosso século é o romance alemão. Até agora nós tivemos apenas Goethe. A arte do romance demanda personalidades impressionantes, superiores em vigor e amplitude de visão, geradas em excelência cultural, altivas porém dotadas de tato em suas perspectivas. Ainda não há prosa alemã comparável à inglesa e à francesa. O que nós temos é o estilo individual de escritores singulares, exemplos isolados de maestria pessoal contra um pano-de-fundo de performance média muito pobre. O romance poderia fazer emergir essa melhora. Hoje em dia, porém, homens práticos como os industrialistas e oficiais do exército estão usando uma linguagem melhor, mais sonora, mais clara, e mais profunda do que os rascunhadores de quinta categoria que acham que estilo é um esporte.

Aqui na terra de Till Eulenspiegel nós temos que ainda produzir uma comédia à grande maneira, sublime e profunda, esperta, trágica, leve e refinada. É agora quase a única forma remanescente na qual um escritor pode ser poeta e filósofo ao mesmo tempo, e sem pretensiosidade. Como Nietzsche há pouco tempo, eu ainda sinto a necessidade por uma Carmen alemã, cheia de tempero espirituosidade, faiscando com melodia e ritmo, uma obra para se erguer na orgulhosa tradição de Mozart, Strauss, Bruckner, e do jovem Schumann. Mas os acrobatas orquestrais de hoje são incompetentes. Desde a morte de Wagner nenhum único grande criador de melodia apareceu em cena.

Houve um tempo em que a arte era uma iniciativa vital, quando o ritmo da vida tomava o controle de artistas, de suas obras, e de seu público de maneira tão notável que a profundidade de pensamento, ao invés da exatidão formal, era o verdadeiro critério de grandeza artística. Ao invés desse ritmo vital, nós temos hoje o que é chamado de "contorno criativo" - a coisa mais desprezível imaginável. Tudo que carece de vida está sendo "delineado". Estão "delineando" uma cultura privada com teosofia e cultistas; estão "delineando" uma religião privada com edições de Buda em papel manufaturado; estão "delineando" um Estado no espírito de Eros. Desde a Revolução tem havido "delineamentos" para agricultura, comércio, e indústria.

Esses ideais deveriam ser despedaçados; quanto mais barulhento, melhor. Dureza, dureza romana está agora assumindo o controle. Logo não haverá espaço para nada mais. Arte, sim; mas em concreto e aço. Literatura, sim; mas escritas por homens com nervos de aço e profundidade descompromissada de visão. Religião, sim; mas pegue seu hinário, não sua edição clássica de Confúcio, e vá à Igreja. Política, sim; mas nas mãos de estadistas, e não idealistas. Nada mais será de consequência. E nós não devemos jamais perder de vistas o que se encontra por trás e diante de nós, cidadãos desse século. Nós alemães jamais produziremos de novo um Goethe, mas sim um César.


23/06/2012

O Cartel de Windsor por trás do Golpe de Estado no Paraguai


A Monsanto golpeia Paraguai: Os mortos de Curugutay e o julgamento político a Lugo.
Por Idilio Méndez Grimaldi (*)



Quem está por trás dessa trama tão sinistra? Os propulsores de uma ideologia que promove o máximo benefício econômico a qualquer preço, e quanto mais, melhor, agora e no futuro.

Na Sexta-Feira, 15 de Junho de 2012, um grupo de policiais que ia cumprir uma ordem de despejo do apartamento de Canindeyú na fronteira com Brasil, foi emboscado por franco-atiradores, misturados com campesinos que reclamavam terras para sobreviver.

A ordem foi dada por um juiz e uma promotora para proteger um latifundiário. Como resultado se teve 17 mortos; 6 policiais e 11 campesinos e dezenas de feridos graves. As consequências: o governo frouxo e tímido de Fernando Lugo ficou debilitado ao extremo, cada vez mais direitizado, a ponto de ser levado a julgamento político por um Congresso dominado pela direita; duro revés para a esquerda, para as organizações sociais e campesinas, acusadas pela oligarquia proprietária de terras de instigar aos campesinos: avanço do agronegócio extrativista de mãos de transnacionais como Monsanto, mediante a perseguição aos campesinos e ao confisco de suas terras, e, finalmente, a instalação de uma cômoda plateia para os oligarcas e os partidos de direita para seu retorno triunfal nas eleições de 2013 ao Poder Executivo.

Em 21 de Outubro de 2011, o Ministério da Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente a semente de algodão transgênico Bollgard BT da companhia norte-americana de biotecnologia Monsanto, para semeadura comercial no Paraguai.

Os protestos campesinos e de organizações ambientalistas não deixaram esperar. O gene desse algodão está misturado com o gen do Bacillus Thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas de algodão, como as larvas do gorgulho, um coleóptero que deposita ovos no casulo do têxtil.

O Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes, SENAVE, outra instituição do Estado paraguaio, dirigido por Miguel Lovera, não inscreveu dita semente transgênica nos registros de cultivos, por carecer dos ditames do Ministério da Saúde e da Secretaria do Ambiente, tal como exige a legislação.

Campanha Midiática

Durante os meses posteriores, a Monsanto, através da União de Grêmios de Produção, UGP, estreitamente ligada ao Grupo Zuccolillo, que publica o diário ABC Color, atacou a SENAVE e seu presidente por não inscrever a semente transgênica da Monsanto para seu uso comercial em todo o país.

A contagem regressiva decisiva pareceu ter se dado com uma nova denúncia por parte de uma pseudo-sindicalista do SENAVE, de nome Silvia Martínez, quem acusou em 7 de Junho Lovera de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, através da ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas Agrosán, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares por Sygenta, outra transnacional, todas sócias da UGP.

No dia seguinte, Sexta-Feira, 8 de Junho, a UGP publica no ABC em seis colunas: “Os 12 argumentos para destituir Lovera”(!). Estes alegados argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do Ministro da Agricultura, o liberal Frederico Franco, quem nesse momento se desempenhava como presidente do Paraguai em ausência de Lugo, de viagem para a Ásia.

Na Sexta-Feira, dia 15, em ocasião a uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardozo deixou escapar um comentário ante a imprensa que um suposto grupo de investidores da Índia, do setor dos agroquímicos, cancelou um projeto de investimento no Paraguai pela alegada corrupção no SENAVE. Nunca esclareceu de que grupo se tratava. Nessas horas daquele dia se registrava os trágicos sucessos de Curuguaty.

No marco dessa exposição preparada pelo citado ministério, a transnacional Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênico: BT e RR ou Resistente ao Roundup, um herbicida fabricado e patenteado por Monsanto. A pretensão da transnacional norte-americana é a inscrição no Paraguai desta semente transgênica, tal como já ocorreu na Argentina e outros países do mundo.

Previamente a estes feitos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente por alegados fatos de corrupção à ministra de Saúde, Esperanza Martínez e ao ministro do Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários que não deram suas opiniões favoráveis a Monsanto.

A Monsanto faturou no ano passado 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara essa parte de sua renda) somente em questão de royalties pelo uso de sementes transgênicas de soja no Paraguai. Independente, Monstanto fatura pela venda de sementes transgênicas. Toda a soja cultivada é transgênica em uma extensão próxima aos três milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.

Por outro lado, na Câmara de Deputados já se aprovou em geral um projeto de Lei de Biosegurança, que contempla criar uma direção de biossegurança a cargo do Ministério de Agricultura, com amplo poder para a aprovação para seu cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de soja, milho, arroz, algodão, e algumas hortaliças. Este projeto de lei contempla a eliminação da Comissão da Biosegurança atual, que é um ente coligado de funcionários técnicos do Estado paraguaio.

No entanto, transcorreram todos esses acontecimentos, a UGP vem preparando um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o próximo 25 de Junho. Se trata de uma manifestação com maquinarias agrícolas, fechando metade das pistas das rotas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do denominado “tratoraço” é a destituição de Miguel Lovera do SENAVE, assim como a liberalização de todas as sementes transgênicas para seu cultivo comercial.

As conexões

A UGP está dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez – quem tem negócios com o setor dos agroquímicos – entre outros agentes das transnacionais de agronegócio. Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color desde sua fundação sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa, SIP.

O Grupo Zuccolillo é sócio principal no Paraguai de Cargill, uma das maiores transnacionais de agronegócio no mundo. A sociedade construiu um dos portos pecuários mais importantes do Paraguai, denominado Porto da União, a 500 metros da absorção de água da empresa aguatera do Estado paraguaio, sobre o Rio Paraguai, sem nenhuma restrição.

As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a férrea proteção que têm no Congresso, dominado pela direita. A pressão tributária no Paraguai é apenas de 13% sobre o PIB. Os 60% de impostos arrecadados pelo Estado paraguaio é o Imposto sob Valor Agregado, IVA. Os latifundiários não pagam impostos. O Imposto Imobiliário representa apenas 0,04% da pressão tribuária, uns 5 milhões de dólares, segundo um estudo do Banco Mundial (2) ainda quando o agronegócio produz rendas em torno de 30% do PIB, que representam uns 6 bilhões de dólares anuais.

O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Em torno de 85% das terras, uns 30 milhões de hectares,  estão em mãos de 2 por cento de proprietários (3) que se dedicam à produção meramente extrativista ou no pior dos casos à especulação sobre a terra.

A maioria destes oligarcas possuem mansões em Punta del Este ou Miami e têm estreitas relações com as transnacionais do setor financeiro, que guardam seus bens ilícitos nos países fiscais ou lhes facilitam investimentos no estrangeiro. Todos eles, de alguma ou outra forma, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com amplas influências nos três poderes do Estado. Ali reina a UGP, apoiada pelas transnacionais do setor financeiro e do agronegócio.

Os fatos de Curuguaty

Curuguaty é uma cidade localizada ao leste da Região Oriental do Paraguai, e uns 200km de Asunção, capital do Paraguai. A uns quilômetros de Curuguaty se encontra a estância Morombi, propriedade do latifundiário Blas Riquelme, com mais de 70 mil hectares neste lugar.

Riquelme provém do envolvimento da ditadura de Stroessner (1954-1989) sob cujo regime acumulou uma imensa fortuna, aliado ao general Andrés Rodriguez, quem executou o golpe de Estado que derrocou o ditador Stroessner. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e estabelecimentos pecuários, se epropriou mediante subterfúgios legais de uns 2000 hectares, aproximadamente, que pertencem ao Estado paraguaio.

Esta parcela foi ocupada pelos campesinos sem terras que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma fiscal ordenaram o despejo dos campesinos, através do Grupo Especial de Operações, GEO, da Polícia Nacional cujos membros de elite em sua maioria foram treinados na Colômbia, sob governo de Uribe, para a luta constrainsurgente.

Somente uma sabotagem interna dentro dos quadros de inteligência da Polícia, com a cumplicidade da Fiscalização, explica a emboscada, na qual morreram 6 policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbio, puderam cair facilmente em uma suposta armadilha feita por campesinos, como querem fazer crer a imprensa dominada pelos oligarcas. Seus camaradas reagiram e crivaram aos campesinos, matando 11, deixando uns 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.

O plano consiste em criminalizar, levar até o ódio extremo, a todas as organizações campesinas, para empurrar os campesinos a abandonar o campo para o uso exclusivo do agronegócio. É um processo lento, doloroso, de desruralização do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentícia, a cultura alimentícia do povo paraguaio, pelos campesinos produtores e recreadores ancestrais de toda a cultura guarani.

Tanto os promotores ou o Ministério Público, como o Poder Judicial e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do Estado paraguaio, estão controlados mediante convênios de cooperação pela USAID, a agência de cooperação dos Estados Unidos.

O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República obviamente é uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente através de um julgamento político, quem direitizou mais seu governo tratando de acalmar os oligarcas. O ocorrido em Curuguaty tombou a Carlos Filizzola do Ministério do Interior e foi nomeado em seu lugar Ruben Candia Amarilla, proveniente do opositor Partido Colorado, ao qual Lugo derrotou nas urnas em 2008, depois de 60 anos de ditadura coloarada, incluindo a tirania de Alfredo Stroessner.

Candia foi ministro de Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e desempenhou como fiscal geral do Estado por um período, até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, a instância do próprio Lugo. Candia é acusado de ter promovido a repressão de dirigentes de organizações campesinas e de movimentos populares. Sua nomeação como Fiscal Geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um maior controle por parte da USAID do Ministério Público e foi acusado no início de seu governo por Fernando Lugo de conspirar contra si para tirá-lo do governo.

Depois de assumir como ministro político de Lugo, o primeiro que anunciou Candia foi a eliminação do protocolo de diálogo com os campesinos que invadem propriedades. A mensagem é que não haverá conversação, senão simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem hesitação.

Dois dias depois de assumir Candia Amarilla, os membros da UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, já visitaram o novinho em folha ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do denominado tratoraço. Não obstante, Cristaldo disse que a medida de força pode ser suspendida em caso de novos sinais favoráveis para a UGP (leia-se liberação das sementes transgênicas da Monsanto, destituição de Lovera e outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e oligarcas) direitizando ainda mais o governo.

Cristaldo é pré-candidato a deputado para as eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado no ano passado pelos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio diário ABC Color, que se fez eco de vários cabos do Departamento de Estado dos EUA, publicado por Wikileaks, entre eles um que aludia diretamente a Cartes, em 15 de Novembro de 2011.

O Julgamento político a Lugo

Nas últimas horas, enquanto se elaborava está crônica, a UGP (4), alguns integrantes do Partido Colorado, e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico, PLRA, dirigido pelo senador Blas Llano, e aliado do governo, ameaçam com um julgamento político a Fernando Lugo para destituí-lo como presidente da República do Paraguai.

Lugo depende do humor dos colorados para seguir como presidente da República, assim como de seus aliados liberais, que agora o ameaçam com julgamento político, com segurança buscando mais espaços de poder (dinheiro) como garantia de paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários da oposição, tem a maioria necessária como para destituir o presidente de suas funções.

Quiçá se esperam “os sinais favoráveis” de Lugo que a UGP – em nome da Monsanto, a pátria financeira e dos oligarcas – está exigindo ao governo. Caso contrário, se estaria passando a uma seguinte fase dos planos de aquisição deste governo que nasceu como progressista e lentamente foi terminando como conservador, controlado pelos poderes reais.

Entre alguns de seus ativos, Lugo é responsável da aprovação da Lei Antiterrorista, propiciada pelos Estados Unidos em todo o mundo depois do 11 S. Autorizou em 2010 a implementação da Iniciativa Zona Norte, consistente na instalação e desenvolvimento de tropas e civis norte-americanos no norte da Região Oriental – no nariz de Brasil – supostamente para desenvolver atividades a favor das comunidades campesinas.

A Frente Guazú, coalisão das esquerdas que apoia Lugo, não consegue unificar seu discurso, e seus integrantes perdem a perspectiva na análise do poder real, caindo nos jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pela USAID, muitos iintegrantes da Frente Guazú que participam na administração do Estado, sucumbem ante os cantos de sirene do consumismo galopante do neoliberalismo. Se corrompem até os tutanos e na prática se convertem em rivais vaidosos de ricos vaidosos que integravam os recentes governos do direitista Partido Colorado.

Curuguaty também engloba uma mensagem para a região, especialmente para Brasil, em cuja fronteira se produzem estes fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos amos da guerra, cujos teatros de operações se podem obsrrvar em Iraque, Libia, Afeganistão, e agora Síria. Brasil está construindo hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia, e China, denominado BRIC. Sem embargo, os Estados Unidos não cerra em seu poder de persuasão s gigante América-do-Sul. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Perú, e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas de Brasil em direção ao Pacífico.

Enquanto isso, Washington segue com sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos, e militares. Entretanto, a IV Frota dos Estados Unidos, reativada faz uns anos depois de estar fora de serviço, apenas culminou na Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, em caráter de outro cerco ao Brasil que por si não compreende a persuasão diplomática.

E Paraguai é um país em disputa entre ambos países hegemônicos, dominado ainda amplamente pelos EUA. Por isso o de Curuguaty é também um pequeno sinal para Brasil, em sentido que Paraguai possa converter-se em um barril de pólvora que esmagará o desenvolvimento do Sudoeste do Brasil.

Mas por sobretudo, os mortos de Curuguaty  são um sinal do capital, do grande capital, do extrativismo explorador, que assola o Planeta e esmaga a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Felizmente, os povos do mundo também vão dando respostas a estes sinais da morte, com sinais de resistência, com sinais de dignidade e de respeito e todas as formas de vida no Planeta.

19/06/2012

A Correspondência entre Jünger e Heidegger

por Alain de Benoist



Quando dois grandes homens - e que grandes homens, em verdade o maior filósofo do século XX e um de seus mais importantes escritores! - correspondem um com o outro, o que eles discutem? Nem sempre grandes coisas: eles também trocam trivialidades e falam de suas publicações, viagens, e procupações triviais. Mas às vezes o tom se eleva. E às vezes ele se torna sublime, como em 1956 quando Jünger consultou Heidegger sobre o sentido exato de uma máxima de Rivarol e recebeu um verdadeiro curso de filosofia, estupefante em profundidade, sobre os conceitos de tempo e movimento.

A correspondência de Ernst Jünger e Martin Heidegger começou em 1949 sobre planos para uma publicação periódica chamada Pallas a ser editada pelo ensaísta Armin Mohler (que foi secretário particular de Jünger de 1949 a 1953). Esse projeto não chegou a fruição - mas subsequentemente Jünger, junto com o historiador de religiões Mircea Eliade, criou outra publicação chamada Antaios. Sua correspondência continuou até a morte de Heidegger em maio de 1976. Publicada na Alemanha em 2008, ela está agora disponível em francês, belamente traduzida, edita, e comentada por Julien Hervier. Ela oferece um tipo raro de prazer.

Foi no ano anterior, ao fim de 1948, que Jünger pela primeira vez se encontrou com Heidegger em sua cabana na floresta de Todtnauberg. Depois ele escreveu: "Desde o início, havia algo - não apenas algo para além da palavra e do pensamento, mas além do próprio homem" (Rivarol e outros Ensaios).

Se estava então no período pós-guerra imediato, um tempo triste e doloroso quando os dois homens eram tratados como se eles fossem radiativos. Jünger, em 25 de junho de 1949, escreveu essa fantástica frase: "No curso dos últimos anos, ficou bastante claro para mim que o silêncio é a mais forte das armas, desde que ele seja dissimulado por trás de algo sobre o que se deve guardar silêncio".

Mais o que é mais notável sobre essas cartas é a diferença de tom entre o filósofo e o escritor. Ambos genuinamente admiravam um ao outro, mas intelectualmente Heidegger dominava completamente seu interlocutor. Jünger não oferece a menor crítica de Heidegger, mas o contrário não é inteiramente o caso.

De fato, Jünger - diferentemente de seu irmão Friedrich Georg Jünger - não possuía uma mente genuinamente filosófica. Ele revela que as obras de Heidegger, sobre as quais ele sabia pouco, às vezes estavam acima de sua capacidade. Em novembro de 1967, ele comentou: "Seus textos são difíceis e dificilmente traduzíveis: assim eu sempre fico impressionado pela influência que eles exercem sobre os franceses inteligentes". Tudo indica que Jünger estava mais impressionado pelo carisma intelectual de Heidegger do que por seu pensamento propriamente falando. Ele também estava mais inclinado a visitar, mais ávido por manter relações com seu contemporâneo. Heidegger era mais relutante em se deslocar, mais apartado da "vida social" - mais preocupado com o essencial. Como Lao-Tsé disse sobre o sábio: "Ele não age, mas ele realiza".

Heidegger, ademais, disse explicitamente que em seus olhos Jünger não era um "pensador" (Denker). Ele era um homem que teorizava com base em sua experiência, no que ele viu e viveu (começando por suas experiências nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial), mas não a partir do que apenas pode ser pensado. Jünger, em outras palavras, tinha idéias mais do que pensamento. Ele era um "Erkenner", um homem que "reconhece", mais preocupado com abrir uma "nova ótica" do que com chegar a "novas verdades". É por isso que Heidegger escreve:

"Ele não possui a menor idéia sobre o que ocorre na 'objetificação' do mundo e do homem. Basicamente seu conhecimento permanece psicológico e moral... Ele sempre permanece dentro da metafísica... Porque Jünger não vê o que é singularmente 'pensável', ele considera a consecução da metafísica como a essência da vontade de poder como amanhecer de uma nova era, enquanto ela constitui apenas um prelúdio para a decrepitude rápida de todas as inovações recentes, destinadas a desabar no ennui de um nada de insignificância que incuba esse abandono do Ser que é próprio aos entes".

Linguagem difícil? Há mais.
Heidegger, em qualquer caso, esteve interessado em Jünger por um longo tempo. Em 1932, seu O Trabalhador, o grande livro teórico do veterano do fronte, chamou a atenção de Heidegger como poucas outras obras. Durante o semestre de inverno de 1939-40 na Universidade de Freiburg, Heidegger até mesmo devotou todo um seminário a esse livro. Os textos que ele escreveu sobre Jünger, reunidos em um volume de quase 500 páginas publicados na Alemanha em 2004 (volume 90 de suas obras completas, ainda em curso de publicação por Vittorio Klostermann!), testemunham eloquentemente.

Em Jünger, Heidegger admirava alguém que havia compreendido o mundo baseado na vontade de poder e havia esclarecido o papel desempenhado pela tecnologia nessa perspectiva. A Figura do Trabalhador está de fato presente no mundo na forma de poder. É pela Figura do Trabalhador que a Tecnologia, como máquina e instrumento, faz emergir a "mobilização total". Em uma referência direta a O Trabalhador Heidegger escreveu: "O trabalho...hoje se eleva ao nível metafísico dessa objetificação incondicional de todas as coisas presentes, que implementa seu ser na vontade de vontade" (Vorträge und Aufsätze).

Heidegger era um leitor admirador de Jünger, mas também um crítico. O diálogo que os dois homens mantinham, às vezes indiretamente, prova isso sem ambiguidade. O melhor jeito de apreciar o que os separa é ler de cabo a rabo os textos que eles dedicaram um ao outro em seus respectivos aniversários de 60 anos: o "Sobre a Linha" de Jünger (Über die Linie), (1950) e "Sobre 'A Linha'" de Heidegger (Über "die Linie") (1955). Ambos os textos dizem respeito à essência da tecnologia moderna e à luz que ela lança sobre o conceito de niilismo. É notável que Nietzsche constitui o eixo central do diálogo entre Heidegger e Jünger.

Em seu texto de 1950, Jünger em efeito toma o pensamento de Nietzsche como o ponto de partida para uma tentativa de avaliação do niilismo contemporâneo. Ele conclui com um tipo de otimismo de que o pior já passou. O mundo contemporâneo, ele diz, já passou do "ponto zero", i.e., o divisor de águas do niilismo, enquanto Heidegger afirma, ao contrário, que este mundo está mais do que nunca imerso no "esquecimento do Ser" do qual é impossível escapar a não ser que se abandone a linguagem da metafísica ("a linha zero, na qual a realização alcança seu fim, é no fim das contas a menos visível de todas").

Sem entrar muito em detalhes abstratos, uma resenha é necessária aqui. Nos dois volumes reunindo seus cursos sobre Nietzsche (1936-46), Heidegger afirma que ainda que o autor de Assim Falou Zaratustra feche o círculo da metafísica ocidental, não obstante ele permanece preso nela. A vontade de poder, em seus olhos, é apenas a "vontade de vontade", i.e., subjetividade exacerbada (é uma "vontade de si mesmo", uma vontade que depende de si ao mesmo tempo que é posta como seu próprio objeto). A época moderna de decadência é aquela do cumprimento da metafísica na forma da metafísica da vontade, da qual Nietzsche é o último representante. Para Nietzsche, basicamente, "poder e vontade possuem o mesmo sentido". Heidegger convida Jünger a pensar para além da metafísica nietzscheana da vontade de poder, a metafísica moderna da subjetividade da qual ele continua a depender.

Heidegger não tem senão a mais elevada opinião de Nietzsche. E de Jünger. Ele apenas o convida a pensar além. Ernst Jünger, se deve enfatizar, é um dos raros autores com os quais Heidegger concordou, após 1945, em manter diálogo contínuo, o que certamente significa algo.

Para o aniversário de 80 anos do autor de Em Tempestades de Aço, Heidegger enviou essa mensagem a ele: "Permaneça com o espírito luminoso de decisão que você sempre demonstrou na maneira bastante distinta pela qual você fala". O tipo de observação que se imagina seria muito mal expresso pelas mensagens de texto ou e-mails de hoje.

18/06/2012

A Tirania do Relógio

por George Woodcock



Em nenhuma outra característica a sociedade ocidental é tão distinta das sociedades mais antigas, seja da Europa ou do Oriente, do que em sua concepção de tempo. Para os antigos chineses ou gregos, para os pastores árabes ou para o peão mexicano de hoje, o tempo é representado nos processos cíclicos da natureza, a alternância entre dia e noite, a passagem de estação para estação. Os nômades e camponeses mediam e ainda medem seu dia do amanhecer ao anoitecer, e seu ano em termos de tempo de plantio e de colheita, de cair das folhas e do gelo derretando nos lagos e rios. O camponês trabalhava segundo os elementos, o artesão pelo tempo que achasse necessário para aperfeiçoar seu produto. O tempo era visto em um processo de mudança natural, e os homens não estavam preocupados com sua medida exata. Por essa razão as civilizações altamente desenvolvidas em outras questões possuíam meios de mensuração do tempo extremamente primitivas, a ampulheta com sua areia ou água escorrendo, o relógio de sol, inútil em um dia nublado, e a vela ou lamparina cujos restos de óleo ou cera indicavam as horas. Todos esses instrumentos eram aproximados e inexatos, e muitas vezes tornados inúteis pelo clima ou pela preguiça pessoal do cuidador. Em lugar algum do mundo antigo ou medieval havia mais do que uma minúscula minoria de pessoas preocupadas com o tempo nos termos da exatidão matemática.

O homem moderno, ocidental, porém vive em um mundo que corre segundo os símbolos mecânicos e matemáticos do tempo do relógio. O relógio dita seus movimentos e inibe suas ações. O relógio transforma o tempo de um processo da natureza em uma commoditu que pode ser medida e comprada e vendida como sabonete. E porque, sem algum meio exato de marcar o tempo, o capitalismo industrial jamais poderia ter se desenvolvido e não poderia continuar a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de tirania mecânica nas vidas dos homens modernos, mais potente do que qualquer explorador individual ou qualquer outra máquina. É valioso traçar o processo histórico por meio do qual o relógio influenciou o desenvolvimento social da civilização europeia moderna.

É uma circunstância frequente da história que uma cultura ou civilização desenvolva o instrumento que posteriormente será usado para sua destruição. Os antigos chineses, por exemplo, inventaram a pólvora, que foi desenvolvida pelos especialistas militares do Ocidente e eventualmente levou a própria civilização chinesa a ser destruída pelos explosivos da guerra moderna. Similarmente, a conquista máxima da engenhosidade do artesão nas cidades medievais da Europa foi a invenção do relógio mecânico, que, com sua alteração revolucionária do conceito de tempo, auxiliou materialmente o crescimento do capitalismo exploratório e a destruição da cultura medieval.

Há uma tradição de que o relógio apareceu no século XI, como um instrumento para soar os sinos em intervalos regulares nos mosteiros, que, com a vida regimentada imposta a seus internos, eram a aproximação social medieval da fábrica moderna. O primeiro relógio autenticado, porém, apareceu no século XIII, e não foi até o século XIV que os relógios se tornaram ornamentos comuns dos prédios públicos nas cidades alemãs.

Esses relógios primitivos, operados por pesos, não eram particularmente precisos, e não foi até o século XVI que alguma grande confiabilidade foi obtida. Na Inglaterra, por exemplo o relógio em Hampton Court, feito em 1540, se diz ter sido o primeiro relógio preciso no país. E mesmo a precisão dos relógios do século XVI era relativo, pois eles estavam equipados apenas com ponteiros de horas. A idéia de medir o tempo em minutos e segundos havia sido pensada pelos metamáticos já desde o século XIV, mas não foi até a invenção do pêndulo em 1657 que precisão suficiente foi alcançada para permitir a adição de um ponteiro de minuto, e o segundo ponteiro não apareceu até o século XVIII. Esses dois séculos, deve ser observado, foram aqueles nos quais o capitalismo cresceu em tamanha medida que ele foi capaz de tirar vantagem da revolução industrial na técnica de modo a estabelecer seu domínio sobre a sociedade.

O relógio, como Lewis Mumford indicou, representa a máquina fundamental da era das máquinas, tanto por sua influência sobre a tecnologia como por sua influência sobre os hábitos dos homens. Tecnicamente, o relógio foi a primeira máquina realmente automática que alcançou qualquer importância na vida dos homens. Antes de sua invenção, as máquinas comuns eram de tal natureza que sua operação dependia de alguma força externa e não confiável, como músculos humanos ou animais, água ou vento. É verdade que os gregos haviam inventado um certo número de máquinas automáticas primitivas, mas estas eram usadas, como o motor a vapor de Heron, para obter efeitos "sobrenaturais" nos templos ou para divertir os tiranos de cidades levantinas. Mas o relógio foi a primeira máquina automática que obteve uma importância pública e função social. A relojoaria se tornou a indústria na qual os homens aprendiam os fundamentos da criação de máquinas e adquiriam a perícia técnica que produziria a maquinaria complicada da revolução industrial.

Socialmente o relógio possuía uma influência mais radical do que qualquer outra máquina, no sentido de ele foi o meio pelo qual a regulatização e regimentação da vida necessárias para um sistema exploratório de indústria poderia ser melhor alcançado. O relógio garantiu os meios pelos quais o tempo - uma categoria tão elusiva que nenhuma filosofia conseguiu ainda determinar sua natureza - poderia ser metido concretamente em formas espaciais mais tangíveis garantidas pela circunferência de um mostrador de relógio. O tempo como duração se tornou desprezado, e os homens começaram a falar e pensar sempre em "medidas" de tempo, exatamente como se estivesse falando de medidas de calicô. E o tempo, sendo agora mensurável em símbolos matemáticos, passou a ser considerado como commodity que podia ser comprada e vendida do mesmo jeito que qualquer outra commodity.

Os novos capitalistas, particularmente, se tornaram raivosamente cônscios do tempo. O tempo, aqui simbolizando o labor dos trabalhadores, era considerado por eles quase como se fosse a principal matéria-prima da indústria. "Tempo é dinheiro" se tornou um dos slogans basilares da ideologia capitalista, e o cronometrista se tornou o mais significativo dos novos tipos de funcionários introduzidos pela distribuição capitalista.

Nas primeiras fábricas os empregadores chegavam ao ponto de manipular seus relógios ou soar os apitos das fábricas nas horas erradas de modo a roubar dos trabalhadores um pouco dessa valiosa nova commodity. Posteriormente, essas práticas se tornaram menos frequentes, mas a influência do relógio impôs uma regularidade sobre as vidas da maioria dos homens que havia previamente sido conhecida apenas no mosteiro. Os homens efetivamente se tornaram como relógios, agindo com uma regularidade repetitiva que não possuía qualquer semelhança à vida rítmica de um ser natural. Eles se tornaram, como a frase vitoriana coloca, "regulares como relógios". Apenas nos distritos rurais onde as vidas naturais de animais e plantas e os elementos ainda dominavam a vida, qualquer proporção maior da população deixava se sucumbir ao tique mortal da monotonia.

Primeiro, essa nova atitude em relação ao tempo, essa nova regularidade de vida, foi imposta pelos mestres proprietários de relógios aos pobres. O escravo fabril reagia em seu tempo livre vivendo com uma irregularidade caótica que caracterizava as favelas encharcadas de gim do industrialismo do início do século XIX. Os homens fugiam para o mundo atemporal da bebida ou da inspiração metodista. Mas gradualmente a idéia de regularidade se espalhou para baixo entre os trabalhadores. A religião e a moralidade oitocentistas desempenharam seu papel proclamando o pecado do "desperdício de tempo". A introdução de relógios produzidas em massa por volta de 1850 espalhou a consciência do tempo entre aqueles que anteriormente haviam meramente reagido ao estímulo dos despertadores ou do apito da fábrica. Na igreja e na escola, no escritório e na oficina, a pontualidade era afirmada como a mais alta virtude.

A partir dessa dependência escrava do tempo mecânico que se espalhou insidiosamente entre cada classe no século XIX cresceu a regimentação desmoralizante da vida que caracteriza o trabalho fabril hoje. O homem que falha em se conformar se depara com a rejeição social e com a ruína econômica. Se ele chegar atrasado na fábrica o trabalhador perde o emprego ou até mesmo, hoje em dia [1944 - enquanto as regulações de tempo de guerra estavam em vigor], vai para a prisão. Almoços apressados, os esbarrões matutinos ou vespertinos atrás de trens ou ônibus, a pressão de ter que trabalhar para atender prazos, tudo isso contribui para desordens digestivas e nervosas, para arruinar a saúde e encurtar a vida.

Nem a imposição finaneira de regularidade tende, a longo prazo, a uma maior eficiência. De fato, a qualidade do produto é usualmente muito pior, porque o empregador, considerado o tempo como uma commodity pela qual ele tem que pagar, força o operador a manter tamanha rapidez que seu trabalho deve ser necessariamente mal feito. Quantidade ao invés de qualidade se torna o critério, o gozo é retirado do trabalho, e o trabalhador por sua vez se torna um "olhador de relógio", preocupado apenas com quando ele será capaz de escapar para o raro e monótono ócio da sociedade industrial, na qual ele "mata o tempo" comprimindo o máximo possível de gozo mecanizado e cronometrado do cinema, da rádio e dos jornais que seu salário e cansaço permitem. Apenas se ele estiver disposto a aceitar as durezas da vida por sua fé ou sagacidade pode o homem sem dinheiro evitar viver como escravo do relógio.

O problema do relógio é, em geral, similar àquele da máquina. O tempo mecânico é valioso como meio de coordenação de atividades em uma sociedade altamente desenvolvida, exatamente como a máquina é valiosa como meio de reduzir o trabalho desnecessário ao mínimo. Ambos são valiosos pela contribuição que eles dão ao gerenciamento tranquilo da sociedade, e devem ser usados na medida em que ajudam os homens a cooperar eficientemente e a eliminar a labuta monótona e a confusão social. Mas nenhum deve ter permissão para dominar as vidas dos homens como ocorre hoje.

Agora o movimento do relógio dita o ritmo das vidas dos homens - eles se tornam servos do conceito de tempo que eles próprios inventaram, e são mantidos no medo, como Frankenstein por seu próprio monstro. Em uma sociedade sã e livre tal dominação arbitrária das funções humanas seja pelo relógio ou pela máquina estaria obviamente fora de questão. A dominação do homem pela criação do homem é ainda mais ridícula do que a dominação do homem pelo homem. O tempo mecânico seria relegado a sua verdadeira função de meio de referência e coordenação, e os homens voltariam a uma visão equilibrada da vida não mais dominada pela adoração do relógio.

A liberdade completa implica a liberdade da tirania das abstrações tanto como do domínio dos homens.

16/06/2012

Guillaume Faye - A Essência do Arcaísmo

por Guillaume Faye

"Do nosso império interior" por Dragoš Kalajić.

É provável que apenas após a catástrofe que derrubará a modernidade, sua saga mundial e sua ideologia global, uma visão alternativa do mundo necessariamente se imponha. Ninguém terá tido a capacidade de previsão e a coragem de aplicá-la antes da erupção do caos. É, então, nossa responsabilidade - nós que vivemos, como Giorgi Locchi diz, no interregnum - preparar, desse momento em diante, uma concepção pós-catastrófica do mundo. Ela pode ser centrada no arqueofuturismo. Mas nós devemos dar conteúdo a esse conceito.

É necessário, primeiro, retornar a palavra "arcaico" a seu verdadeiro significado, o qual, em seu étimo grego archê, é positivo e não pejorativo, significando tanto "fundação" como "começo" - isto é, "ímpeto fundador". Archê também significa "aquilo que é criativo e imutável" e se refere ao conceito central de "ordem". Atender ao "archaico" não implica uma nostalgia retroativa, pois o passado produziu a modernidade igualitária, a qual atolou, e assim qualquer regressão histórica seria absurda. É a própria modernidade que agora pertence a uma era passada. 

Seria o "arcaísmo" uma forma de tradicionalismo? Sim e não. O tradicionalismo advoga a transmissão de valores e, corretamente, combate as doutrinas da tabula rasa. Mas tudo depende de que tradições são transmitidas. Nem toda tradição é aceitável - por exemplo, nós rejeitamos aquelas das ideologias universalistas e igualitárias ou aquelas que são fixas, ossificadas, desmotivadoras. É certamente preferível distinguir entre várias tradições (valores transmitidos) aquelas que são positivas e aquelas que são negativas.

As questões que perturbam o mundo contemporâneo e ameaçam a modernidade igualitária com catástrofe já são arcaicas: o desafio religioso do Islã; disputas geopolíticas por recursos escassos, terra agrícola, petróleo, pesca; o conflito norte-sul e a imigração colonizadora para o hemisfério norte; a poluição global e o choque físico da realidade empírica contra a ideologia do desenvolvimento. Todas essas questões nos lançam de volta em questões já de muito tempo, consignando ao esquecimento os debates políticos quase teológicos dos séculos XIX e XX, que eram pouco mais do que verborragia inútil sobre o sexo dos anjos.

Ademais, como o filósofo Raymond Ruyer, detestado pela intelligentsia esquerdista, previu em suas duas importantes obras, Les nuisances idéologiques e Les cents prochains siècles, uma vez que a digressão histórica dos séculos XIX e XX haja finalmente encerrado, com as alucinações do igualitarismo tendo descendido até a catástrofe, a humanidade retornará a valores arcaicos, isto é, bastante simplesmente, a valores biológicos e humanos (antropológicos): papéis sexuais distintos; transmissão de tradições étnicas e populares; espiritualidade e organização sacerdotal; hierarquias sociais visíveis e supervisórias; adoração dos ancestrais; ritos e testes iniciatórios; reconstrução de comunidades orgânicas que se estendem da unidade familiar individual à comunidade nacional do povo; a desindividualização do casamento para envolver a comunidade tanto quanto o casal; o fim da confusão entre erotismo e conjugalidade; o prestígio da casta guerreira; a desigualdade social, não implícita, que é injusta e frustrante, como nas utopias igualitárias atuais, mas explícita e ideologicamente justificável; um equilíbrio proporcional de deveres e direitos; uma justiça rigorosa cujos ditadors são aplicados estritamente a atos e não a indivíduos, o que encorajará um senso de responsabilidade nestes; uma definição do povo e de qualquer corpo social constituído como uma comunidade diacrônica de destino compartilhado, e não como uma massa sincrônica de átomos individuais, etc.

Em resumo, os séculos futuros, no grande movimento pendular da história que Nietzsche chamou de "eterno retorno do mesmo", irão de algum modo revisitar estes valores arcaicos. O problema para nós, para europeus, não é, pela covardia, permitir que o Islã os imponha sobre nós, um processo que está ocorrendo subrepticiamente, mas reimpo-los sobre nós mesmos, enquanto nos baseamos em nossa memória histórica.

Recentemente, um importante barão midiático francês - o qual eu não posso nomear, mas que é conhecido por suas simpatias esquerdo-liberais - me fez, em essência, o seguinte comentário desiludido: "Os valores econômicos do livre-mercado estão gradualmente perdendo para os valores islâmicos, porque eles são exclusivamente baseados no lucro econômico individual, o que é inumano e efêmero". Nossa tarefa é garantir que o retorno inevitável à realidade não nos seja imposto pelo Islã.

Obviamente, a ideologia contemporânea, hegemônica hoje mas não por muito tempo, considera estes valores como diabólicos, tanto quanto um louco paranóico possa ver os traços de um demônio no psiquiatra tentando curá-lo. Em realidade, estes são os valores da justiça. Verdadeiros à natureza humana desde tempos imemoriais, estes valores arcaicos rejeitam o erro iluminista da emancipação do indivíduo, que apenas acabou no isolamento desse indivíduo e em barbarismo social. Estes valores arcaicos são justos, no sentido grego antigo do termo, porque eles tomam o homem pelo que ele é, um zoon politikon ("um animal social e orgânico integrado em uma cidade-estado comunitária"), e não pelo que ele não é, um átomo isolado e assexual imbuído com pseudo-direitos universais porém imprescritíveis.

Em termos práticos, os valores anti-individualistas do arcaísmo permitem a auto-realização, a solidariedade ativa e a paz social, diferentemente do individualismo pseudo-emancipatório do igualitarismo, que acaba na lei da selva.